Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, em 2018, o Brasil está em primeiro lugar no ranking dos países que possuem maior carga tributária sobre os medicamentos em todo o mundo. O índice de tributação por aqui está na casa dos absurdos 33%.
Para o presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini, a carga tributária sobre medicamentos no Brasil é fora do padrão. “A média mundial é de 6%. Em países com alta carga tributária, como na França, os tributos sobre os medicamentos são de 2,1%. Lugares altamente capitalistas, como nos Estados Unidos, não têm tributação sobre medicamentos. Então, é um absurdo o que o brasileiro paga em tributos, direta e indiretamente, ao comprar medicamentos”, dispara o executivo.
O coordenador do departamento de assuntos regulatórios do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos (Sincofarma), Juan Carlos Becerra, concorda: “A carga tributária pode não estar entre as mais altas do planeta, mas é uma carga alta, é algo um terço do medicamento é composto por impostos e, na nossa concepção, medicamentos deveriam ser equiparados a alimentos, como gêneros de primeira necessidade, pois, muitos deles, não têm impostos e tributos dessa forma”.
Apenas no primeiro trimestre deste ano, duas multinacionais farmacêuticas - a americana Eli Lilly e a suíça, Roche - anunciaram o encerramento de suas fábricas no Brasil, dentro de um período que deve levar de dois a cinco anos. Foi divulgado na grande mídia que essa decisão teria sido motivada pela prioridade de migrar para a produção de produtos inovadores, mais caros e fabricados em menor escala (ex. medicamentos biológicos e oncológicos), em vez de produtos mais simples e em grande volume, como os genéricos.
Sobre essa situação, Mussolini faz questão de ressaltar que Roche e Eli Lilly estão saindo do Brasil porque o custo de manutenção da mão de obra é extremamente pesado, além da tributação. “A produção de produtos de baixo valor agregado não compensa, que são esses medicamentos chamados de maduros, os que têm uma concorrência forte com os genéricos. Eles têm baixo valor agregado e um alto custo de produção, seja pela mão de obra ou pelo custo tributário, que nós temos no País”, enfatiza. “Então, pagar, por exemplo, 18% de ICMS sobre qualquer caixinha de medicamento é um absurdo”, acrescenta o presidente do Sindusfarma.
Becerra compartilha a mesma visão. Para ele, além dos tributos altíssimos agregados aos medicamentos, a tributação sobre a mão de obra no Brasil é muita cara. Apesar de ser do setor de varejo, ele reconhece que a indústria sofre demais com essa tributação, pois, no comércio varejista, quem acaba arcando com esses valores mais elevados é o consumidor final.
“Óbvio que as empresas estão avaliando o custo Brasil, em que se tem um funcionário que custa 104% do valor que você registra, além desse montante de tributos e essa carga alta de tributos acessórios, chega uma hora que o empresário se pergunta: como eu vou ter lucro produzindo Rivotril? Sendo que tem genérico por um terço do preço, e os genéricos no País são excelentes. Então, eu vou produzir Rivotril para quem? No varejo, o que é controlado é a margem de lucro e não o preço, você pode ir em 20 farmácias e encontrar o mesmo produto com 20 valores diferentes”, afirma Becerra.
Ele complementa e explica que, devido a isso, o varejo exige um bom volume de vendas para ter um preço com certa rentabilidade: “Obviamente que a indústria também precisa, mas são produtos maduros. Então, a indústria desiste da produção que está gerando certo prejuízo. Além disso, a população não está ficando desamparada, uma vez que há uma série de genéricos com o mesmo princípio ativo. Assim, é uma questão do ponto de vista econômico”.
Nesse aspecto, Mussolini concorda plenamente. No entanto, na visão dele, as empresas que estão investindo em medicamentos biológicos e de alto custo, principalmente, oncológicos ou de doenças mais complexas, não devem abandonar os produtos maduros. Ele sugere que as empresas maximizem sua rentabilidade. O especialista cita, como exemplo, o fato de que muitos fabricantes estão concentrando a sua produção em grandes complexos industriais, em países que possuem um custo geral menor que no Brasil.
Impostos sobre medicamentos
Em relação aos tipos de impostos, Becerra define que os mais comuns em medicamentos são: o IPI, imposto dos fabricantes que, obviamente, está no preço dos produtos; o ICMS que, no Estado de São Paulo é substituído, sendo cobrado antes do fato gerador; o PIS e o Cofins, que são cobrados de alguns produtos, em que se tem a lista positiva e negativa, uns tem PIS e Cofins, que também são substituídos em nível federal. “Basicamente, no varejo são IPI, ICMS, PIS e Cofins”, frisa.
Entretanto, o coordenador faz questão de explicar que as cobranças não se restringem apenas a impostos: “Estamos falando de impostos que incidem sobre o medicamento, mas se expandirmos o pensamento para tributos, que é algo mais amplo, teremos taxas que as empresas pagam para poder comercializar especificamente esses produtos e medicamentos, o que acaba encarecendo o produto ao consumidor, uma vez que as empresas não podem diminuir o preço porque precisam ter uma margem de lucro mais confortável para poder pagar esses tributos acessórios, como taxas para a Covisa, Anvisa etc.”, complementa.
Apenas no Imposto de Circulação de Mercadoria, atualmente, existem 27 regras de pagamento do ICMS, ou seja, para cada Estado uma regra. Mussolini afirma que esse sistema tributário é prejudicial até mesmo para o entendimento das regras. “Nós precisamos parar de onerar o consumo no Brasil e começar a tributar renda. No País, são tributados fortemente o consumo e o trabalho, quando nós deveríamos tributar a renda. Uma sugestão seria ter uma legislação tributária menos burocrática”, ressalta. “Por exemplo, 18% sobre qualquer caixinha de medicamento que se compra, por meio do ICMS, é um absurdo. Neste caso, um medicamento de R$ 10,00, apenas pelo imposto Estadual, já passa a custar R$ 11,80.Com os demais impostos, ele chega até R$ 13,30, sendo que esse medicamento pode ser necessário para a saúde das pessoas”, exemplifica.
É possível obter benefícios fiscais?
Conforme explica a contadora e articulista do Portal Contabilidade na TV, Carla Lidiane Müller, o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) tem alguns convênios entre Estados, para isentar algumas operações da incidência de ICMS no setor farmacêutico, entre eles:
- Convênio ICMS 104/89 – Autoriza a concessão de isenção do ICMS na importação de bens destinados a ensino, pesquisa e serviços médico-hospitalares.
- Convênio ICMS 162/94 – Autoriza os Estados e o Distrito Federal conceder isenção do ICMS nas operações com medicamentos destinados ao tratamento de câncer.
- Convênio ICMS 95/98 – Concede isenção do ICMS nas importações de produtos imunobiológicos, medicamentos e inseticidas, destinados à vacinação e combate à dengue, malária e febre amarela, realizados pela Fundação Nacional de Saúde.
- Convênio ICMS 01/99 – Concede isenção do ICMS às operações com equipamentos e insumos destinados à prestação de serviços de saúde.
- Convênio ICMS 140/01 – Concede isenção do ICMS nas operações com medicamentos (NCM agraciadas com a isenção estão especificadas no convênio).
- Convênio ICMS 10/02 – Concede isenção do ICMS a operações com medicamento destinado ao tratamento dos portadores do vírus HIV.
- Convênio ICMS 87/02 – Concede isenção do ICMS nas operações com fármacos e medicamentos destinados a órgãos da Administração Pública Direta Federal, Estadual e Municipal.
- Convênio ICMS 21/03 – Autoriza o Estado de São Paulo a conceder isenção na importação e na saída por doação de medicamento destinado a paciente com doença grave.
- Convênio ICMS 26/03 – Autoriza os Estados e o Distrito Federal a conceder isenção de ICMS nas operações ou prestações internas destinadas a órgãos da Administração Pública Estadual Direta e suas Fundações e Autarquias.
- Convênio ICMS 56/05 – senta do ICMS as operações com produtos farmacêuticos distribuídos por farmácias integrantes do Programa Farmácia Popular do Brasil.
- Convênio ICMS 34/06 – Dispõe sobre a dedução da parcela das contribuições para o PIS/PASEP e a Cofins referentes às operações subsequentes, da base de cálculo do ICMS nas operações com os produtos indicados na Lei Federal 10.147, de 21 de dezembro de 2000.
- Convênio ICMS 161/06 – Autoriza o Estado de Pernambuco a conceder isenção do ICMS na importação do medicamento que indica.
- Convênio ICMS 17/07 – autoriza os Estados e o Distrito Federal a criar condição para a fruição de incentivos e benefícios no âmbito do ICMS ou reduzir o seu montante.
Como melhorar o regime tributário para medicamentos no Brasil
De modo geral, é possível notar que o regime tributário para medicamentos no Brasil é passível de muitas críticas. Entretanto, algumas perguntas ficam no ar: como o País poderia ganhar com essa reforma tributária? Seria interessante para a economia?
Bem, para o especialista no assunto do segmento industrial, Mussolini, a resposta é SIM. Ele afirma que essa carga tributária gera danos para diversos setores do País. Para ele, o Governo não oferece o que a população precisa, em termos de medicação, no entanto, cobra impostos sobre esses produtos.
“Uma pessoa que tem hipertensão arterial, se não se cuidar, não tomar o medicamento, ela terá um AVC, e isso movimenta todo um sistema público de saúde, porque essa pessoa vai parar em um hospital e vai deixar de trabalhar. Se não está trabalhando, entra na previdência para receber seu salário, ou seja, é todo um movimento, um ciclo vicioso por meio de custos para a saúde e economia”, pontua.
De acordo com Mussolini, este círculo vicioso é negativo. “O medicamento custa mais caro, porque se paga muito imposto sobre ele, se a pessoa paga muitos impostos, elas se tratam mal, o que gera mais custos paro o Estado, que precisa cobrar mais impostos dos cidadãos para cobrir aquilo que não precisaria ser cobrado”, lamenta.
Por fim, Becerra complementa, e afirma que os altos tributos sobre os medicamentos fazem com que o País perca muito, o varejo perde muito, a indústria perde muito, diminuindo assim, a competitividade. “Obviamente, quando se perde competitividade deixa de ser interessante, porque o custo de produção é alto. Com isso, se perde postos de trabalho, existe um impacto no cotidiano das pessoas, falta qualidade de vida, e mais outra série de coisas”, finaliza.