As regras de atuação clínica do farmacêutico na prescrição da PrEP e PEP

As regras de atuação clínica do farmacêutico na prescrição da PrEP e PEP

Desde outubro de 2020, farmacêuticos do município de São Paulo podem prescrever as Profilaxias Pré e Pós-exposição ao HIV (PrEP e PEP), além de também possuir autonomia para solicitar exames necessários seguindo o que é preconizado no Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas (PCDT). Agora a prescrição farmacêutica de PrEP e PEP se estende para todo o território nacional.

A autorização para farmacêuticos de todo o País, foi concedida pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, por meio do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI) e da sua Coordenação-Geral de Vigilância do HIV/Aids e das Hepatites Virais. A medida visa ampliar o alcance das medidas de prevenção e é fruto de uma articulação entre o DCCI e o Conselho Federal de Farmácia. Para a prescrição é necessário que seja estabelecido um protocolo pela gestão do serviço de saúde e que os farmacêuticos sejam capacitados, conforme a Resolução CFF nº 713/2021.

“Essa inclusão dos farmacêuticos na atenção aos profissionais da saúde e às pessoas com maior vulnerabilidade ao HIV vem ampliar os espaços de nossa atuação no SUS, e representa valorização para os profissionais e um incremento importante na oferta de serviços para os pacientes”, comentou o presidente do CFF, Walter Jorge João. O presidente acrescenta que os farmacêuticos devem buscar a capacitação, oferecida pelo próprio Ministério da Saúde, além de apoiar os gestores no desenvolvimento dos protocolos exigidos - a capacitação oferecida pelo Ministério da Saúde está disponível em acessível no link – https://bit.ly/3N075NN

O Conselheiro Federal do Ceará, Dr. Egberto Feitosa destacou ainda que a autorização é “um importante avanço para a saúde pública, especialmente na valorização do trabalho do farmacêutico que poderá fazer esse acompanhamento e terapêutico além da solicitação de exames necessários, dentro dos programas do Ministério da Saúde, para atender às pessoas com maior vulnerabilidade ao HIV. Para tanto, os colegas precisam se capacitar e atender a legislação”.

Segundo a diretora do CRF/RS, Luciana Legg, que também atua em seu município no cuidado das pessoas com HIV/AIDS e foi uma das responsáveis, juntamente com a diretora Zelma Padilha, pela articulação das instituições estaduais com as federais, “a medida tem como objetivo ampliar a quantidade de profissionais da saúde capacitados, como é o caso dos farmacêuticos, para que a oferta das profilaxias seja cada vez mais ampliada e resolutiva”, pontua. A diretora ainda acrescenta que “é necessário que os farmacêuticos apoiem os gestores na construção e implementação de um protocolo e que os farmacêuticos sejam capacitados, conforme a Resolução CFF n. 713/2021”. Ela também destacou que “farmacêuticos prescrevendo as Profilaxias pré e pós-exposição ao HIV, além da valorização para os profissionais, é um enorme impacto na oferta de serviços para os pacientes”.

A atuação clínica do farmacêutico no contexto da PrEP e PEP de acordo com o Parecer do CFF (Conselho Federal de Farmácia)

A eficácia da PrEP e da PEP, enquanto estratégia de profilaxia para o HIV, foi firmemente estabelecida no Brasil e no mundo. No entanto, o seu sucesso depende do acesso aos cuidados e aos produtos necessários para estabelecê-la. A atuação do farmacêutico, no contexto da PrEP e da PEP, é essencial e, especificamente no tocante à viabilização da prescrição por esse profissional, tal prática vai ao encontro da crescente atuação dos farmacêuticos no cenário mundial da infecção por HIV (HILL et al., 2019).

Iniciativas internacionais demonstram a crescente atuação do farmacêutico no uso de PrEP e PEP. Alguns serviços estadunidenses e mexicanos já prevêem a prescrição dessas estratégias profiláticas pelo farmacêutico. Conforme dados da literatura, iniciativas de prescrição de PrEP/PEP, além de serem bem recebidas pelos pacientes, demonstram que a presença de farmacêuticos na equipe de saúde facilita a acesso às profilaxias pelas pessoas vulneráveis à infecção pelo HIV (LUTZ et al., 2021; ZHAO et al., 2021; LOPEZ et al., 2020; FARMER et al., 2019).

Os farmacêuticos estão bem posicionados na rede do SUS ao promover o conhecimento do paciente sobre a PrEP/PEP, propiciar a adesão ao tratamento e fornecer serviços de aconselhamento para o gerenciamento de riscos, a redução de danos e o aumento da efetividade das estratégias profiláticas. A informação e o alcance desses profissionais nos municípios brasileiros podem ser parte de uma estratégia abrangente de prevenção ao HIV. Estudos demonstraram que, enquanto profissionais da saúde de confiança, os farmacêuticos podem desenvolver uma forte relação terapêutica com os pacientes, sendo importantes para minimizar disparidades nos padrões de prescrição de PrEP/PEP e servir como uma ligação essencial entre pacientes e outros membros da equipe multidisciplinar (FARMER et al., 2019).

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No Brasil, a atuação dos farmacêuticos inclui a dispensação de medicamentos antirretrovirais para a profilaxia e/ou o tratamento, a execução de testes rápidos para rastreio de infecção pelo HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (IST) e a realização de consultas para a promoção da adesão ao tratamento. Isso ocorre em unidades dispensadoras de medicamentos (UDM) ou em outros em tipos de unidades nas quais esse profissional atua, como os serviços de assistência especializada em IST/AIDS (SAE), os centros de testagem e aconselhamento (CTA), os centros de treinamento e referências (CTR) e os centros de orientação e aconselhamento (COA).

Em alguns cenários brasileiros, esse profissional presta atendimento na perspectiva da prevenção combinada e do monitoramento da efetividade, segurança e adesão ao uso de medicamentos da PrEP, ou da orientação para a obtenção de uma profilaxia efetiva, segura e conveniente, no caso da PEP. Essa é a realidade, por exemplo, em Belo Horizonte/MG, onde tais práticas são desempenhadas conforme o Guia de Atuação do Farmacêutico no Cuidado à Pessoa Vivendo com HIV, publicado em 2021 (PBH, 2021). Entretanto, na capital mineira, esse guia não abrange, ainda, a prescrição de PrEP ou PEP, apesar de outros protocolos municipais já contemplarem a prescrição farmacêutica para tabagistas (prescrição de formas farmacêuticas contendo nicotina) (PBH, 2018a), ou a prescrição de medicamentos para o controle de reações adversas leves, decorrentes do tratamento com medicamentos antituberculose (ex.: antihistamínicos ou piridoxina) (PBH, 2018b). O guia municipal que trata da atuação do profissional na hanseníase destaca que “ao promover o uso correto de medicamentos, a adesão ao tratamento, as ações de educação, a prevenção e a oferta de um cuidado humanizado e individualizado, o farmacêutico tem muito a contribuir na prestação da assistência integral a esse paciente” (PBH, 2019).

Iniciativas de acompanhamento e apoio à pessoa usuária de PrEP ou PEP em COA, desempenhadas por farmacêuticos, ocorrem no COA de Curitiba/PR. Os profissionais dão suporte essencial no acolhimento, na avaliação, no gerenciamento de risco, na indicação e no acompanhamento da profilaxia pertinente junto à equipe multiprofissional. Adicionalmente, é desenvolvido um serviço de linkagem de populações-chave ao COA, sendo o farmacêutico um dos profissionais da saúde que atuam como linkador, com o objetivo de potencializar o vínculo com a instituição (FIOCRUZ, 2021; PMC, 2015).

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No Rio Grande do Sul, iniciativas estaduais e municipais já levaram ao desenvolvimento de protocolos para amparar e direcionar a participação do farmacêutico no processo de prescrição de PrEP e PEP. Tais protocolos se encontram em vias de implantação, com destaque para o Ambulatório de Dermatologia Sanitária de Porto Alegre, que já conta com farmacêuticos, incluindo residentes, treinados para atender à demanda inibida de prescrição farmacêutica de PEP (ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 2021). O município tem valorizado a participação de farmacêuticos em diversos programas, como no do tabagismo (PMPA, 2019a, b), na possibilidade de solicitação de exames e no ajuste de dose de varfarina (PMPA, 2020).

Na cidade de São Paulo, a prescrição de PEP e PrEP por farmacêuticos e a solicitação de exames pertinentes já estão previstas na Portaria da Secretaria Municipal da Saúde - SMS nº 364, de 1° de outubro de 2020 (PSP, 2020).

Considerações do CFF para as circunstâncias da Prescrição Farmacêutica de PEP e PrEP

Primeiramente, acredita-se que, para viabilizar o acesso à PrEP e PEP de forma integral, centradas no paciente e que atinjam os objetivos nos contextos individual e coletivo, caberá ao farmacêutico não somente a prescrição de antirretrovirais para a profilaxia do HIV, mas também de outros medicamentos, vacinas, produtos e medidas não farmacológicas, de acordo com o contexto clínico e as necessidades terapêuticas individuais. Como exemplo, pode-se citar a necessidade de prescrição de antimicrobianos para o tratamento de outras infecções sexualmente transmissíveis (IST) que, sabidamente, podem aumentar o risco de transmissão do HIV, ou de medicamentos isentos de prescrição, para o manejo de sinais e sintomas decorrentes de eventos adversos relacionados a medicamentos.

O ato farmacêutico de prescrição é realizado no contexto da execução de suas atribuições clínicas, regulamentadas pela Resolução/CFF nº 585/2013. Essa atribuição, em consonância com o preconizado para a prescrição da PrEP e PEP, envolve não somente a seleção da terapia adequada do paciente e a redação da prescrição, mas também a avaliação das necessidades do paciente relacionadas à saúde e ao seguimento com a avaliação de resultados (CFF, 2013b; BRASIL, 2021; BRASIL, 2018). Destaca-se a necessidade de que, para o ato de prescrição da PrEP ou PEP, protocolos que venham a contemplar tal atuação possibilitem que o farmacêutico possa, conforme texto da Resolução/CFF 585/2013:

“XI - Solicitar exames laboratoriais, no âmbito de sua competência profissional, com a finalidade de monitorar os resultados da farmacoterapia;

XII - Avaliar os resultados de exames clínico-laboratoriais do paciente, como instrumento para a individualização da farmacoterapia;

XIII - Monitorar os níveis terapêuticos de medicamentos, por meio dos dados da farmacocinética clínica;

XIV - Determinar os parâmetros bioquímicos e fisiológicos do paciente, para fins de acompanhamento da farmacoterapia e do rastreamento em saúde.”

Também é importante destacar que programas, protocolos, diretrizes ou normas técnicas que regulamentem a prescrição de PrEP ou PEP pelo farmacêutico devem possibilitar a autonomia desse profissional na avaliação e consequente prescrição das profilaxias em sua prática clínica.

Isso inclui a necessidade da solicitação de exames e testes não somente para o monitoramento de infecções sexualmente transmissíveis (ex.:VDRL, hepatite B), mas também para avaliar os parâmetros de segurança da farmacoterapia (ex.: hemograma; exames para medir as funções renal e hepática) ou interações potenciais (ex.: níveis de hormônios em pessoas trans sob hormonização). Tais exames são necessários, uma vez que o processo de acesso à prescrição da PrEP/PEP não deve ser dissociado do acompanhamento da utilização de medicamentos, sendo necessária a avaliação de desfechos negativos, que incluem o aparecimento de reações adversas a medicamentos e a não-adesão às profilaxias. A disponibilização da PrEP, em específico, é uma oportunidade de acompanhar longitudinalmente as populações vulneráveis às infecções sexualmente transmissíveis (VASCONCELOS, 2021).

Ainda, no tocante à vacinação, cabe destacar a importância na manutenção do calendário vacinação, em consonância com as recomendações dos Programas Nacionais de Imunização e de IST/HIV/AIDS e Hepatites Virais, com vistas a possibilitar a contribuição dos farmacêuticos na prestação do serviço de vacinação. Tradicionalmente, na história da imunização do Brasil, esses profissionais estiveram envolvidos em pesquisa, produção, seleção, planejamento, distribuição e demais etapas do ciclo logístico de imunobiológicos, bem como nos programas municipais, estaduais e Nacional de Imunização. Nos últimos anos, o farmacêutico passou a ter a oportunidade de prestar o serviço de vacinação e contribuir para o aumento de sua cobertura no país. A prestação desse serviço está amparada pelas Resoluções/CFF nº 654/2018, 585/2013 e nº 586/2013 (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2018, 2013b, 2013c). Apesar da Lei nº 13.021 (BRASIL, 2014, 1973) descrever em seu Art. 7º que “poderão as farmácias de qualquer natureza dispor, para atendimento imediato à população, de medicamentos, vacinas e soros que atendam o perfil epidemiológico de sua região demográfica”. No Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS (SIGTAP), o código 03.01.05.011-2, referente ao procedimento administração de imunoderivados (oral e/ou parenteral), aparece vinculado à CBO do farmacêutico.

Para o atendimento de potenciais usuários de PrEP ou PEP, devem ser disponibilizados ao farmacêutico ambiente adequado, insumos e materiais, sendo indispensável que a farmácia assegure o sigilo profissional, possibilitando que a prática clínica ocorra em sala adequada. A implantação do ato de prescrição de PrEP ou PEP pelo farmacêutico deve perpassar pela avaliação das diferentes realidades dos âmbitos estaduais e municipais, incluindo a verificação de disponibilidade de estrutura física, de recursos humanos em proporção adequada para o desempenho de todas as atividades de assistência farmacêutica, e de rede de serviços para o referenciamento e o contrarreferenciamento de pacientes que demandem atendimento individual mais complexo (ex.: atendimento pediátrico ou de vítimas de abuso sexual).

Para que o ato de prescrição da PrEP ou PEP salvaguarde o seu usuário, recomenda-se que o farmacêutico receba a capacitação adequada, com carga horária teórico-prática apropriada, e que oportunize o desenvolvimento de competências, conhecimentos, habilidades e atitudes que favoreçam as boas práticas de cuidado humanizado, inclusivo e centrado no paciente, na perspectiva da prevenção combinada e de forma contextualizada com a população atendida nos programas de PrEP e PEP que, hoje, é majoritariamente de HSH (homens que fazem sexo com outros homens), pessoas trans e profissionais do sexo (FRANÇA, 2021; VASCONCELOS, 2021; CRF-BA, 2021; BRASIL, 2021; BRASIL, 2018). A capacitação dar-se-á mediante programas de treinamento realizados pelo próprio Ministério da Saúde, nos âmbitos estadual ou municipal, ou em parceria, por meio de convênio ou cooperação técnica com esta autarquia federal.

O CFF considera que os farmacêuticos podem ser grandes aliados na missão de ampliar o acesso à PrEP e PEP, incluindo as populações prioritárias e as pessoas mais vulneráveis, alcançando mais pessoas trans, pessoas negras, mais jovens e diversas.

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