Chemsex e Slamsex crescem no Brasil, impactando a saúde pública e o atendimento farmacêutico

Chemsex e Slamsex crescem no brasil, impactando a saúde pública e o atendimento farmacêutico

Atenção farma! É fato que existe uma relação estreita entre o farmacêutico e a sexualidade e a saúde da população. Por esse motivo, vale um alerta muito importante sobre práticas que estão sendo adotadas por alguns grupos de jovens (especialmente do segmento LGBTQIA+), que são chamadas de chemsex e a slamsex. Os nomes são alarmantes e as práticas mais ainda, já que envolvem o uso de drogas para intensificar as relações sexuais e representam um grave problema de saúde pública. Vamos à elucidação dos termos:

  • Chemsex (palavra que se origina da expressão chemical sex [sexo químico, em inglês] se refere ao sexo sob influência de drogas psicoativas para intensificar as relações sexuais. Geralmente está associado a festas ou reuniões em que se busca tanto a euforia como o prolongamento das relações.
  • Slamsex (ou slamming) é considerado uma forma de chemsex em que são combinados três elementos: o contexto sexual (sexo grupal, relações sem preservativo com parceiros casuais etc.), o uso de drogas psicoestimulantes e a administração dessas substâncias por meio intravenoso. Entre as drogas mais usadas estão o GHB (gama-hidroxibutirato), a mefedrona (a mais viciante) e a metanfetamina. Elas podem ou não ser consumidas juntamente com a cocaína, o speed, a ketamina, o ectasy e o MDMA.

Além dos riscos relacionados ao uso de drogas, a prática do chemsex também pode contribuir com o aumento da chance de contrair infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Muitas vezes, os praticantes, sob efeito das drogas, acabam não usando preservativos ou se esquecem de tomar a PrEP (lembrando que muitas vezes as sessões de sexo podem durar mais de 24h).

A farmacêutica, sanitarista e epidemiologista, Alícia Krüger, está à frente da Assessoria de Políticas de Inclusão, Diversidade e Equidade em Saúde do Ministério da Saúde (MS) e tem foco no cuidado farmacêutico com a população LGBTQIA+, entre outras questões.

Para ela, o primeiro lugar que essa população procura por orientações e serviços de saúde é, justamente, a farmácia. “Eu até comprovei isso no meu estudo de mestrado, abordando 201 mulheres trans e travestis no DF, comprovando que 84% desse universo pesquisado se dirigia diretamente à farmácia, sem nenhum tipo de receituário, para comprar os hormônios”, relembra.

Logo, isso mostra a necessidade de o profissional farmacêutico estar munido de informações técnicas, mas, também, conhecer o acolhimento e outras tecnologias para poder atender melhor a esse público.

Para o farmacêutico, professor do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação Para o Mercado Farmacêutico, doutor em Ciências da Saúde e coordenador do Curso de Farmácia da UNIFIPMoc – Afya, Flavio Figueiredo, embora pouco documentada na literatura, já que há poucos registros sobre a epidemiologia da prática do chemsex e do slamsex no Brasil, informalmente são comuns as dúvidas de indivíduos relatando tais situações. Além disso, em consultas à internet, nos blogs, em aplicativos de relacionamentos gays, principalmente, verifica-se muito a identificação desse tipo de prática, que precisa ser mais bem estudada e bem avaliada do ponto de vista de eventos em saúde pública, de modo a se traçar políticas de saúde que possam contribuir para o entendimento da questão.

Papel do farmacêutico

“O farmacêutico é essencial nesse contexto, principalmente enquanto é o primeiro profissional que essa população procura, e o acesso à farmácia também ser mais rápido que, por exemplo, no serviço público de saúde. Então, a primeira questão é o farmacêutico oferecer o acolhimento e uma escuta sem julgamentos. A partir disso, ele deve traçar um plano de cuidado, em colaboração com o paciente, para que possam ser feitas as reduções de dano”, alerta Figueiredo.

Embora não se possa interferir diretamente na autonomia do paciente e nas suas práticas, cabe ao profissional farmacêutico proceder o encaminhamento para serviços de profilaxia pré-exposição ou pós-exposição, segundo ele.

Deve-se, ainda, oferecer orientações sobre a questão das infecções sexualmente transmissíveis, já que o farmacêutico é, antes de tudo, um promotor e um educador em saúde, e isso é muito importante para que a população tenha confiança nesse profissional e reconhecê-lo como parceiro.

“Não se pode afirmar que as práticas de chemsex e slamsex são mais frequentes entre homens gays, pois a questão ainda é pouco documentada. Por isso, é fundamental lembrar das demais populações, como os heterossexuais e os bissexuais, que também podem fazer a utilização dessas substâncias para fins recreativos. Para todos esses públicos, a principal questão é o acolhimento e o desenvolvimento de tecnologias que possam atender a esse indivíduo nessas demandas e, a partir disso, então, orientá-lo”, reitera Figueiredo.

Além das infecções sexualmente transmissíveis, ele menciona que as práticas podem trazer comorbidades, como transtornos depressivos, ansiedade e até mesmo tentativas de autoextermínio. O farmacêutico deve atuar no bem-estar físico, no bem-estar social e no equilíbrio biopsicossocial e ambiental, que também estão relacionados a essas práticas culturais e à questão da sexualidade humana, que é muito complexa.

Trabalho interprofissional

As substâncias químicas usadas no chemsex e no slamsex são drogas que podem trazer uma euforia momentânea, mas podem causar sérios danos à saúde, por isso deve-se orientar o paciente de modo que ele reconheça e identifique a questão. “Aqui está a importância do trabalho interprofissional, e do farmacêutico saber a barreira de suas limitações para, por exemplo, encaminhar esse indivíduo para um apoio psicossocial, por meio da rede de apoio psicológico, e para entender a prática como um vício e encaminhá-lo ao serviço de saúde para orientação sobre questões mais graves como o impacto do uso rotineiro dessas substâncias sobre a função hepática, sobre a função renal, as alergias, o desenvolvimento de hipersensibilidade a essas drogas etc.”, fala Figueiredo.

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Seria importante a realização de estudos epidemiológicos que possam identificar e caracterizar melhor essas práticas, já que, no Brasil, ainda há poucos trabalhos que investigam a questão. Grande parte desses estudos são capitaneados por profissionais da enfermagem, atuantes no campo da epidemiologia, no campo da saúde coletiva. “Então, esse olhar do farmacêutico sobre essas práticas, que têm aumentado no país nos últimos anos, ocorre por meio de dados informais. Por isso, é importante colocarmos isso como um critério a ser investigado, por exemplo, numa anamnese ou numa consulta clínica farmacêutica”, ressalta ele.

Para a redução de danos e para a orientação sobre o uso racional dos medicamentos é fundamental o ambiente da farmácia, que é mais acolhedor e confidencial e menos burocrático, quando comparado ao serviço público de saúde. “Um local reservado, com a garantia dessa confidencialidade, é muito importante para o paciente, e isso pode acontecer até por meio da Telefarmácia, desde que haja ali as ferramentas adequadas”.

Figueiredo aborda outro aspecto relacionado ao chemsex e slamsex, que é orientação sobre a utilização de lubrificantes e hidratantes nas práticas sexuais, de modo a limitar fissuras e microlesões que possam inflamar e provocar repercussões maiores, além do uso do preservativo e do acesso ao PrEP.

Assim, o farmacêutico, juntamente com o paciente, pode fazer um plano de cuidado para a identificação dos melhores momentos para doses e horários, o monitoramento das interações medicamentosas que podem acontecer, além do uso do álcool, que geralmente ocorre em paralelo.

No mais, a LGBTQIA+fobia, expressão que engloba a aversão e o preconceito direcionados à comunidade LGBTQIA+, representa também um desafio significativo. O receio de enfrentar situações de discriminação impede que muitas pessoas busquem os serviços de saúde de que necessitam. Alícia ressalta um paralelo entre a situação atual da comunidade LGBTQIA+ e a área do HIV, citando uma frase emblemática: "hoje não é mais o HIV que mata, mas sim o preconceito". Da mesma forma, não é a falta de assistência em si que causa danos, mas sim a discriminação que resulta em consequências fatais e afasta as pessoas dos serviços de saúde. Nesse quesito, o farmacêutico é o acolhimento fundamental.

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