Pesquisadores do Centro de Pesquisa Polar e Climática Byrd, da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, descobriram em uma geleira do Tibet amostra de diversos vírus que indicam ser de mais de 15 mil anos, revelou o site Olhar Digital. A comunidade científica global teme que o derretimento das geleiras possa liberar vírus inertes há milhares de anos, provocando novas pandemias.
Os modelos de vírus encontrados na geleira do Tibet são diferentes de qualquer outro já descoberto e sobreviveram congelados durante milhares de anos. “Estas geleiras foram formadas gradualmente, e junto com a poeira e os gases, muitos vírus também foram depositados neste gelo”, disse o cientista Zhi-Ping Zhong, um dos autores do estudo que trabalha no Centro Byrd.
No total, 33 vírus foram encontrados na amostra; desses, 29 são novos e apenas quatro já tinham sido vistos antes. Os cientistas também analisam o material para entender mudanças climáticas, gases, bactérias e vírus presentes ao longo dos séculos, nos últimos 15 mil anos. A pesquisa foi publicada na plataforma Biorxiv.
“Embora os núcleos de gelo da geleira forneçam informações climáticas ao longo de dezenas a centenas de milhares de anos, o estudo de micróbios é desafiado por condições de biomassa ultrabaixa e virtualmente nada se sabe sobre vírus co-ocorrentes”, salientou Zhong.
Para os cientistas, o aquecimento global agrava o degelo de solos congelados e pode trazer de volta vírus e bactérias que ficaram presos no passado, muitos deles desconhecidos.
O solo congelado ‘permafrost’ – aquele que passa o ano todo congelado e que cobre 25% da superfície terrestre do Hemisfério Norte e do qual se espera que uma parte significativa venha à superfície até 2100 por conta do aquecimento global, de acordo com um relatório da ONU –, ameaça liberar vírus ‘adormecidos’ e bilhões de toneladas de gases de efeito estufa, com o risco de acelerar o aquecimento global, revelou a agência France Presse (AFP).
Com o aumento das temperaturas, o permafrost esquenta e começa a derreter, liberando progressivamente os gases que estavam neutralizados. Além dos efeitos climáticos, o degelo do permafrost, que abriga bactérias e vírus às vezes esquecidos, também representa uma ameaça para a saúde. Em 2016, um menino faleceu na Sibéria após ser contaminada por antraz, o que não acontecia havia 75 anos na região.
Para os cientistas, a causa foi muito provavelmente o descongelamento de um cadáver de rena que havia sido vítima de antraz várias décadas antes. Liberada, a bactéria mortal, que se conserva no permafrost durante mais de um século, infectou manadas de renas.
Vírus adormecidos podem ‘reviver’
“À medida que o planeta aquece e o gelo derrete, os cientistas alertam que podemos ver o ressurgimento de patógenos antigos atualmente desconhecidos pela ciência. Esses vírus, que ficaram trancados em geleiras e permafrost por centenas, senão milhares de anos, poderiam ‘acordar’”, disseram pesquisadores, conforme o blog Mar Sem Fim, do Estadão.
Também a BBC ouviu cientistas que afirmaram que o derretimento de geleiras está levando ao ressurgimento de doenças ‘adormecidas’. “As mudanças climáticas estão derretendo o solo da região do Ártico que existiu ali por milhares de anos. E, conforme o solo derrete, ele libera antigos vírus e bactérias que, depois de ficarem tanto tempo ‘dormentes’, voltam à vida”, explicaram à emissora, conforme o Mar Sem Fim.
Sobre os vírus encontrados na geleira do Tibet, fontes ouvidas pela revista Newsweek revelaram que não está claro o quão completos ou infecciosos esses vírus seriam. “Os cientistas que analisaram duas amostras de núcleos de gelo da calota de Guliya, no Tibete, identificaram vários desses vírus. Uma das amostras principais datava de 520 anos, enquanto a outra mantinha sedimentos trancados 15 mil anos atrás. Quatro dos gêneros de vírus – a classificação taxonômica entre espécies e família – já eram conhecidos, mas 28 nunca haviam sido vistos antes”, explicaram os pesquisadores.
Vírus antigos poderiam representar um risco à saúde pública, alertou à Newsweek o professor de genômica e bioinformática da Universidade Aix-Marseille, na França, Jean-Michel Claverie. “Eles podem ser vírus antigos que já conhecemos – como o da varíola, que, erroneamente, achamos que foram erradicados –, mas também poderia haver vírus que causaram extinções de animais ou humanos no passado, e que a medicina moderna não tem conhecimento. O mesmo vale para bactérias patogênicas, como as que causam antraz”, completou.
A pesquisa de Claverie mostrou que os vírus podem sobreviver dezenas de milhares de anos imperturbáveis, desde que as condições sejam adequadas. Em 2014, ele foi coautor de um artigo descrevendo um vírus gigante de 30 mil anos extraído do permafrost da Sibéria. Fora do permafrost e no laboratório, ele reviveu, tornando-se infeccioso depois de um milênio adormecido, segundo a revista.
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O farmacêutico e professor da pós-graduação em Farmácia Clínica e Prescrição Farmacêutica no ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Rafael Poloni, concorda com a previsão do professor da Universidade Aix-Marseille.
“O derretimento das geleiras causado pelas mudanças climáticas e pelo efeito estufa é muito preocupante porque podem aparecer não somente micro-organismos já conhecidos e tidos como erradicados no mundo, mas também aqueles desconhecidos. A pandemia do novo coronavírus trouxe à tona que o mundo inteiro não está preparado para combater de maneira ágil uma pandemia com vírus letal”, assinala Poloni.
Ele ressalva que não há motivo para desespero, mas é preciso agir enquanto é tempo. “Essa questão do aquecimento global é uma preocupação antiga dos cientistas. Precisamos ter consciência de que o efeito estufa, desmatamento e todas as agressões à natureza podem ter muitos impactos. E um deles que a gente não pensava é a liberação de vírus antigos. Os estudos precisam ser aprofundados para termos um melhor entendimento dos micro-organismos presentes nas geleiras e o que sua liberação pode acarretar”.
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