Profissionais de saúde relatam que a proliferação de uma variante do novo coronavírus (SARS-CoV-2) no Amazonas é mais rápida e letal especialmente entre os jovens, revelou o Uol. Segundo eles, a nova variação provoca infecções mais graves do que a doença vista na primeira onda.
“Algo de muito diferente está ocorrendo em Manaus (AM). Não sei informar se é uma cepa nova ou se é algo diferente. Mas quem está na linha de frente está vendo um aumento da gravidade dos casos”, contou ao Uol o infectologista e pesquisador Noaldo Lucena, que atua em clínica popular, atendimento domiciliar e hospitais públicos. Segundo ele, as mudanças vão além da já sabida maior contagiosidade da nova variante do vírus.
O médico relatou que exames recentes de pacientes indicam lesões nos pulmões mais graves. “Neste ano, eu já vi mais 150 pessoas aqui na clínica e mais 300 no serviço público. Digo que menos de 2% delas tinham comprometimento leve. As demais eram comprometidas acima de 50%. Alguns com 70%, 80%, 90%, com necessidade de internação imediata e até suporte ventilatório”, frisou.
Segundo Lucena, agora a doença apresenta menos sintomas capazes de serem percebidos em um exame clínico. “Você ausculta o pulmão do paciente e não escuta nada. Mas quando vemos a imagem tomográfica não acreditamos como há um comprometimento tão grande com tão pouca repercussão clínica notória”.
A velocidade e a gravidade da evolução do Covil-19 em pacientes que buscam os prontos-socorros em Manaus chamam a atenção dos profissionais de saúde que atuam na linha de frente. Segundo eles, a nova fase da doença tem maior transmissibilidade causada por mutações.
“Claramente estamos diante de um ser invisível que é muito mais patogênico e transmissível. Hoje chegam famílias inteiras com os sintomas ao mesmo tempo, antes era um de cada vez”, revelou Lucena.
Já a mortalidade de pessoas mais jovens estaria também associada à maior patogenicidade do vírus. Em um levantamento com os dados mais recentes do Portal da Transparência dos cartórios, realizado pelo Uol, foram registrados 710 óbitos no Amazonas, dos quais 285 de pessoas com menos de 60 anos – ou 40,1% do total. Antes desse período, esse percentual era de 36,5%.
“Sem dúvida, muito mais jovens estão morrendo. Não estamos falando só de grupo de risco – isso está em todas as faixas etárias, atingindo bebês, crianças, adolescentes, mesmo sem comorbidade”, salientou ao Uol a infectologista Silvia Leopoldina, que também atua nas redes públicas estadual e municipal de Manaus.
A infectologista confirma também que houve mudanças no comportamento da doença no Amazonas. “Antes, os primeiros sintomas de gravidade apareciam em torno do décimo dia em diante. Agora têm pacientes que, com sete, oito dias, estão com comprometimento de 75% dos dois pulmões. Esse encurtamento no tempo de agravamento dificulta a recuperação”.
De acordo com a enfermeira e professora Ana Paula Rocche, “o vírus não é mais o mesmo”, conforme contou ao Uol. Ela revelou que a queda de saturação de pacientes ocorre de forma muito mais rápida e silenciosa.
“O paciente começa no primeiro dia sentindo uma dor de garganta; depois sente uma dor de cabeça; no terceiro dia ele já começa uma febre. No quarto começa uma falta de ar, e quando você coloca um oxímetro nele, a saturação que era para estar em 98%, está em 70%, 75%. Isso não é normal. É uma coisa extremamente grave que ataca as vias aéreas e pulmões, e de forma silenciosa demais”, relatou.
Ana Paula trabalha com atendimento a pacientes, inclusive acompanhando remoções particulares de casos graves para outros Estados. Ela contou que, em vez de dor, muitos pacientes tem relatado uma ‘agonia’ no peito.
“O pulmão parece que vai ressecando, que vai encolhendo; e aí você entra com tudo, que é antibiótico, anticoagulante, e o pulmão não expande. Isso não é normal”, pontuou. “Nós não estamos sabendo lidar com isso. Está estranho demais. As pessoas ficam ruins em outros locais, mas não como a gente está vendo. Isso aqui é outra coisa”.
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Na visão do professor da Universidade Federal do Amazonas e pesquisador da Fiocruz Amazônia, Bernardino Albuquerque, essa percepção vem do colapso do sistema de saúde. “A partir do final de dezembro, houve uma saturação no atendimento. Temos visto pacientes esperando horas em uma ambulância. O estado clínico fica agravado por essa peregrinação, além de faltar insumos”, destacou ao Uol.
“Se tivéssemos um sistema de saúde preparado para atender esse segundo momento, não haveria tantas mortes. O governo desmontou toda estrutura que tinha antes, estamos começando tudo de novo”, acrescentou.
De acordo com o pesquisador da Fiocruz Amazônia, Felipe Naveca, um ponto que agravou a situação do Amazonas foi a nova variante do SARS-CoV-2. “Chance [de causar doença mais grave] existe, mas não há evidências ainda sobre ser mais patogênica”, explicou ao Uol.
Segundo artigo científico publicado recentemente, a nova variante pode ser capaz de furar a imunidade adquirida por outra cepa. No artigo é relatado o caso de uma mulher de 29 anos que foi reinfectada, mesmo tendo anticorpos detectáveis em teste feito dias antes da nova infecção.
Naveca afirmou que o caso gera preocupação. “Era uma pessoa sem imunocomponente, que se infectou por B.1. em março e agora pela nova variante P.1. e apresentava anticorpos detectáveis em teste rápido dias antes de ter se reinfectada. Não sabemos ainda se isso representa que a nova variante escapa mesmo da resposta imune, até por ser o primeiro caso, mas mostra que novos estudos precisam ser feitos”.
Na prática, segundo o pesquisador, o resultado aponta que existe possibilidade de que uma pessoa que se infectou com a doença e adquiriu resposta imune não esteja livre de ser contaminado. “Pode ser isso, mas não dá para ter certeza só com esse caso. E também não se sabe se não foi por conta do tempo da primeira para a segunda exposição”, explicou.
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