Anamnese é a construção de uma história sobre a saúde de um paciente por meio de perguntas poderosas. O trabalho mais importante e mais difícil nessa atividade não é encontrar a resposta correta, mas fazer a pergunta certa. Como parte fundamental de uma avaliação clínica, a anamnese é objetivamente a entrevista feita por um farmacêutico a um paciente, em um consultório, para se chegar a uma hipótese diagnóstica.
“A anamnese, indiferente se para médico, ou farmacêutico, ou fisioterapeuta, é um questionário com o qual se faz uma entrevista com o paciente e esse paciente trará à tona o seu problema de saúde. Há quanto tempo tem esse problema, quais são os hábitos alimentares, qual a história familiar, se alguém da família tem alguma patologia... Tudo isso para, ao final, o profissional de saúde chegar a uma hipótese diagnóstica ou poder tomar alguma decisão”, explica o farmacêutico especialista em Atenção Farmacêutica e professor do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, André Schmidt Suaiden.
O mestre em Ciências Farmacêuticas e professor do ICTQ, Mário Rezende, reforça que a anamnese é uma entrevista clínica. Trata-se da primeira oportunidade que o farmacêutico tem de conquistar o respeito do paciente, porque a forma correta com que se faz a anamnese pode já envolver o paciente. O docente lembra que ainda que não se faz anamnese somente em relação a patologia atual. Ela deve trazer o histórico familiar, patologia pregressa, além da que o paciente apresenta naquele momento. É trazer de volta tudo aquilo que o paciente tem com relação a doença ou que pode estar provocando essa patologia.
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Na Farmácia Clínica, a anamnese é aplicada principalmente a partir do método SOAP – Subjetivo, Objetivo, Avaliação e Plano. Ele permite que o farmacêutico faça um atendimento detalhado, rápido, prático e seguro. Como a própria sigla indica, em tese, a metodologia SOAP propõe:
- coletar informações subjetivas (S);
- dados que podem ser mensurados (O);
- proceder a avaliação das informações obtidas (A);
- montar um plano de ação focado no que for mais necessário (P).
“Muitas pessoas e muitos farmacêuticos confundem os métodos de Atenção Farmacêutica e o método clínico – de anamnese, e entre eles existe uma diferença muito drástica. O método de Atenção Farmacêutica serve para o paciente que é polimedicado. Por meio dele, se verificará se a pessoa tem um problema relacionado ao medicamento e, posteriormente, uma reação negativa a esse fármaco. Se o medicamento é seguro, efetivo, necessário. Para isso, utilizam-se os métodos de Atenção Farmacêutica: o método Dáder e o PWDT”, conta Suaiden.
No entanto, se o paciente chegar com uma queixa na farmácia, que é o local onde 90% dos farmacêuticos trabalham, se faz o processo de anamnese para saber qual é a queixa principal, a duração, se isso está envolvido com outras patologias. Nesse caso, o profissional não quer se preocupar com a farmacoterapia desse paciente.
Resolução 585/13, do CFF, regulamenta a anamnese farmacêutica
Independentemente do método de Atenção Farmacêutica, a anamnese é uma atividade primária na clínica farmacêutica e está respaldada na Resolução 585/13 do Conselho Federal de Farmácia (CFF).
Os farmacêuticos sempre realizaram anamnese, desde os primórdios da profissão, porém os profissionais não tinham uma norma que regulamentasse os serviços nos quais a anamnese está inserida. Até a Resolução 585/13, o farmacêutico era proibido de realizar vários serviços, dentre eles atender, principalmente, o paciente. Com a regulamentação, definiu-se o que era atribuição clínica do profissional, autorizando e dando segurança jurídica.
“A Resolução 585/13 regulamenta todas as atribuições clínicas do farmacêutico, entre elas a realização da anamnese para melhor tratar esse paciente. A anamnese é importantíssima para nós farmacêuticos, porque nos dá o poder de identificar aquilo que podemos tratar. Mais importante do que saber tratar, é saber o que não tratar e poder encaminhar esse paciente. As Resoluções 585 e 586, do CFF, vêm para ajudar a restabelecer a nossa importância social. O farmacêutico está deixando de ser um dispensador de medicamentos para, realmente, fazer esse trabalho clínico”, comemora Rezende.
Vale ressaltar que a Resolução 585/13 não restringe a anamnese farmacêutica a problemas de saúde autolimitados. Essa restrição se dá somente no suporte ao paciente e manejo de problemas de saúde, entre eles a prescrição de medicamentos.
Os problemas de saúde autolimitados, também conhecidos por transtornos menores, são enfermidades agudas, de baixa gravidade e de breve período – geralmente duram de sete a 14 dias. Podem ser tratados de forma eficaz e segura com medicamentos e outros produtos com finalidade terapêutica, cuja dispensação não exija prescrição médica. Os farmacêuticos devem orientar o paciente e acompanhar os resultados da terapia prescrita ou do encaminhamento, para certificar-se da adesão às intervenções realizadas e resolução do problema de saúde.
“Por meio dessa entrevista clínica, o farmacêutico, por conhecer a respeito das patologias e por ser também o profissional de saúde mais acessível da população, consegue saber se é um problema de saúde autolimitado ou não. Em caso negativo, se faz um encaminhamento de forma escrita para um profissional médico”, atesta Suaiden.
A anamnese farmacêutica é um procedimento fundamental para estabelecer o diagnóstico preciso e para instituir as condutas terapêuticas mais adequadas, seja prescrevendo ou ainda encaminhando o paciente para outros especialistas. Sendo assim, essa prática deve ser embasada nos conhecimentos científicos relacionados a abordagem do paciente, técnicas de entrevista, avaliação da linguagem não verbal e outras habilidades.
Anamnese: instrumento de investigação ou uma forma de estabelecer relacionamento com o paciente?
Será a entrevista um instrumento de investigação para coletar informações ou uma forma de estabelecer um relacionamento com o paciente? Afinal, são dois estranhos, frente a frente, trocando impressões, comunicando-se de alguma forma. A entrevista realizada pelo farmacêutico visa estabelecer contato, ou seja, desenvolver um relacionamento caracterizado pela confiança mútua, além de levantar dados importantes, que irão nortear a Atenção Farmacêutica.
Neste cenário, como executar essa anamnese sem colocar o paciente em um tribunal de inquisições? Ela é um processo subjetivo na prática clínica do farmacêutico e exige do profissional habilidades que vão muito além de conhecimentos teóricos e técnicos: exige humanidade!
A famosa frase do psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Jung, que diz “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”, descreve exatamente como deve ser a atuação de um farmacêutico clínico, baseando-se em empatia e na capacidade de se colocar no lugar do outro, no caso o paciente. De acordo com Suaiden, o profissional não pode agir mecanicamente, sendo um preenchedor de formulário e tornando a consulta uma situação engessada. É preciso entender todo o contexto de saúde do paciente.
“Desta frase, tiro muito a questão da empatia, se colocar no lugar do paciente. Muitas vezes, nós estamos tratando com esse paciente e não conseguimos nos comunicar com ele. Muitas vezes se utiliza jargões técnicos, não se fala na linguagem do paciente. A citação me relembra a questão de que você precisa saber com quem está falando e se você não falar bem com esse paciente, não conseguir conversar com ele e não for realmente um amigo para essa pessoa, ela não conseguirá dizer em palavras, gestos ou mesmo no exame físico o que realmente tem. Não conseguimos fazer uma boa anamnese se não conseguirmos ter uma boa comunicação com o paciente”, afirma Rezende.
Uma anamnese bem-sucedida tem como princípio a empatia, a compreensão mútua e uma relação de confiança instantânea entre paciente e farmacêutico. Se não se conduz a entrevista de forma relacional, ela será apenas uma simples coleta de dados que, na verdade, qualquer pessoa que tenha em mãos um formulário de perguntas e respostas, pode fazer. O produto de uma entrevista feita de forma inquisidora, a partir de formulários frios, dificilmente revelará como esse paciente é e qual é a sua percepção no que está vivenciando, tão pouco facilitará a execução posterior da semiologia quando aplicável na consulta.
Segundo Rezende, quando o farmacêutico não se comunica bem com o paciente, poderá ter diversas barreiras. A primeira delas é a própria questão de o paciente estar diante de um profissional de saúde que pode se colocar como alguém que sabe mais do que o outro, fazendo com que essa pessoa fique introspectiva. “Quando você consegue falar com o paciente, demonstrar que está ali para resolver o problema dele, você conseguirá extrair as informações que você necessita”, garante o mestre em Ciências Farmacêuticas.
A entrevista relacional é mais do que um diálogo organizado entre duas pessoas. Exige certas habilidades do farmacêutico, como saber ouvir e entender, saber explorar os dados que o paciente traz sem invadir o espaço pessoal dele. Exige habilidades em demonstrar interesse e conhecimento, ser receptivo e estabelecer uma comunicação com o paciente para que ele se sinta à vontade em responder as perguntas do profissional. É importante frisar que a comunicação é uma habilidade fundamental a ser adquirida, pois possibilitará um cuidar consciente, verdadeiro e transformador.
Quer saber mais sobre anamnese farmacêutica?
Assista a websérie exclusiva, com os professores André Schmidt Suaiden e Mário Rezende, no canal do Youtube do ICTQ.
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