A presença de bactérias em ambientes hospitalares é comum e pode levar a infecções importantes e até fatais. Com o uso incorreto ou em excesso de antimicrobianos, esse problema pode se agravar. Cabe ao farmacêutico estar atento a isso e acompanhar os pacientes no uso dessa classe de medicamentos, revelam os especialistas.
Nesse sentido, o especialista da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Marcelo Galas, revelou que o uso de antimicrobianos em pacientes com Covid-19 aumentou a resistência a esses fármacos, o que representa um problema de saúde pública, conforme informou a Agência Peruana de Notícias.
“Essa situação representa um problema de saúde pública por aumentar a resistência aos antimicrobianos, pois deixa o pessoal da saúde com menos possibilidades para combater as infecções que ocorrem na população”, frisou Galas. Ele ressaltou que o principal fator de resistência aos antimicrobianos é o seu uso indevido. “De alguma forma, o uso bom ou ruim produz ou induz resistência, e quanto mais utilizado maior a resistência”.
No ambiente hospitalar, em que as bactérias estão por toda parte, é preciso adotar rígidos protocolos para evitar a sua disseminação e as consequentes infecções de pacientes, profissionais e visitantes. Em ambientes de terapia intensiva isso se torna ainda mais crítico devido à quantidade de dispositivos invasivos utilizados nos pacientes, à imunossupressão causada pelas doenças de base, à própria internação prolongada e ao estado nutricional.
Para prevenir e com vistas a diminuir a ocorrência desses casos, a médica Referência Técnica Distrital (RTD) de Infectologia, Lívia Vanessa Ribeiro, explicou à Agência Brasília que existe um conjunto de definições padronizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para as principais infecções relacionadas à assistência à saúde.
“Todos os hospitais possuem um Núcleo de Controle de Infecção Hospitalar, responsável pelas ações educativas de prevenção e de elaboração de protocolos para auxiliar as equipes assistentes na adoção de normas e procedimentos seguros e adequados para resguardar a saúde dos pacientes, dos profissionais e dos visitantes, com o objetivo de evitar a transmissão hospitalar de micro-organismos e de infecções”, revelou Lívia.
Entre as ações de prevenção, estão a correta higienização das mãos dos profissionais de saúde, o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), a fiscalização da limpeza e a desinfecção de artigos e superfícies e o controle do uso de antimicrobianos.
O controle de medicamentos, como os antimicrobianos e antibióticos, por exemplo, é um dos pontos que os farmacêuticos podem contribuir para evitar a proliferação de bactérias super-resistentes. “O farmacêutico precisa e deve se atentar para as terapias que envolvam essa classe de medicamentos, analisar sempre a cultura de exames, para saber a resistência ou sensibilidade do antibiótico perante o micro-organismo, o tempo de uso correto do medicamento e a dosagem”, salienta o farmacêutico e professor da pós-graduação em Farmácia Hospitalar e Acompanhamento Oncológico no ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Leonardo Daniel Mendes.
O professor destaca que o uso de qualquer fármaco dentro do hospital necessita de parecer técnico e clínico do farmacêutico, porém existem classes de medicamentos que cabe um envolvimento ainda maior, como é o caso dos antimicrobianos. “Desde o início da graduação aprendemos sobre o uso racional dos medicamentos, todas suas aplicações e complicações quando essa prática não é efetiva. A vivência da rotina hospitalar tem sido, no aspecto da infectologia, muito desafiadora, pois cada vez mais surgem micro-organismos resistentes às terapias atuais, e isso se dá por uma série de motivos, dentre eles, o uso incorreto de medicamentos que combatem bactérias”, assinala. “Qualquer discrepância no uso pode gerar cada vez mais micro-organismos resistentes e colocar em risco a vida dos pacientes”.
Mendes ressalta que os profissionais de saúde estão preocupados com o não cumprimento dos protocolos de antibióticos, que tem levado a casos de resistência bacteriana extremamente agressivos, como o surgimento das superbactérias, “que nada mais são do que bactérias que conhecemos, porém com mutações celulares que evadem da resposta dos antibióticos [ e antimicrobianos], seja porque foi usado por muito tempo, a dose pode ter sido não efetiva ou o medicamento não era capaz de matar a população de micro-oganismos”.
Dentre dos micro-oganismos que mais assustam – continua Mendes – estão as bactérias do gênero Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC), uma superbactéria. “A contaminação hospitalar é extremamente perigosa, pois os pacientes, diversas vezes imunossuprimidos ou com dispositivos invasivos, estão sujeitos à contaminação, o que torna o hospital um ambiente extremamente perigoso nesse aspecto. Cabe a nós, farmacêuticos, atentarmos e acompanharmos os pacientes em uso de antibióticos [e antimicrobianos], pois as previsões para o futuro estão bem assustadoras quanto à resistência bacteriana”, frisa o professor do ICTQ.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, se nada for feito, doenças causadas por bactérias multirresistentes, para as quais nenhum antimicrobiano conhecido serve, podem causar a morte de mais de 10 milhões de pessoas até 2050, revelou em artigo para O Globo a microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência e pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.
Em aula da pós-graduação de Farmácia Clínica de Endocrinologia e Metabologia do ICTQ, o professor Edson Luiz de Oliveira explicou que, em 30 anos, ocorrerá um marco para a história futura da humanidade, pois se atingirá o pico da ocorrência de mortes causadas por bactérias resistentes a antibacterianos.
“Existe uma previsão para 2050 sobre as mortes provocadas por infecções causadas por bactérias resistentes a medicamentos. Nessa data, na Ásia, seriam 4,7 milhões de óbitos, na África, 4,1 milhões, na América Latina, 392 mil, na Europa, 390 mil, na América do Norte, 317 mil, e na Oceania, 22 mil”, revela Oliveira. A OMS estima que em 2050 morra mais gente por ano devido a infecções resistentes a antibióticos do que, por exemplo, de câncer.
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É preciso avaliar o micro-organismo, a condição clínica, ou seja, a patologia, a sensibilidade, o fármaco envolvido e o paciente. “A eficácia do uso de um antimicrobiano vai depender do micro-organismo, da doença estabelecida, do paciente e do fármaco escolhido, que será utilizado de acordo com a sensibilidade. Deve-se conhecer, ainda, aspectos relativos à farmacocinética”, diz o professor.
O uso equivocado de antimicrobianos envolve desde a escolha incorreta do fármaco (aplicá-lo em uma infecção viral, por exemplo), dosagem inadequada, tempo de utilização incorreto, utilização de terapêutica de prova em pacientes febris sem diagnóstico definido, até via de administração inadequada. “Ou seja, erro de horário, de dose, de medicamento não autorizado, da via de administração, da condição do paciente. Tem que conhecer detalhes para que o antimicrobiano seja usado corretamente”, frisa Oliveira.
No controle de antibacterianos, o farmacêutico tem várias atividades, a primeira delas está relacionada com o ciclo logístico, que começa com o processo de escolha do medicamento, passando pelo planejamento, armazenamento, controle e distribuição, bem como o acompanhamento, administração e o monitoramento das doses ao paciente, conforme destaca a farmacêutica e professora de Farmácia Hospitalar e Clínica do ICTQ, Mônica Maria Henrique dos Santos.
“O farmacêutico é que vai monitorar, fazer toda a farmacovigilância do medicamento junto aos pacientes no hospital. Por isso é muito importante a participação dele nas comissões de controle de infecção, pois são elas que deliberam sobre a relação de antimicrobianos padronizados no hospital, de acordo com os protocolos clínicos específicos do serviço”, revela Mônica.
Segundo ela, o farmacêutico hospitalar deve estar atento a todo ciclo logístico dos antimicrobianos, para que o paciente não receba o medicamento a mais ou para menos e fora do horário. “O excesso, a falta ou o atraso é um problema, pois esse medicamento tem uma biodisponibilidade bastante sensível para combater os micro-organismos. Erros podem causar resistência, comprometendo todo o tratamento do paciente”, diz a professora. “O micro-organismo terá tempo suficiente para adquirir resistência frente àquela droga administrada. Com isso, será preciso buscar outro antibiótico, geralmente mais caro, para eficácia no tratamento. Ou seja, além do problema da resistência antibacteriana, tem-se outro, de gestão financeira”.
O farmacêutico precisa avaliar a prescrição com atenção, verificando se o antimicrobiano é indicado para aquela bactéria específica. “É preciso conhecer todo o espectro da droga em relação ao micro-organismo que se pretende combater”, diz Mônica. Outro ponto importante diz respeito às interações medicamentosas.
“É importante observar qual é a terapêutica completa que o paciente está fazendo, para verificar uma possível interação com uma droga que pode inibir ou exacerbar o mecanismo de ação do antimicrobiano, provocando danos ao tratamento e podendo gerar inclusive uma toxicidade ou outras complicações ao paciente”, assinala a professora.
Está cada vez mais comum encontrar cepas ou espécies bacterianas que são resistentes ao uso de antibacterianos. As superbactérias são assim chamadas por terem se tornado resistentes a todos os antibióticos disponíveis. Estimativas da OMS revelam que cerca de 700 mil pessoas morram no mundo a cada ano com infecção bacteriana resistente. Ainda segundo a organização, é possível que nos próximos dez anos esse total possa aumentar dez vezes. Em 2019, a entidade indicou a resistência de bactérias a medicamentos como um dos problemas de saúde pública mais urgentes do século XXI.
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