O monitoramento do farmacêutico clínico em dislipidemias e diabetes

O monitoramento do farmacêutico clínico em dislipidemias e diabetes

Em todo o Brasil, de acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos em Saúde do Ministério da Saúde (CNES), existem cerca de 20 mil laboratórios de Análises Clínicas e 7 mil postos de coleta. Esses dados referem-se a todos os laboratórios prestadores de serviços, inclusive os de saúde pública. Para atuar nessa área, o farmacêutico deve se qualificar para fazer a monitorização de fármacos por procedimentos laboratoriais, evitando os quadros de intoxicações medicamentosas e estudando as reações adversas dos medicamentos, principalmente em pacientes com diabetes, dislipidemia e outras doenças crônicas.

Segundo o Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP), há, aproximadamente, 770 laboratórios cadastrados, dos quais 58% são de propriedade de farmacêuticos, podendo atuar em diversas instituições, como hospitais, bancos de sangue, unidades básicas de saúde (UBS), centros de produção e desenvolvimento de vacinas, centros de pesquisas, centros de vigilância sanitária e epidemiológica, entre outras.

O farmacêutico e professor do ICTQ - Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Rodolfo Fernandes, afirma que a medicina deve ser baseada na prevenção de doenças e não no modelo de medicina curativa. Tratar, por exemplo, pacientes com diabetes, dislipidemia e outras doenças crônicas custa muito caro para os serviços públicos de saúde. Nesse contexto, cabe ressaltar a importância dos exames laboratoriais na prevenção de doenças, visto que inúmeros marcadores bioquímicos podem estar alterados, mesmo alguns anos antes do surgimento de sinais e sintomas de diversas doenças.

O presidente do Grupo Tommasi (Laboratório, Pesquisa e Desenvolvimento, Analítica), Henrique Tommasi Netto, concorda com Fernandes: “O diagnóstico do futuro será relacionado com a causa e não com o efeito”.

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Assim, o conhecimento científico do farmacêutico em análise clínica se aplica, então, em dois ambientes: o primeiro onde são realizados os exames, ou seja, o laboratório de Análises Clínicas; o segundo, no atendimento clínico, na assistência farmacêutica em hospitais, bancos de sangue, Unidades Básicas de Saúde (UBS), centros de produção e desenvolvimento de vacinas, centros de pesquisas, centros de vigilância sanitária e epidemiológica, entre outras.

Segundo o farmacêutico, diretor-técnico do laboratório Central da Santa Casa de Porto Alegre (RS), Carlos Voegeli, a maioria dos funcionários que trabalha diretamente com análises clínicas na unidade são farmacêuticos.

Ele comenta que a atividade já foi muito artesanal, dependia da memória e das habilidades manuais, mas, atualmente, a informática, que guarda todos os dados; e a robótica, que garante maior precisão aos exames, facilitaram o trabalho.

10 motivos para o farmacêutico atuar nas análises clínicas

  1. O farmacêutico é o único que estuda o fármaco e o alimento e suas interações no processo saúde e da doença. A monitorização de fármacos por procedimentos laboratoriais é, cada vez mais, necessária para a correta terapêutica, evitando os quadros de intoxicações medicamentosas e estudando as reações adversas dos medicamentos.
  2. As análises clínicas têm profundas raízes na saúde pública, em que o farmacêutico é um profissional indispensável pela sua formação.
  3. A assistência farmacêutica exercida com qualidade necessita do conhecimento de parâmetros bioquímicos, hematológicos, imunológicos e outros pertencentes às análises clínicas, para a correta dispensação e monitoramento dos fármacos.
  4. O farmacêutico, por ter conhecimento de química e bioquímica, é o profissional capaz de preparar, analisar e utilizar corretamente os reagentes utilizados nas rotinas do laboratório de análises clínicas.
  5. O controle de qualidade dos exames de laboratório de análises clínicas é fundamental para a obtenção de resultados confiáveis e reprodutíveis, sendo essa importante tarefa executada pelo farmacêutico.
  6. Em ambientes de alta tecnologia, o farmacêutico é indispensável para a análise dos resultados fornecidos por modernos aparelhos e verificação de distorções ocorridas, com vista aos procedimentos de correção.
  7. A obtenção e manuseio de amostras biológicas para os exames laboratoriais têm que ter a supervisão do farmacêutico para a obtenção de resultados confiáveis.
  8. O planejamento, a administração, a gestão e a direção do laboratório de análises clínicas são atividades que devem ser exercidas pelo farmacêutico.
  9. O desenvolvimento científico e a pesquisa exercida pelo farmacêutico contribuem para o diagnóstico e prevenção de doenças.
  10. Pelo seu conhecimento científico, formação acadêmica abrangente e aptidão profissional, não há como contestar que, para o exercício das análises clínicas, o profissional de mais ampla capacitação é o farmacêutico.

Case de sucesso

Para exemplificar a importância da atuação do farmacêutico nas análises clínicas, o professor Fernandes analisa um case de um paciente, de 39 anos, que o procurou para a interpretação clínica dos exames laboratoriais realizados, pedindo para ele esclarecer algumas dúvidas sobre o seu estado de saúde.

Durante a anamnese realizada no momento da consulta, o paciente relatou ganho de peso nos nove meses que antecederam àquele encontro, além de cansaço aos pequenos esforços e escurecimento da pele em regiões do rosto, virilhas e axilas.

“O paciente relatou, ainda, que possuía vida sedentária, bebia aproximadamente dez doses de uísque por semana e era tabagista há 15 anos. Referiu irmão com coronariopatia aos 50 anos. Negou ser usuário de drogas. Declarou não utilizar medicamento de uso contínuo”, mencionou o professor. O exame clínico indicou 1,65m de altura, peso de 95kg, obesidade abdominal, PA: 160 mmHg X 105mmmHg e acantose nigricans em regiões do pescoço e axilas.

Ele destaca que o paciente em questão (assim como acontece com a grande maioria) chegou ao serviço público de saúde apresentando estágios avançados de diversas doenças. Isso se deve a não realização de exames anuais de rotina para avaliação do estado geral de saúde.

Os exames realizados naquele paciente foram solicitados por um médico, a partir da realização da anamnese. Foram solicitados exames para avaliação do controle glicêmico, marcadores bioquímicos para avaliação da função renal e pancreática, marcadores bioquímicos de avaliação da função tireoidiana, perfil lipídico e provas de função e lesão hepática.

“A solicitação e interpretação clínica de qualquer exame laboratorial deve ser realizada em conjunto com as informações obtidas durante a anamnese. O paciente relatou ganho de peso nos meses anteriores à consulta, fato que poderia estar relacionado ao estilo de vida dele, maus hábitos alimentares, sedentarismo e a doenças como o hipotireoidismo”, ressalta Fernandes.

Essas correlações clínicas são fundamentais para estabelecer uma hipótese diagnóstica e quais exames laboratoriais devem ser solicitados. Por isso, foram solicitadas as dosagens de TSH e T4L para avaliação da função tireoidiana, além do perfil lipídico para avaliar o risco de doenças cardiovasculares devido ao tabagismo, dieta, alcoolismo e sedentarismo.

No exame clínico foi evidenciada a presença de acantose nigricans, que são hiperpigmentações escurecidas na pele, provavelmente relacionadas ao aumento de insulina na corrente sanguínea (hiperinsulinemia) presente em pacientes portadores de diabetes mellitus tipo 2, Síndrome Metabólica e Síndrome do Ovário Policístico em mulheres. Tais dados clínicos indicaram a necessidade de exames laboratoriais para diagnóstico de diabetes.

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Marcadores Bioquímicos

Fernandes conta que, para a avaliação do metabolismo glicídico foram solicitados alguns exames laboratoriais, em que o resultado da glicemia do paciente foi 154mg/dL. Esse resultado não foi suficiente para concluir o diagnóstico de diabetes, por isso o paciente foi submetido ao teste oral de tolerância a glicose (TOTG/Curva Glicêmica). É um teste de sobrecarga de glicose, em que a última dosagem (após 120 minutos) deve ser menor de 140mg/dL. De acordo com os protocolos sobre diagnóstico de diabetes, resultados entre 140 mg/dL e 200 mg/dL indicam tolerância diminuída aos carboidratos. “Tendo como base todos os sinais e sintomas apresentados pelo paciente, esse resultado indicou que provavelmente o paciente seria diabético, já que a hemoglobina glicada também estava elevada (8%)”, ressalta o professor.

Alguns outros marcadores bioquímicos são importantes para avaliar a reserva e secreção insulínica do paciente, bem como auxiliar a classificação do tipo de diabetes mellitus que o paciente apresenta.

A dosagem de insulina reflete a concentração de insulina que está sendo secretada para a corrente sanguínea. O paciente apresentou resultado elevado para dosagem de insulina (51uUI/mL), o que pode estar relacionado ao processo de resistência insulínica. A partir da dosagem de insulina e glicemia são calculados dois índices: Índice de HOMA-IR (avalia resistência insulínica) e HOMA-Beta (avalia a capacidade secretora de insulina pelo pâncreas).

O aumento no resultado de HOMA-IR (19.39) indica que o paciente apresenta um processo de resistência insulínica que, em alguns casos, precede os casos de diabetes mellitus, hipertensão arterial e Síndrome Metabólica. Já o HOMA-Beta elevado (202%) indica que o pâncreas está secretando quantidade de insulina maior que o normal, provavelmente pelo quadro de diabetes mellitus tipo 2.

Fernandes ensina que a pró-insulina é composta pelo peptídeo-C e pela insulina. Após ser secretada na corrente sanguínea, a pró-insulina sofre uma divisão, quando são liberados o peptídeo-C e a insulina. A dosagem de peptídeo-C apresenta vantagens sobre a insulina porque o peptídeo-C possui maior estabilidade na corrente sanguínea quando comparado à insulina, pois a insulina, depois de ser liberada na corrente sanguínea, rapidamente é metabolizada e seus níveis plasmáticos diminuem. Assim, o peptídeo reflete com maior segurança os níveis de insulina que estão sendo secretados na corrente sanguínea. A dosagem de insulina e peptídeo-C são utilizados principalmente para avaliar os casos de resistência insulínica e diabetes mellitus tipo 2.

Para o monitoramento do controle glicêmico são utilizadas, principalmente, as dosagens de hemoglobina glicada e frutosamina.

A hemoglobina glicada é um importante marcador bioquímico para avaliação do controle glicêmico, pois representa o histórico glicêmico dos últimos 2 a 3 meses. Assim, é recomendada a dosagem de hemoglobina glicada 3 a 4 vezes ao ano em pacientes com mau controle glicêmico. Para pacientes com bom controle glicêmico, deve-se dosar 2 a 3 vezes ao ano.

Existe uma relação direta entre a elevação dos níveis de hemoglobina glicada e as complicações clínicas apresentadas pelos pacientes diabéticos. Ou seja, quanto maiores os níveis de hemoglobina glicada, maiores serão os riscos de desenvolver nefropatia, retinopatia, neuropatia, lesões microvasculares (pé diabético), complicações cardiovasculares (AVC, hipertensão, IAM), cetoacidose (mais comum no diabetes mellitus tipo 1).

Mau controle terapêutico

“Caso o paciente já tivesse o diagnóstico de diabetes e já tivesse iniciado o tratamento, o resultado da hemoglobina glicada de 8% indicaria um mau controle terapêutico”, alerta Fernandes.

Importante lembrar que a hemoglobina glicada não deve ser dosada em pacientes com anemias em geral ou hemoglobinopatias (Talassemias/Doença Falciforme), pois pode haver redução ou elevação significativa dos resultados.

A Associação Americana de Diabetes (ADA) recomenda aos laboratórios que o resultado da hemoglobina glicada seja reportado em conjunto com a glicemia média estimada para facilitar o entendimento por parte do paciente. A glicemia média estimada é uma tentativa de demonstrar ou estimar os valores diários da glicemia do paciente. Seria a tradução do resultado da hemoglobina glicada (em%) para valores diários em (mg/dL).

Sendo assim, 8% de hemoglobina glicada apresentada pelo paciente significa que glicemia média estimada (estimativa dos valores diários) foi aproximadamente 183mg/dL.

“Importante citar que os pacientes diabéticos devem apresentar resultados da glicemia abaixo de 140mg/dL, pois as principais repercussões clínicas do diabetes são evidenciadas em pacientes que apresentam glicemias superiores a estes valores”, afirma o professor.

A frutosamina (albumina glicada) é outro marcador que geralmente é solicitado junto com a hemoglobina glicada, pois ele reflete o histórico recente do controle glicêmico (últimas 2 a 3 semanas). O resultado apresentado pelo paciente (320mmol/L) também indicavam níveis elevados da glicemia nas últimas semanas.

Assim como a hemoglobina glicada, a frutosamina possui limitações na sua utilização clínica. A frutosamina (albumina glicada) não deve ser dosada em pacientes com doenças hepáticas, Síndrome Nefrótica e em pacientes que estejam fazendo suplementação de proteínas (ex. nutrição parenteral), pois a dosagem de frutosamina é muito sensível a variações na concentração proteica.

Outros marcadores

“Como o paciente, provavelmente, era diabético e hipertenso (PA: 160x105mmHg), foram solicitados marcadores bioquímicos de função renal, pois estima-se que cerca de 75% dos pacientes com doença renal crônica sejam diabéticos e hipertensos. Para diagnóstico de doença renal é necessário, entre outros critérios, a redução da taxa de filtração glomerular (<60mL/min) e presença de proteinúria por um período superior a três meses”, explica Fernandes.

O paciente apresentou elevação nas dosagens de uréia (96mg/dL) e creatinina (1.8mg/dL) e redução da taxa de filtração glomerular (clearance de creatinina: 70mL/min). O resultado da TFG indica que os rins têm aproximadamente 70% da sua capacidade funcional. O professor é categórico: embora o diagnóstico de doença renal crônica seja realizado por um nefrologista, um farmacêutico, ao avaliar ou encaminhar esse paciente ao médico, deve indicar: “Função renal a investigar”, “Função renal a esclarecer”.

A deficiência de vitamina D (10ng/mL) apresentada é uma condição comum em pacientes com doença renal crônica (vitamina D é ativada pelos rins) e pode predispor o paciente aos quadros de hipertensão arterial, diabetes e obesidade, já verificados em S.J.V. Sabe-se que a vitamina D (hormônio D) exerce inúmeras funções, entre elas a regulação da pressão arterial, controle da secreção de insulina e no metabolismo lipídico.

“Foi observado também no paciente o aumento na concentração do ácido úrico (produto final do catabolismo das purinas). As principais causas de aumento de ácido úrico são dietas ricas em proteínas, redução da eliminação do ácido úrico pelos rins (uso de diuréticos, AAS, presença de corpos cetônicos, hiperinsulinemia), aumento da produção endógena de ácido úrico (fármacos citotóxicos, psoríase, leucemias) e Síndrome de Lesch Nyhan”, destaca Fernandes.

O ácido úrico é um importante fator de risco de doenças cardiovasculares (Síndrome Metabólica), pois ele é capaz de gerar microlesões nos vasos sanguíneos e redução do óxido nítrico (vasodilatador).  Além de favorecer a formação de cálculos renais, a elevação de ácido úrico é causa importante de doença renal crônica e artrite gostosa (popularmente conhecida como Gota).

Perfil lipídico

Ao avaliar o perfil lipídico do paciente foi observado o quadro de dislipidemia (alteração lipídica), com elevação do colesterol total (330mg/dL). “Somente a dosagem do colesterol não fornece muitas informações clínicas referentes ao metabolismo lipídico, por isso é necessário avaliar a concentração das chamadas lipoproteínas”, lembra o professor.

O aumento do LDL-Colesterol (235mg/dL) indica maior risco de desenvolver doenças cardiovasculares, sobretudo porque o excesso de LDL-C pode favorecer a formação de placas de ateroma devido o depósito dessas lipoproteínas nas paredes dos vasos sanguíneos e camada íntima das artérias devido a sua baixa densidade. Por isso, o LDL-C é chamado de mau colesterol quando as suas concentrações estão elevadas.

A função principal do LDL-C é transportar colesterol (2/3 do colesterol circulam ligados ao LDL) para as glândulas responsáveis pela produção de hormônios esteroidais (à base de colesterol), como LH, FSH, testosterona, estradiol, progesterona, cortisol, SDHEA, vitamina D, aldosterona etc.

“Embora o aumento da concentração do colesterol desperte mais preocupação em relação à saúde do paciente, devemos considerar a redução significativa do colesterol abaixo dos valores de referência como uma condição clínica que pode causar impacto negativo na produção de hormônios, como já visto existem diversos hormônios que são produzidos a partir do colesterol”, ressalta Fernandes. Anemias hemolíticas crônicas, policitemia vera, Doença de Tangier e síndromes de má absorção são condições clínicas que podem cursar com a redução do colesterol.

Tabagismo e sedentarismo

Entre as causas da elevação do LDL-C estava o tabagismo e o sedentarismo declarados pelo paciente.  A nicotina oxida o LDL-C e dessa forma não consegue ser catabolizado, o que favorece diretamente a formação das placas de ateroma. A prática de atividade física aeróbica estimula a lipólise e o aumento dos níveis de HDL-C. Alguns estudos mostram que o consumo de vitaminas E, C e A reduzem a oxidação e minimizam a formação de placas de ateroma.

Ao ponderar a concentração de colesterol total e LDL-C, Fernandes lembra que é preciso avaliar a função tireoidiana, pois o hipotireoidismo é responsável por 30% das causas de hipercolesterolemia.

Os hormônios tireoidianos são responsáveis por regular a expressão de receptores de LDL-C no fígado para serem catabolizados, logo um paciente com hipotireoidismo irá apresentar menor concentração de T3 e T4, resultando em menor quantidade de receptores de LDL-C e aumento do colesterol total.

Vale destacar que o LDL-C é calculado pela maioria dos laboratórios e que as fórmulas utilizadas (Friedewald /Martin) são apenas estimativas e apresentam limitações. Por exemplo, o LDL-C não pode ser calculado quando a dosagem de triglicerídeos ultrapassar 400mg/dL.

Assim, o resultado vem reportado como “NC” ou não calculado. Na prática, valores de triglicerídeos superiores a 200mg/dL já superestimam os resultados de LDL-C. Por essa e outras limitações, a recomendação é que a interpretação e avaliação do LDL-C seja substituído pela avaliação do Colesterol NÃO-HDL. Fórmula do Colesterol NÃO-HDL: (COLESTEROL TOTAL-HDL).

Na prática, os valores do colesterol NÃO-HDL representam a fração de partículas aterogênicas na corrente sanguínea e o risco de doenças cardiovasculares.

Também foi observada a redução do HDL-colesterol (25mg/dL), o que aumenta o risco de doenças cardiovasculares, pois o HDL-C é dito bom colesterol, pois ele faz o chamado transporte reverso do colesterol. Transporta dos vasos sanguíneos e tecidos para o fígado para ser metabolizado.

“Fatores como o sedentarismo, maus hábitos e tabagismo apresentados pelo paciente reduziram os níveis séricos de HDL-C e aumentaram o risco de doenças cardiovasculares. Os valores de referência utilizados para o HDL-C na maioria dos laboratórios é acima de 40mg/dL, mas o resultado acima de 60mg/dL é considerado ótimo, além de fator protetor para doenças cardiovasculares”, diz o professor.

Do ponto de vista prático e clínico, um perfil lipídico ideal para todos os pacientes seria com os valores de HDL-C elevados e valores de LDL-C e COL-NÃO HDL baixos. Esse perfil representaria baixo risco do desenvolvimento de doenças cardiovasculares.

As relações colesterol total/HDL (Índice de Castelli I) e LDL/HDL (Índice de Castelli II) são utilizadas por muitos autores e profissionais de saúde para estimar os fatores de risco de doenças cardiovasculares. Outra relação utilizada para estratificar o risco de doenças cardiovasculares é triglicerídeos/HDL.

O paciente apresentou aumento na concentração de triglicerídeos (350mg/dL), o que representa um fator de risco para doenças cardiovasculares, esteatose hepática, obesidade e pancreatite. As principais causas responsáveis pelo aumento de triglicerídeos são dieta inadequada, sedentarismo, pancreatite, hipertrigliceridemia familiar e alcoolismo. O produto final do metabolismo do álcool no fígado são ácidos graxos, que por sua vez são convertidos em triglicerídeos.

Aterosclerose

A dosagem de proteína C reativa (marcador inflamatório) foi solicitada ao paciente em conjunto com o perfil lipídico para fazer o rastreio de aterosclerose, que é uma doença inflamatória de baixo grau, crônica e subclínica. O paciente apresentou aumento da PCR-US (2.3mg/dL) associada à dislipidemia, o que pode ser um indicativo do desenvolvimento de aterosclerose. Alguns estudos mostram a relação direta entre o aumento de PCR e a formação de placas de ateroma, bem como a redução dos níveis séricos de PCR após o início do tratamento das hipercolesterolemias utilizando estatinas.

“Do ponto de vista clínico, as dislipidemias podem ser dividias em primárias ou secundárias. As dislipidemias primárias são de origem genética (hipercolesterolemia família e hipertrigliceridemia familiar). A hipercolesterolemia familiar é resultante da redução ou mutação de receptores de LDL-C no fígado. Já a hipertrigliceridemia familiar de uma alteração genética que promove do aumento hepático de VLDL”, explica Fernandes.

As dislipidemias secundárias podem estar relacionadas ao estilo de vida do paciente (dieta inadequada, sedentarismo, alcoolismo, tabagismo) ou a doenças crônicas que causam alteração nos lipídios (hepatopatias, hipotireoidismo, diabetes, doença renal crônica, Síndrome de Cushing e uso contínuo de alguns medicamentos).

“Uma dica importante é sempre iniciar a investigação pelas causas de dislipidemias secundárias, utilizando como ferramenta a anamnese”, defende o professor.

Também foi observado no paciente o aumento de amilase (200UI/L) e lipase (175U/L), que são marcadores de função pancreática. Os resultados indicavam provavelmente um quadro de pancreatite aguda, que pode ter sido causada pelo uso de bebida alcóolica e aumento dos triglicerídeos. O sangue com altas concentrações de triglicerídeos ao passar pelo pâncreas causa inflamação do órgão e, consequentemente, gera a pancreatite. Por sua vez, a pancreatite aguda induz o aumento de triglicerídeos. Entre as principais causas de pancreatite aguda estão o alcoolismo, hipertrigliceridemia e cálculos biliares.

Dos marcadores bioquímicos para avaliação hepática, foram realizados apenas marcadores bioquímicos que indicam lesão (AST, ALT e GGT). O aumento de AST (54UI/L) e ALT (62UI/L) indicou possível quadro de hepatopatia (esteatose x cirrose hepática), provavelmente associada ao uso de bebida alcoólica ou dieta inadequada. A GGT é uma enzima presente na membrana dos hepatócitos e utilizado como marcador de alcoolismo ou uso de drogas hepatotóxicas.

Os marcadores bioquímicos do paciente, utilizados para avaliação tireoidiana, indicaram elevação de TSH (6.2mU/l) e redução de T4L (0.4ng/dl) o que pressupõe um possível quadro clínico de hipotireoidismo primário. Cabe lembrar que o hipotireoidismo pode ser dividido em hipotireoidismo primário (TSH elevado + T4L baixo), central (TSH baixo + T4L baixo) ou subclínico (TSH elevado + T4L normal). A principal causa de hipotireoidismo é a tireoidite de Hashimoto.

“Fazendo as correlações clínicas, podemos observar que uma das causas prováveis da elevação do colesterol apresentada pelo paciente pode ter sido o hipotireoidismo primário. Isso significa que a normalização dos níveis de colesterol só será possível após o tratamento do hipotireoidismo (dislipidemia secundária)”, comenta Fernandes.

Desfecho - tratamento multidisciplinar

Após a interpretação clínica dos exames laboratoriais, o paciente foi encaminhando para um tratamento multidisciplinar. O médico responsável pelo paciente prescreveu como tratamento farmacológico o uso de hipoglicemiantes, anti-hipertensivos, estatinas, reposição de iodo, além de exames laboratoriais e complementares para a avaliação de função e lesão hepática.

Além do tratamento farmacológico, o médico recomendou acompanhamento nutricional, prática de atividade física supervisionada e mudança de estilo de vida (tabagismo e alcoolismo). A Farmácia Universitária, no Rio de Janeiro (RJ), onde Fernandes fez o atendimento, ficou responsável pelo monitoramento e acompanhamento farmacoterapêutico do paciente.

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  • Acompanhamento Farmacoterapêutico em Pacientes com Distúrbios Endócrino;
  • Farmacoepidemiologia;
  • Boas Práticas de Prescrição e Toxicologia Clínica; e
  • Interações Medicamentosas.

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