Acidentes de trânsito podem estar relacionados não apenas ao consumo de álcool, mas também ao uso de determinados medicamentos. Psicofármacos, como os benzodiazepínicos por exemplo, reduzem os reflexos de forma semelhante à bebida alcoólica, enquanto antidepressivos e alguns antialérgicos potencializam a sonolência e comprometem a atenção. Para o farmacêutico, cabe a responsabilidade de orientar os pacientes sobre esses riscos, reforçando cuidados no uso prolongado e durante o desmame, quando sintomas de abstinência também podem afetar a segurança ao volante.
O professor do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico e doutor em farmacologia, Humberto Spindola, destaca que a atenção deve ser redobrada: “O grande problema é o uso de medicamentos depressores do sistema nervoso central, pois eles reduzem significativamente os reflexos. Dentre os medicamentos que causam sonolência, os de maior risco são os tranquilizantes benzodiazepínicos, como o clonazepam (Rivotril), lorazepam e diazepam. O efeito desse tipo de medicamento é semelhante ao do álcool, pois as substâncias agem de formas bastante parecidas”, explica.
Essa semelhança com os efeitos da bebida alcoólica acende um alerta importante para a sociedade. Se por um lado a lei é rigorosa quanto à alcoolemia no trânsito, por outro ainda há pouco debate público sobre a influência de fármacos que afetam o sistema nervoso central e reduzem o estado de alerta.
Orientação farmacêutica é essencial
Na rotina da farmácia, é comum que pacientes questionem os efeitos de medicamentos sobre atividades diárias, incluindo a direção. Segundo Spindola, a atuação do farmacêutico é indispensável para esclarecer dúvidas e reforçar cuidados. “Acredito que a mais importante orientação é falar ao paciente para não dirigir quando estiver sob uso deste tipo de tranquilizante. Mesmo porque essa orientação consta na própria bula dos medicamentos. Se forem antidepressivos ou antialérgicos, como a prometazina, que podem gerar uma certa sonolência, a recomendação é que não dirija por longas distâncias. A monotonia na estrada, por exemplo, somada ao efeito dos medicamentos, pode aumentar o risco”, detalha.
Essa abordagem preventiva é crucial porque muitos pacientes subestimam os efeitos adversos, acreditando que o organismo se acostuma com o tempo. Contudo, o risco de acidentes não diminui, pelo contrário, pode aumentar dependendo da dose, da combinação de medicamentos e do perfil do paciente.
Uso prolongado exige monitoramento
Outro ponto que merece atenção é o uso contínuo de medicamentos, especialmente entre idosos. Spindola lembra que, muitas vezes, esses fármacos são administrados por tempo indeterminado, o que potencializa riscos. “Os grupos que requerem maior atenção farmacêutica são os idosos. Isso porque, na maioria das vezes, esses tranquilizantes são usados por tempo indeterminado. Por conta desse uso prolongado, ocorre uma espécie de acúmulo no organismo, o que faz com que, eventualmente, reações como tontura e sonolência ocorram mesmo sem uso recente”, afirma.
Esse acúmulo metabólico significa que, mesmo quando o paciente não tomou o medicamento no mesmo dia, ele pode apresentar reflexos comprometidos, desequilíbrio e lapsos de atenção ao volante.
Desmame: um cuidado pouco debatido
Além dos efeitos durante o uso, o processo de retirada gradual de determinados medicamentos - conhecido como desmame - também pode afetar a segurança. Essa é uma etapa que muitas vezes não recebe a devida atenção dos pacientes. “Os benzodiazepínicos estão entre os medicamentos que mais precisam ser retirados de forma lenta e gradual, o desmame. Em geral, os pacientes que já usam doses elevadas à noite para dormir já estão acostumados com os efeitos, portanto, a retirada gradual não deve produzir mais efeitos durante o dia do que já estão acostumados. Importante destacar que o desmame deve ser feito de forma gradual para evitar efeitos de abstinência típicos, como ansiedade, tremores e aumento da pressão arterial”, explica Spindola.
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Esse alerta é fundamental porque muitos pacientes interrompem o tratamento por conta própria, sem acompanhamento médico ou farmacêutico. Nesse contexto, além de comprometer o tratamento clínico, os sintomas de abstinência podem gerar riscos adicionais à condução de veículos.
Riscos ampliados em situações específicas
Existem ainda cenários nos quais o uso de benzodiazepínicos e outros tranquilizantes é pontual, mas igualmente preocupante. Exames como endoscopia e colonoscopia, por exemplo, frequentemente utilizam midazolam como medicação prévia para reduzir a ansiedade do paciente. Nesses casos, Spindola alerta: “A principal orientação é que, quando o paciente faz uso de benzodiazepínicos durante o dia, e não tiver costume de usar desta forma, que de fato não dirija, já que geralmente pacientes que usam de dia é porque têm uma ansiedade generalizada e, na verdade, não devem sentir essa sonolência”
Papel do farmacêutico na saúde pública
A discussão sobre medicamentos e direção de veículos envolve não apenas a relação individual entre paciente e tratamento, mas também um debate mais amplo de saúde pública. O farmacêutico, nesse cenário, assume um papel de destaque ao reforçar cuidados, identificar riscos e orientar comportamentos preventivos.
“Este tipo de orientação faz parte da nossa responsabilidade clínica. Quando orientamos o paciente a evitar a direção sob uso de determinados medicamentos, não estamos apenas prevenindo um desconforto individual, mas reduzindo riscos para toda a coletividade no trânsito”, conclui Spindola.
Com a crescente medicalização da sociedade e o uso disseminado de psicotrópicos e ansiolíticos, discutir o impacto desses medicamentos na direção se torna cada vez mais urgente. Para além das orientações de bula, é no contato direto entre paciente e farmacêutico que surgem os esclarecimentos capazes de salvar vidas.
Capacitação farmacêutica
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