Câncer de cólon e reto – ou é um tumor maligno que se desenvolve no intestino grosso, ou seja, no cólon ou em sua parte final, o reto. É a terceira neoplasia mais frequente entre homens, atrás do câncer de próstata e de pulmão. A principal forma de apresentação de tumor colorretal é o adenocarcinoma. Em 90% dos casos surge a partir de um pólipo adenomatoso que, com o passar dos anos, sofre alterações progressivas em suas células.
“Os sintomas mais comuns são alterações do ritmo intestinal, dores abdominais, presença de sangue nas fezes e dor ao evacuar. Nos estabelecimentos de saúde de atuação do farmacêutico (clínica, drogaria, hospital, etc.) o profissional poderá deparar com demandas frequentes de medicamentos para controle da dor, diarreia, anemia, fadiga que podem ser sinais de alerta. Nesse sentido, a atenção farmacêutica sistematizada pelo seguimento farmacoterapêutico é de suma importância para o acompanhamento desse paciente”, garante a farmacêutica, professora do ICTQ - Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, especialista em Farmácia Clínica em Oncologia, mestranda em Tecnologias de Saúde, Gestora de Medicamentos de Alta Complexidade em unidade hospitalar de Salvador (BA), dra. Amanda Pires Arruda.
“Anatomicamente, o cólon e o reto formam o intestino grosso. O cólon é a parte do intestino grosso que comunica o intestino delgado ao reto, sendo a parte do aparelho digestivo responsável por absorver a água, permitindo a formação do bolo fecal. O câncer colorretal começa quando células saudáveis do revestimento do cólon ou reto tornam-se alteradas e com crescimento desordenado. Esse crescimento celular desordenado permite originar pequenas elevações celulares, não cancerosas, chamadas de pólipo”, explica ela.
Segundo Amanda, os pólipos crescem muito lentamente podendo percorrer muitos anos para se tornarem malignos. Desse modo, esse período oportuniza que esses pólipos possam ser identificados e retirados antes de se transformarem em tumores malignos, por meio da colonoscopia.
Números
No Brasil, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), estimam-se 17.380 casos novos de câncer de cólon e reto em homens e 18.980 em mulheres para cada ano do biênio 2018-2019. Esses valores correspondem a um risco estimado de 16,83 casos novos a cada 100 mil homens e 17,90 para cada 100 mil mulheres. Em relação aos dados de mortalidade da doença, o número de óbitos entre 2008 e 2016 aumentou 45%, saltando de 11.953 para 17.284. Já nos Estados Unidos é a quarta neoplasia mais incidente diagnosticada no País.
Sintomas, prevenção e diagnóstico
A principal forma de prevenção é o rastreamento por meio de exames, como colonoscopias, que permitem a detecção e retiradas dos pólipos antes que se degenerem em câncer. É tratável e, na maioria dos casos, curável, ao ser detectado precocemente, quando ainda não se espalhou para outros órgãos.
Entre os sintomas, pessoas com mais de 50 anos com anemia de origem indeterminada e que apresentem suspeita de perda crônica de sangue no exame de sangue devem fazer endoscopia gastrintestinal superior e inferior.
Mudança no hábito intestinal (diarreia ou prisão de ventre), desconforto abdominal com gases ou cólicas, sangramento nas fezes, sangramento anal e sensação de que o intestino não se esvaziou após a evacuação são sinais de alerta. Também pode ocorrer perda de peso sem razão aparente, cansaço, fezes pastosas de cor escura, náuseas, vômitos e sensação dolorida na região anal, com esforço ineficaz para evacuar.
O diagnóstico pede biópsia, ou seja, exame de fragmento de tecido retirado da lesão suspeita. Essa retirada é feita por meio de aparelho introduzido pelo reto – endoscópio. Prevenir o câncer colorretal significa evitar os fatores que estão relacionados com seu desenvolvimento.
Para isso, é importante a adoção de uma dieta rica em frutas, verduras e vegetais, evitar carnes vermelhas e embutidos, praticar exercícios físicos, combater a obesidade, não fumar, não ingerir bebidas alcoólicas em excesso. Recomenda-se iniciar o rastreamento a partir dos 50 anos. Quando há casos na família, a colonoscopia deve ser iniciada mais precocemente.
“O câncer colorretal tem uma alta incidência quando comparado aos demais, sendo o segundo mais frequente nas mulheres e o terceiro nos homens. Costuma ser mais frequente entre os 50 a 70 anos, sendo recomendado pelos oncologistas exames de rotina para diagnóstico precoce nessa faixa etária ou em grupos de riscos, uma vez que, quando descobertos no início, as taxas de cura são bem promissoras, chegando em 90%”, diz o farmacêutico, professor do ICTQ, especialista em farmácia oncológica e mestre em farmacologia, dr. Leonardo Daniel Mendes.
Etiologia e atenção farmacêutica
Amanda explica que o câncer colorretal é uma doença associada a fatores genéticos, doenças inflamatórias como retocolite ulcerativa e doença de Crohn, fatores ambientais e relacionados ao estilo de vida. Esses fatores de risco incluem o consumo de bebidas alcoólicas, a baixa ingestão de frutas e vegetais, o alto consumo de carnes vermelhas e de alimentos processados, a obesidade, o tabagismo e o sedentarismo.
Na consulta farmacêutica, a ficha farmacoterapêutica, que é um instrumento que viabiliza a análise situacional, descrição dos eventos e intervenções no que tange às orientações apropriadas ao paciente, pode promover a conscientização sobre um tipo de câncer com alta frequência, encaminhamento para o profissional adequado e sugestão de rastreamento.
Segundo Amanda, com mais informação, o farmacêutico pode contribuir com o processo de diagnóstico precoce e as chances de um tratamento de sucesso e melhora da qualidade de vida do paciente.
Vale lembrar que esses sintomas podem ocorrer em outras patologias, por exemplo, hemorroidas. Em virtude disso, o profissional deve se ater ao fato de que os sintomas que servem de sinais de alerta para o câncer do colorretal têm características críticas e são persistentes no decorrer do tempo, segundo ela.
“O farmacêutico tem contato direto, mais vezes que o médico, com os pacientes. Acredita-se que a causa do surgimento da grande maioria dos tumores colorretais seja possível de prevenção, como uma alimentação adequada. Então, a prática de atenção farmacêutica pode contribuir significantemente com a redução do surgimento de novos casos. Mas, claro, sabemos que o câncer tem uma etiologia multifatorial, porém, a prática de acompanhamentos pelo farmacêutico de pacientes e orientações quanto ao exame de rotina podem melhorar, e muito, o quadro de mortalidade que temos hoje dessa patologia”, evidencia Mendes.
Avaliações clínica e laboratorial
O professor esclarece que a avaliação clínica farmacêutica se baseia no histórico do paciente e nos seus sinais e sintomas. Pacientes com antecedentes na família merecem um pouco mais de atenção. Queixas são comuns, tratando-se da clínica dessa doença. Perda de peso, diarreia ou intestino preso, sangramentos e dores abdominais. “Mas olhando de maneira breve, várias doenças podem gerar esses sintomas. Por isso, faz-se o exame de colonoscopia, onde se examina toda a porção do intestino e reto”, diz Mendes.
Acredita-se que a grande maioria dos tumores de intestino originam-se de pólipos adenomatosos, que apesar de benigno, podem evoluir para malignidade. Então, diante de uma lesão suspeita no exame de colonoscopia, a biópsia é feita para determinar do que se trata o achado.
Colonoscopia
“Hoje a colonoscopia é o exame mais importante para o diagnóstico do câncer colorretal. Antes do início da colonoscopia é necessário um preparo intestinal para a retirada de resíduos fecais. Esse preparo é realizado por meio de alimentação adequada e medicamentos laxantes de ação local. O procedimento é realizado após sedação do paciente e é introduzido um tubo flexível no reto com uma pequena câmera de vídeo na extremidade. Esse método permite a avaliação de toda a superfície interna do intestino grosso e, por vezes, instrumentos especiais podem ser passados através do colonoscópio para retirada de pequeno fragmento de tecido para análise (biópsia) e, ainda, ser removido pólipos, se necessário”, explica Amanda.
Sangue oculto nas fezes
O exame de sangue oculto nas fezes detecta a presença de sangue nas fezes por meio de uma reação química. Entretanto, não se pode afirmar que o sangue é do cólon ou de outra parte do aparelho digestivo. Se esse exame for positivo, uma colonoscopia será necessária para avaliar a presença de câncer, pólipos, ou outras causas do sangramento.
“O farmacêutico pode auxiliar na orientação farmacoterapêutica para o preparo do exame. Eventualmente, alguns medicamentos podem ser evitados, se possível, antes do procedimento, como os anti-inflamatórios não esteroides (ibuprofeno, diclofenaco) e ácido acetilsalicílico durante três dias antes do teste, pois podem causar sangramento, provendo possivelmente um resultado falso positivo. Suplementação com vitamina C na dosagem igual ou maior que 250 mg/dia pode influenciar nos produtos químicos utilizados no procedimento e resultar, da mesma forma, num falso negativo”, destaca a professora.
As avaliações e monitoração para o câncer de cólon e reto podem compreender ainda exame físico, exames laboratoriais, incluindo testes para marcador tumoral CEA (antígeno carcinoembrionário), raio X de tórax, tomografia computadorizada de abdome e pelve e PET-scan.
Estadiamento
“O estadiamento tem como função uma localização precisa e ampla da doença. Mais que somente mostrar o tamanho da lesão no local, o estadiamento preocupa-se com os achados a longa distância também, conhecidas como metástases. Os estudos de investigações de câncer colorretal, mostraram que o fígado é um órgão muito acometido com metástases. O antígeno carcinoembrionario (CEA) é um exame auxiliar no estadiamento, uma vez que valores aumentados precisam de cautela e investigação”, destaca Mendes.
Conforme o professor, são realizados conjuntamente exames de imagens, como exame ultrassonográfico e tomografias, que auxiliam na ausência ou evidência de metástases. O tipo de tratamento se dá baseado no estadiamento da doença, uma vez que estádios iniciais possuem um melhor prognóstico. Outra ferramenta que vem ganhando muito espaço e de contribuição fundamental para conhecer, de fato, a doença é a pesquisa molecular. Tratamentos com conhecimentos moleculares do tumor possuem um ganho imenso na terapia alvo adequada, gerando bons resultados.
O estadiamento do câncer colorretal é baseado no sistema TNM da American Joint Committee on Cancer que refere-se à abreviatura de tumor (T), linfonodo (N) e metástase (M). A categorização dessa avaliação é realizada por meio do próprio tumor, pelos linfonodos regionais ao seu redor e se ele se espalhou para outras partes do corpo. Adicionalmente, codificam-se também os estágios do câncer colorretal 0 e I à IV. Sendo que o inicial é denominado estágio zero e o estágio quatro trata-se da doença mais disseminada. Exemplo de estadiamento: IIIA: T1-2N0M0; IIA: T3N2aM0, de acordo com Amanda.
Para os cânceres que começam no cólon, a cirurgia é normalmente a primeira escolha. Basicamente os estádios discorrem como mostrado a seguir:
Estádio I: cirurgia colonoscopia, cirurgia aberta, colectomia laparoscópica.
Estádio II: nos tumores em estádio II, quando a doença está confinada à serosa que reveste o cólon ou o reto ou invadiu órgãos vizinhos, a cirurgia pode ser associada à quimioterapia pós-operatória, conforme estratificação de risco de cada paciente.
Estádio III: quimioterapia pós-operatória (adjuvante)
Estádio IV: quimioterapia, drogas que agem em alvos moleculares, cirurgia, radiofrequência
“A tomada de decisão do tratamento é um processo complexo e demanda diálogo entre a equipe multiprofissional, incluindo o farmacêutico, e o paciente, com o propósito de se considerar o tratamento mais personalizado possível”, pondera a professora.
Protocolos de tratamento
A atuação do farmacêutico na escolha dos protocolos de tratamento deve ser uma prática acrescentada em todas as instituições. O farmacêutico conhece os medicamentos e é o profissional mais preparado para alertar sobre possíveis efeitos colaterais e indesejados da terapia. O tratamento padrão ainda é a cirurgia para retirada do tumor primário e a quimioterapia adjuvante é dependente do estádio da doença.
“No estádio um não é recomendado quimioterapia, obviamente a clínica médica pode avaliar a questão. No estádio dois, somente altos riscos são recomendados após cirurgia a quimioterapia e nos estágios seguintes, todos são recomendados cirurgia mais quimioterapia”, alerta Mendes.
Nos demais estágios, os protocolos de quimioterapia adjuvante são a base de fluoropirimidina 5 fluorouracil (5-FU) e ácido folínico no estágio II invasivo e para os estágios mais avançados, juntamente com as duas drogas, acrescenta-se oxaliplatina, chegando ao protocolo FOLFOX (oxaliplatina 85mg/m² no D! + ácido folínico 400 mg/m² no D1 seguidos de 5-FU 400mg/m² bolus+ 5-FU 2400mg/m² por 46 horas, nesse caso, o paciente vai para casa com um infusor programado. Obviamente existem derivações desse protocolo e outros, porém o FOLFOX ainda é o mais prescrito.
Segundo Medes, tratando-se da doença metastática, o protocolo acompanha o FOLFOX, mas há substituição ou acréscimo da droga irinotecano, isso irá depender das condições moleculares da doença. E, por fim, ganhando muito espaço e com excelentes resultados, estão os anticorpos monoclonais, que dependendo do tipo de tumor, a combinação podem ter resultados excelentes, ganham destaque no câncer colorretal os anticorpos bevacizumabe, que agem contra a proteína de fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), sendo essa responsável pela angiogênese, o Cetuximabe e o Panitumumabe que agem nas proteínas que controlam o fator de crescimento epidérmico (EGFR).
Para Amanda, a atuação do farmacêutico se materializa em vários momentos do processo do cuidado. Para adaptar a terapêutica a cada paciente, todas as decisões de tratamento devem considerar fatores como potenciais efeitos adversos do plano de tratamento, além de outras comorbidades que sugerem outras terapias medicamentosas, sobretudo, vislumbrando a segurança do paciente.
O profissional farmacêutico em oncologia deve criar um protocolo de acompanhamento do paciente baseado em diretrizes oficiais. É importante descrever no plano de tratamento inicial, a duração do tratamento, nomes das drogas que compõem o tratamento, doses, esquema proposto, cirurgia e radioterapia, se aplicáveis. Em seguida, acompanhar toxicidades, abordar interações medicamentosas e realizar reconciliação medicamentosa, no que tange a prerrogativa desse profissional.
“Estabelecer rotina para dispensação de drogas orais, orientação ao paciente e familiar, acompanhamento telefônico para suporte, se necessário. E ainda, elaborar em conjunto com a equipe multiprofissional folhetos informativos para os pacientes e cuidadores. Regularmente, participar das discussões de atualizações dos protocolos de tratamento. E no que concerne aos protocolos infusionais, algumas questões relativas à farmacocinética e à farmacodinâmica são cruciais para os resultados clínicos relevantes em relação à resposta farmacológica de cada molécula utilizada no tratamento quimioterápico”, considera Amanda.
Toxicidade e taxa de recaída são os dois parâmetros farmacodinâmicos críticos na terapia antineoplásica, pois o índice terapêutico dos quimioterápicos antineoplásicos é estreito. Algumas complicações provenientes dessas variáveis fazem com que haja o comum ajuste de doses nos esquemas envolvendo antineoplásicos. É importante, nesse sentido, racionalizar a ordem de infusão em oncologia por meio de protocolos onde o farmacêutico é parte vital nesse processo.
“Os cuidados farmacêuticos estão comprovadamente relacionados a uma melhora significativa na adesão ao tratamento, bem como aprimorar a regularidade em relação ao regime posológico”, reitera a professora.
O papel do farmacêutico em tratamentos oncológicos
Segundo Mendes, o farmacêutico desempenha inúmeras funções dentro da oncologia. A inserção do profissional se dá desde a indústria, com a pesquisa e fabricação dos medicamentos, passando pela seleção, compra, manipulação e acompanhamento farmacoterapêutico do paciente.
“O farmacêutico é o mais qualificado no processo de escolha do tratamento nas equipes multidisciplinares que, por sinal, vem crescendo para melhoria do paciente. Na grande maioria dos centros oncológicos, a última validação da prescrição é do farmacêutico, sendo ele o responsável por de fato manipular os quimioterápicos ou solicitar correção. Sendo assim, o farmacêutico se coloca junto ao paciente e, com grande participação, avança na melhoria das condições de saúde nos pacientes oncológicos”, enfatiza Mendes.
Amanda conta que, historicamente, os farmacêuticos se concentravam nas tarefas operacionais da farmácia, com ênfase nas atividades convencionais de manipulação de antineoplásicos. No entanto, à medida que os tratamentos contra o câncer se tornaram mais complexos, amplificou-se a necessidade de profissionais de saúde especializados, conduzindo, dessa forma, o farmacêutico ao desenvolvimento de atribuições que abrangem todas as fases da assistência ao paciente.
“Como membro atuante da equipe multiprofissional em oncologia, o farmacêutico, entre outros encargos, deve exercer sua função precípua de proporcionar o acesso seguro e racional a medicamentos. Os farmacêuticos especialistas em oncologia são recursos essenciais para educar os pacientes e gerenciar os eventos adversos e as toxicidades do tratamento, enfatizando a importância da adesão ao medicamento e fornecendo cuidados de suporte”, finaliza Amanda.