Paulo Peregrino, o paciente que passou por um tratamento considerado revolucionário no combate ao câncer em 2023, completou um ano de remissão total da doença neste domingo (24).
"Tomei um vinhozinho só para comemorar. A celebração desse meu aniversário, por uma coincidência entre astros, ela cai exatamente no início da semana santa, que é a semana da ressurreição", afirmou ao g1.
Paulo tratava um linfoma e estava prestes a receber cuidados paliativos, entre março e abril, quando foi selecionado para ser o 14º paciente a ser tratado pela terapia CAR-T Cell (entenda abaixo), em São Paulo.
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No Brasil, a técnica em estudo é indicada apenas para pacientes com leucemia linfoide aguda de células B e linfoma não Hodgkin de células B que não responderam ou apresentaram o retorno da doença após a primeira linha de tratamento convencional, como quimioterapia e o transplante de medula óssea.
Nesta segunda, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, participou do lançamento do estudo clínico Car-T Cell. A cerimônia aconteceu no Núcleo de Terapia Avançada (Nutera) no Hemocentro, que fica no campus da Universidade de São Paulo (USP), e contou ainda com a participação de outras autoridades, como o secretário de Saúde de São Paulo, Eleuses Paiva.
Segundo a ministra, o objetivo da pesquisa é fazer com que o tratamento chegue à população pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e, no futuro, possa abranger mais doenças, além da leucemia linfoide aguda de células B e do linfoma não Hodgkin de células B, inicialmente alvos do estudo.
“Esse estudo clínico envolvendo 81 pessoas, multicentro, envolvendo as competências da USP de pesquisa, inovação e tecnologia, como é o caso do Butantan, da Unicamp, do Sírio Libanês, certamente nos permitirá fazer chegar à população um tratamento revolucionário para tipos de câncer como linfomas, leucemia aguda, como já foi colocado aqui, e de outras doenças. Essa tem que ser a visão maior da ciência e tecnologia no SUS, né? Salvar vidas, garantir essas condições para os pacientes, o que representa também uma economia, como já foi dito aqui, muito importante para que possamos abranger novos tratamentos".
"Eu ainda estou, assim, raciocinando o que que é chegar a um ano de vida. Porque quando eu tinha um ano de vida realmente, uma idade cronológica, eu não podia pensar nisso. Hoje posso pensar. Estou numa vida nova, voltando ao meu voo. Esse meu primeiro ano de vida, apesar do corpinho de 62", completa Paulo.
Praia, vôlei e família
Desde que saiu do hospital em São Paulo e voltou para casa em Niterói (RJ), em julho, Paulo retomou a rotina com exercícios para tentar recuperar massa corporal. Retornar carregando sozinho suas próprias malas teve um significado importante.
Em novembro, Paulo celebrou os 62 anos em um bar com a família, amigos da escola, faculdade e do vôlei, totalizando 106 pessoas presentes.
"O negócio foi tão animado que fizemos trenzinho da alegria e cantamos Balão Mágico. Comprei dois bolos enormes. Este ano para mim se resume na seguinte palavra: gratidão. Quando eu for cumprimentar as pessoas no Réveillon, este ano pra mim vai ser expresso e finalizado com a palavra gratidão. É a base da felicidade. Isso que eu aprendi."
Aos fins de semana, ele voltou a treinar vôlei de praia com os amigos. No começo deste mês, disputou um campeonato da modalidade com os colegas. Apesar de a equipe ter ficado em último lugar, Paulo levou para casa o "Troféu Superação", um modelo de madeira que ganhou do grupo.
"Eu quero voltar a jogar um vôlei pelo menos razoável, né? E estava um sol naquele dia [do fim do campeonato], um sol escaldante de fritar ovo no asfalto, e eu joguei. Isso faz parte de toda essa amizade, essa energia positiva que me dá muito orgulho. Fiquei muito feliz em poder estar presente", conta.
Aos poucos, o publicitário tenta retomar a rotina e ajudar quem entra em contato pelas redes sociais pedindo conselhos e informações sobre a luta contra o câncer. Os próximos exames de Paulo serão realizados em abril de 2024
A técnica CAR-T Cell combate a doença com as próprias células de defesa do paciente modificadas em laboratório e faz parte de um estudo que usa verbas do Ministério da Saúde, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Paulo fez parte de um grupo de pacientes tratados de forma compassiva, ou seja, por meio de uma autorização da Anvisa, de forma individualizada, para pessoas que já tinham esgotado todos os tratamentos aprovados possíveis.
Antes dessa terapia, ele havia passado por procedimentos cirúrgicos, dezenas de exames e quimioterapia.
13 anos 'tocando em frente'
Uma linha do tempo ajuda a nortear as idas e vindas dos tumores de Paulo . A família é de Recife, mas se mudou para o Sudeste na década de 70. Ele é o caçula entre 10 irmãos. Foi o primeiro a enfrentar a doença
Livro no leito e cegueira temporária
Em 2020, a pandemia de Covid isolou Paulo num quarto de hospital. Ele tinha passado por um transplante de medula óssea. Sem acompanhantes, sozinho, no entanto, não ficou. Pediu à enfermeira os contatos dos pacientes de quartos vizinhos e criou um O grupo era formado por ele, um idoso com a esposa e uma adolescente de 17 anos, que dividiram histórias, se motivaram e trocaram músicas durante o isolamento.
Dentro dos 30 dias, Paulo fez o pré-lançamento de "Brizola e eu", um livro “banhado” a álcool e autógrafos. O esquema era: a esposa entregava os exemplares à enfermeira, o álcool higienizava os livros, ele assinava, e os exemplares eram levados para amigos e parentes.
O livro conta a biografia de Jecy Sarmento, um dos principais assessores e amigos do ex-governador Leonel Brizola.
O fim daquele ciclo na internação foi marcado por um bolo levado como surpresa pelas enfermeiras.
A contaminação por Covid veio em 2022, durante uma internação devido a uma queda nas plaquetas — quanto menor a contagem delas, maior o risco de sangramento intenso. A tosse forte causou uma hemorragia interna nos dois olhos e uma cegueira temporária de três mesesgrupo por WhatsApp, o “TMO Juntos” (trocadilho de "transplante de medula óssea" com TMJ de "tamos juntos”).
Mudança de tratamento
Pesquisas na internet levaram a família ao CAR-T Cell e ao médico Vanderson Rocha.
“Comecei a acompanhá-lo quando já tinha feito uma grande parte do tratamento. A doença voltou, então, a última opção dele realmente era o CAR-T Cell. Tive que pedir autorização da Anvisa para a gente poder fazer esse tipo de tratamento. Muitos pacientes não têm essa oportunidade”, afirmou anteriormente o especialista.
Paulo lembra que teve febre no primeiro dia em que as células modificadas foram aplicadas no corpo, e chegou a ir para a UTI para ser monitorado.
"Senti um pouco de dormência nas mãos, mas tive acompanhamento antes, durante e depois de toda a equipe multidisciplinar do HC, em São Paulo."
Estudo busca 81 novos pacientes
O estudo clínico para CAR-T Cell é financiado pelo Ministério da Saúde, com apoio de estrutura por parte do Butantan e investimento de pesquisa da Fapesp e do CNPq.
Segundo Rodrigo Calado, professor de medicina da USP e diretor-presidente do Hemocentro de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, os pacientes que se enquadram no estudo são recrutados por um período de 12 meses. Depois, serão acompanhados por mais 12 meses para uma análise dos resultados e a solicitação à Anvisa de registro do produto, que poderá ser disponibilizado ao SUS..
O estudo clínico de fase 1/2 vai incluir 81 pacientes com leucemia linfoide aguda de células B e linfoma não Hodgkin de células B, de forma gratuita.
Já foram tratados com essa terapia de células CAR-T desenvolvidas na USP e no Hemocentro de Ribeirão Preto 20 pacientes com leucemia ou linfoma, sendo que 14 deles continuam bem, de acordo com os médicos. Todos eram casos graves para os quais não havia mais opção terapêutica.
A parceria entre as instituições, incluindo o Hospital das Clínicas de São Paulo, resultou na construção de duas unidades do Núcleo de Terapia Avançada (Nutera) em Ribeirão Preto e na capital paulista. Apenas a “fábrica de células” de Ribeirão Preto está em operação e será responsável por atender a demanda de participantes do estudo. No futuro, poderão ser atendidos até 300 pacientes ao ano.
O estudo clínico é focado especificamente em pacientes com leucemia linfoide aguda de células B e linfoma não Hodgkin de células B que não responderam ou apresentaram o retorno da doença após a primeira linha de tratamento convencional, como quimioterapia e o transplante de medula óssea.
A técnica brasileira não tem efetividade em outros tipos de cânceres sólidos, além dos tipos citados acima.
Segundo os pesquisadores, o paciente que acredita preencher os requisitos deve conversar com o seu médico e pedir que ele entre em contato pelo e-mail: terapia@hemocentro.fmrp.usp.br.
Deve ser anexado o relatório de saúde do candidato, e o material será avaliado pelas equipes. Se o caso se enquadrar no estudo, o médico responsável pelo paciente será avisado.
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