O uso de medicamentos para melhorar o foco e o desempenho cognitivo vem crescendo entre jovens e adultos sem diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Para o professor do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico e PhD em Farmacologia, Thiago de Melo, o fenômeno é preocupante e exige atenção da sociedade e, especialmente, dos farmacêuticos. “Vivemos uma época marcada pela pressão por produtividade e pela cultura do ‘hustle’, a síndrome do nunca parar de produzir. Isso alimenta a busca por atalhos farmacológicos”, afirma.
Segundo ele, o problema não é o medicamento em si, mas o uso sem diagnóstico, sem acompanhamento e com finalidade de performance. “Falar de smart drugs sem abordar sono, saúde mental, organização da rotina e ambiente acadêmico é como um avião tentando voar com apenas uma asa: o raciocínio fica incompleto”.
Estudos apontam que de 5% a 25% dos estudantes em diferentes países já fizeram uso não médico de estimulantes. No Brasil, cerca de 6% dos universitários declararam utilizar metilfenidato com o objetivo de melhora cognitiva, mesmo sem diagnóstico de TDAH. Melo observa que “na prática, esse número está subestimado, dada a subnotificação e o uso informal observado em escolas e universidades”.
Entre os relatos, é comum a justificativa de que os medicamentos ajudam a melhorar a concentração, ficar mais tempo acordado e ter melhor desempenho em provas. “O reflexo disso tem sido perceptível até entre profissionais de saúde, que acabam utilizando essas substâncias como estratégia de estudo ou tentativa de aumento de rendimento”, alerta o professor.
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Os riscos que o farmacêutico deve comunicar
O especialista explica que os riscos do uso sem prescrição envolvem três eixos principais: segurança, eficácia real e ética. “Mesmo em pessoas consideradas saudáveis, há riscos clínicos relevantes, especialmente no sistema cardiovascular”, aponta. O aumento da atividade simpática causado por substâncias como metilfenidato, lisdexanfetamina e atomoxetina pode provocar taquicardia, hipertensão, arritmias e até eventos graves, como AVC e infarto, principalmente em doses elevadas ou combinadas a outros estimulantes.
Além disso, há efeitos neuropsiquiátricos (ansiedade, insônia, irritabilidade, sintomas psicóticos e dependência) e sintomas de abstinência após a interrupção. “O potencial de abuso faz parte do pacote”, diz Melo. “O ganho cognitivo em indivíduos sem TDAH é modesto e altamente variável; muitas vezes há apenas uma percepção subjetiva de melhora, sem benefícios reais”.
O uso sem prescrição também configura infração legal, sujeita a sanções e apreensões. “O farmacêutico precisa ter clareza de que facilitar o acesso irregular implica responsabilidade direta sobre o uso indevido”, adverte.
O farmacêutico como guardião do uso racional
Para o professor, o farmacêutico atua como uma verdadeira “guarda de fronteira” entre o uso racional e o abuso de medicamentos. Isso envolve desde a checagem rigorosa de receitas e a recusa de dispensações inadequadas até a identificação de padrões de “doctor shopping”: quando o paciente busca várias prescrições para o mesmo medicamento.
“É essencial que o farmacêutico assuma o papel de educador em saúde, explicando de forma acessível que o chamado ‘remédio para foco’ não é um suplemento inofensivo”, destaca. Ele também recomenda a atuação ativa em universidades, cursinhos e escolas, com palestras e campanhas sobre o uso seguro de psicoestimulantes e alternativas não farmacológicas, como sono adequado e manejo da ansiedade.
Fiscalização e lacunas regulatórias
Mesmo com o controle rígido da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre substâncias psicotrópicas, ainda há lacunas importantes. “Persistem desvios de prescrições legítimas, vendas online sem controle sanitário e a chamada ‘zona cinzenta’ dos nootrópicos e suplementos, que escapam à regulamentação, mas são usados com o mesmo propósito”, explica Melo.
Apesar de novas normas reforçarem o controle sobre substâncias com potencial de abuso, a eficácia desse sistema depende da atuação na ponta da cadeia. “O farmacêutico deve blindar a farmácia contra desvios, conferir receitas, evitar renovações automáticas e reportar padrões suspeitos à vigilância sanitária e aos conselhos regionais”, ressalta ele.
Educar é prevenir
Thiago de Melo encerra com um alerta que resume sua visão: “O farmacêutico é peça central na prevenção do abuso de medicamentos prescritos e isentos, quando assume de forma proativa o papel educativo e de barreira ao uso indevido”.
Mais do que um fiscal de receitas, o farmacêutico é agente de saúde, formador de consciência e defensor da segurança do paciente, e, nesse contexto, seu trabalho é essencial para conter a banalização das chamadas smart drugs.
Capacitação farmacêutica
Para quem deseja se capacitar e atuar em Farmácia Clínica, o ICTQ oferece alguns cursos de pós-graduação que devem interessar:
- Farmácia Clínica e Prescrição Farmacêutica
- Farmácia Clínica em Unidade de Terapia Intensiva
- Farmácia Clínica em Cardiologia
- Farmácia Clínica e Atenção Farmacêutica
- Farmácia Clínica de Endocrinologia e Metabologia
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