Clorpromazina ou Clorpropamida: esta confusão não é rara no balcão da farmácia, infelizmente! Seja por prescrições ilegíveis, nomes errados de medicamentos e da posologia, falsificação e até mesmo por rasuras feitas pelos próprios pacientes. No entanto, duas cidades no interior paulista, Votuporanga e Olímpia, já estão implantando a prescrição eletrônica, que acaba com problemas nas receitas.
De acordo com a Klas Research, empresa de pesquisas voltadas para área da saúde e tecnologia, 39% dos erros médicos associados à medicação acontecem no momento da prescrição.
No Brasil, circulam cerca de quatro bilhões de receitas pelas farmácias particulares e públicas ao ano. Elas são emitidas por 750 mil profissionais da saúde. Outro dado da Klas evidencia que 8% dos erros relacionados à medicação ocorrem pela incompreensão da grafia do médico prescrita no receituário.
O mais grave é imaginar que essa corrente - que envolve o médico, a enfermagem, o farmacêutico e, muitas vezes, o balconista - acaba penalizando o único elo que é absolutamente frágil e inocente: o usuário, que pode usar um medicamento no lugar do outro, e com isso irá sofrer sequelas graves ou até mesmo ir a óbito.
Sem falar que tudo isso onera o sistema de saúde, desperdiça tempo e coloca em cheque a credibilidade, especialmente, de quem está atrás do balcão: os farmacêuticos.
A solução para esse problema estaria na prescrição eletrônica. No Brasil, ainda não há uma legislação específica para o sistema, mas há luz no fim do túnel. Tramita na Câmara o Projeto de Lei 3.344/12, de autoria do então deputado Ademir Camilo (MDB-MG), que propõe tornar obrigatória a adoção e regulamentação dessa tecnologia no País. A ideia é que a prescrição eletrônica seja obrigatória e possa ser acessada por meio de sistema integrado entre médicos, farmácias e Governo.
A prescrição eletrônica proporciona o pronto acesso e a rastreabilidade das prescrições e informações, faz a interface direta com o prescritor; minimiza os erros com grafias ilegíveis e diminui a circulação de receitas falsas. O documento pode ser validado por meio da assinatura digital ou ser impresso e assinado manualmente.
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Importante salientar que, dos serviços de tecnologia que poderiam ser oferecidos em farmácias, o mais atrativo, para 75% dos brasileiros adultos, é a utilização de receita eletrônica, o que evitaria os problemas relativos ao modelo atual de prescrição em papel. O dado foi revelado em pesquisa do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, intitulada Hábitos relacionados à automedicação e práticas associadas ao consumo de serviços e medicamentos em farmácias (2018).
Especificamente no quesito da letra ilegível, o prescritor que cometer essa prática está ferindo o artigo 11, do Código de Ética Médica, que diz que é vedado ao médico receitar, atestar ou emitir qualquer outro documento de forma ilegível, podendo, inclusive ser denunciado ao Conselho Regional de Medicina (CRM).
Porém, o documento é considerado parte do Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP), disciplinado pela Resolução CFM 1.821/07, onde o órgão dispõe sobre as normas técnicas referentes ao uso de sistemas informatizados e à digitalização dos prontuários dos pacientes, autorizando a eliminação de papel.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se manifestou favorável à utilização de assinatura digital nos receituários médicos desde que no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil.
A própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reconhece que as prescrições podem ser assinadas digitalmente nos receituários de medicamentos que contenham substâncias da Lista C1 e C5 e dos adendos das Listas A1, A2 e B1 da Portaria SVS/MS 344/98, bem como as prescrições de medicamentos antimicrobianos.
Mercados maduros
O atraso tecnológico no setor, especialmente a prescrição de medicamentos, é de mais de duas décadas, se comparado aos modelos americanos e europeus. Nos Estados Unidos, o avanço de plataformas para o sistema de receituário, como o e-prescription, criado há mais de 20 anos, proporciona uma economia anual de U$ 52 bilhões (mais de R$ 251 bilhões) e permite ao Governo, indústrias farmacêuticas, seguros de saúde, farmácias e aos próprios prescritores a rastreabilidade e o controle efetivo das drogas medicamentosas em uso e circulação.
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No Brasil, há companhias já empenhadas em oferecer soluções que integram médicos, enfermagem, farmacêuticos e usuários de medicamentos por meio da prescrição eletrônica, como a Memed, Morsch e Sibrafar. Por exemplo, o Sistema Brasileiro de Farmácias (Sibrafar), que é uma plataforma que altera a forma como as receitas são dispensadas nas farmácias para os consumidores, de forma pioneira. Nela, o farmacêutico tem acesso ao receituário médico, prescrito eletronicamente e enviado às farmácias, em tempo real, prometendo o fim do receituário em papel.
Essa solução já foi apresentada ao Ministério da Saúde e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e colocada em prática por meio de convênios com entidades farmacêuticas em vários Estados brasileiros.
Sistema padrão de dispensação
A plataforma Sibrafar, desenvolvida pela Nextcorp, é considerada o sistema padrão da dispensação eletrônica no Brasil, em que podem estar interligados todos os tipos de softwares de prescrição eletrônica.
A integração com os softwares de prescrição eletrônica é feita pela API Sistema Brasileiro de Receituário (Sibrare), um hub de integração de receituário eletrônico, via certificação digital, que conecta prescritores e as farmácias.
É uma tecnologia inovadora, que dará mais segurança e confiabilidade a todos os elos da cadeia de saúde, reduzindo custos, fraudes, sinistralidades, além de levar a uma nova era a política de saúde pública do País.
Vantagens para os farmacêuticos
“O Sibrafar é uma plataforma intuitiva, de rápido acesso, além de simples e fácil de usar. Basta o farmacêutico entrar na plataforma, colocar o CPF do comprador e, imediatamente, a receita prescrita pelo médico aparecerá na tela. Depois, é só fazer a dispensação”, afirmou CEO da Nextcorp, Marcelo Ferraz.
O sistema atende à Portaria 344/98, que entre os seus pareceres tratam da desburocratização das receitas controladas, permite a rastreabilidade dos medicamentos, garante segurança na dispensação, protege contra falsificações e adulterações de receitas, evita dupla dispensação com mesma receita e, futuramente, estará integrado ao programa ‘Aqui Tem Farmácia Popular’.
“Com o Sibrafar e o Sibrare, a prescrição da receita deixa o papel e vai para a nuvem, dando lugar à certificação digital do médico. Na outra ponta, a farmácia também acessa o Sibrafar para receber a receita já com todos os dados exigidos, sem possibilidade de erro, falsificação e interação medicamentosa”, complementa Ferraz.
Ele acredita que todo o setor farmacêutico estava ansioso à espera dessa tecnologia disruptiva, que irá mudar todo o paradigma da dispensação eletrônica de medicamentos. Segundo ele, o sistema eletrônico de receituário contribuirá para evitar erros na interpretação das receitas, evitar as dificuldades com letras ilegíveis, acabar com a falsificação de talonários e o retrabalho dos farmacêuticos.
Experiências bem-sucedidas
Em Votuporanga, no interior do Estado de São Paulo, a dispensação eletrônica de medicamentos pelo Sibrafar já é uma realidade em 90% das farmácias públicas e privadas, que estão credenciadas no sistema e já com um número relevante de dispensações.
Neste primeiro momento, os médicos e dentistas do município e da Santa Casa de Votuporanga já estão com as certificações digitais prontas, prescrevem eletronicamente e fazem o envio para as farmácias em tempo real.
Em Olímpia, também no interior paulista, o início da prescrição já está em fase final de implantação em todas as suas farmácias. Toda a rede pública e a maior parte da rede privada estão prontas para a prescrição eletrônica e dispensação nas farmácias. Os farmacêuticos da cidade foram treinados para receber, por meio da plataforma de dispensação, as receitas eletrônicas, certificadas digitalmente.
O secretário de Saúde de Olímpia, Marcos Pagliuco, é farmacêutico e proprietário de farmácia há 25 anos. Ele conta que viu inúmeros problemas entre seus colegas com a dupla interpretação de medicamentos na receita, acarretando, inclusive, ações judiciais. Ele conta que, frequentemente, tinha de ligar para o médico para confirmar a prescrição ou deixar de dispensar o medicamento, com prejuízo para o paciente.
“Quando nós decidimos implantar o sistema aqui no município, tínhamos um problema muito sério na cidade, pois não havia internet nas UBS. A parte de rede de dados e de cabeamento era muito precária. Além isso, nós não tínhamos computadores suficientes, por isso tivemos de adquirir mais de 130 equipamentos para colocar nos consultórios médicos e odontológicos para que os profissionais pudessem fazer a prescrição eletrônica”, contou Pagliuco.
Ele afirma que os municípios precisam, urgentemente, da prescrição eletrônica porque já não é mais aceitável ter médicos escrevendo receitas no papel, com garranchos e prescrições equivocadas: “O principal desafio é que os municípios precisam manter computadores nas salas dos médicos, ou seja, no século XXI profissionais fazer a prescrição à caneta, porque é mais rápido, é inadmissível”.
Pelo sistema é possível monitorar o medicamento e fazer gestão sobre quais itens esse médico prescreveu, onde o paciente pegou a receita e onde ele comprou os medicamentos, e se ele os comprou na farmácia privada ou os retirou na farmácia pública. Todos os profissionais foram treinados e instruídos sobre o sistema e já foi feita a certificação digital dos 130 profissionais do município.
“Em Votuporanga eles implantaram a prescrição eletrônica. Aqui em Olímpia, nós implantamos, além da prescrição eletrônica, também o prontuário eletrônico integrado em um software, ou seja, fizemos toda a integração de software junto com o cartão cidadão”, finaliza Pagliuco.
O Grupo Interinstitucional de Trabalho (GIT), da Farmácia Digital do Conselho Federal de Farmácia (CFF) está se empenhando para conhecer experiências com prescrição eletrônica que possam subsidiar regulamentações sobre o tema no conselho, e elaborar a pauta de debates e trabalhos para 2020. “A partir de agora, receitas legíveis e acessáveis contribuirão para aumentar a segurança ao processo de prescrição/dispensação”, declarou o presidente do CFF, Walter Jorge João, para a Cryptoid.
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