O Programa Farmácia Popular e o Farmacêutico

O mais importante programa de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde, o Programa Farmácia Popular do Brasil, viveu momentos de muitas incertezas nos últimos tempos. Dúvidas sobre a manutenção do programa, redução nos repasses à rede conveniada e o descredenciamento de quase dois mil estabelecimentos levaram o setor farmacêutico e a população que se beneficia dele a pensarem na possível interrupção no fornecimento ou até mesmo no colapso do sistema. Por várias vezes, circularam notícias, na imprensa, de que o Farmácia Popular estava com os dias contados.

Mas não é bem isso que o governo diz. O Ministério da Saúde, em nota à reportagem do ICTQ, garante que o Programa Farmácia Popular vai continuar recebendo investimentos. “Em 2018, a pasta destinou R$ 3,04 bilhões, 12,6% a mais do que em 2017, quando foram investidos R$ 2,5 bilhões”, afirma. Esses recursos servem para atender cerca de dez milhões de usuários por mês, por meio de 31.081 estabelecimentos credenciados, com conexão de vendas ativa, em 4.381 municípios do País.

Assim como milhares de brasileiros, as farmácias e drogarias conveniadas também são beneficiadas com o Programa. Muitas delas têm parte do faturamento atrelada ao sistema de coparticipação, ou seja, o governo paga quase integralmente pelo medicamento adquirido pelo usuário, um sistema muito semelhante ao que acontece na Europa, por exemplo.

Não há dados oficiais sobre isso, mas especialistas do ambiente regulatório que acompanham o Farmácia Popular chegam a prever que, em cidades menores, com poucos estabelecimentos farmacêuticos e rede pública com assistência farmacêutica precária, o faturamento pelo programa chega a 50% da venda mensal. Em cidades maiores e com concorrência acirrada, esse percentual cai bastante, dificilmente ultrapassando os 12%.

Redução no repasse à rede conveniada

Em março de 2018, o Ministério da Saúde anunciou que atualizaria os valores de referência de medicamentos para tratamento de hipertensão arterial, diabetes mellitus e asma, abrangidos pelo programa, reduzindo o repasse em torno de R$ 800 milhões. Terceira redução desde 2009, a decisão do governo provocou alvoroço e preocupação ao setor varejista farmacêutico.

As associações que representam o setor se manifestaram publicamente e chegaram a dizer que essa redução era uma ameaça à continuidade do programa, pois farmácias e drogarias receberiam menos frente aos custos fixos dos estabelecimentos, que não param de crescer.

Na época, a Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico (ABCFARMA) divulgou nota afirmando que “a política de redução contínua dos valores de referência dos medicamentos, alheia aos custos financeiros e impactos da economia no exercício da atividade econômica, torna ainda mais onerosa a continuidade das farmácias no programa, diante da quebra do equilíbrio econômico-financeiro do convênio firmado entre as partes, afetando, especialmente, as microempresas e empresas de pequeno porte”.

Para a ABCFARMA, “em vez de promover políticas públicas para dar tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, desonerar a elevada carga tributária dos medicamentos e reconhecer o papel fundamental das farmácias privadas para a redução das despesas no sistema público de saúde, o Ministério da Saúde prefere desmerecer o setor, generalizando comportamento que não representa o dia a dia dos profissionais que geram empregos, fomentam a economia e prestam relevante serviço à população.”

Antes da Portaria nº 739/2018, que mudou as regras do repasse às farmácias credenciadas, o governo tinha como base o Preço Máximo de Venda permitido para o produto, estabelecido pela Câmara de Regulação de Mercado de Medicamentos (CMED).

“A Portaria modificou a forma de cálculo, adequando-a ao mercado. O reembolso às farmácias passou a ser de acordo com o Sistema de Acompanhamento de Mercado de Medicamentos, o Sammed, mecanismo que registra o valor pelo qual as distribuidoras vendem os produtos para as unidades farmacêuticas, acrescido de 40% de margem de lucro, além dos custos com o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que varia de acordo com cada Estado”, explica Renata Abalém, advogada especialista em defesa de auditorias do programa. O escritório dela, hoje em dia, faz a maior parte das defesas do País.

Ao todo, 13 medicamentos sofreram redução no repasse, 4 mantiveram preço inalterado e 9 foram reajustados. “As regras se mantêm basicamente as mesmas da Portaria nº 111/2016. A única grande mudança foi no valor unitário dos produtos, com variação de aumento de 133% no Brometo de Ipratrópio e baixa de 52% no Captopril. Na média, o percentual de redução no repasse foi de 12%”, acrescenta Fernando Messias Vieira dos Santos, diretor Técnico do Consuldoc, empresa consultoria sanitária e farmacêutica.

Na prática, isso significa que as farmácias e drogarias credenciadas passaram a receber menos pelos medicamentos. Entretanto, ainda assim, é vantajoso participar do programa, que atrai usuários de medicamentos para dentro do ponto de venda. Por si só, o programa atrai potenciais consumidores. “O subsídio do negócio só acontece para esse tipo de varejo. Não temos nenhum outro segmento que é bancado pelo governo. Para quem trabalha dentro das regras, o Farmácia Popular é sensacional”, diz Renata.

Para Santos, mesmo com tantas mudanças, a participação no programa ainda é vantajosa, pois ele auxilia na venda de outros produtos, aumentando o volume de compra, ajuda na obtenção de descontos junto aos fornecedores e mantém o relacionamento com o cliente. “Mas não se sabe até quando, haja vista tantas modificações na legislação brasileira e a instabilidade econômica”, pontua o especialista.

Crise no Farmácia Popular?

“Se a crise existe, ela é só um reflexo da crise que o Brasil está vivenciando”, analisa Renata Abalém. Segundo ela, o programa está ficando mais rígido em razão das absurdas irregularidades detectadas. “Existe o bom empresário, mas existem aqueles que se enriqueceram com o Farmácia Popular, vendendo medicamentos para quem já morreu, por exemplo. Não podemos esquecer que, de acordo com a fórmula de repasse anterior, o Farmácia Popular pagava ao conveniado um preço de medicamento acima do valor de mercado, o que fazia com que a conta nunca fechasse. O País está passando por mudanças éticas sensíveis e isso precisava mudar”, frisa Renata.

Na visão da especialista, o ajuste é necessário, sob pena de colapso no programa. “Até pouco tempo atrás, eu imaginava que haveria o encerramento do Farmácia Popular, mas o que vejo hoje é o governo tentando se adequar para dar continuidade e beneficiar a população que precisa dos medicamentos e que não pode pagar por eles. Antes uma margem de lucro mais condizente com a realidade e o programa ser mantido, gerando benefícios para todos os cidadãos, do que o lucro ser grande, mas o programa chegar ao fim”, pondera. Para Renata, o programa está se moldando à moralidade que o dinheiro público exige. “Estamos falando apenas de redução e readequação de valores, e não de prejuízo ao conveniado”, acrescenta.

Com outro ponto de vista, Fernando Santos, da Consuldoc, interpreta o encerramento da rede própria do Farmácia Popular, em março de 2017, e o descredenciamento de mais de 1,7 mil estabelecimentos como sinais de crise. No primeiro caso, o governo alegou alto custo para manter as unidades próprias. Foi inteligente e viu que era mais vantajoso utilizar-se da capilaridade de farmácias e drogarias conveniadas.

No segundo caso, o governo optou por descredenciar as 1.729 lojas que não efetuaram a migração do ambiente de homologação, no qual são realizados testes em relação ao sistema, para o ambiente de produção, onde de fato as vendas são realizadas, de forma que nunca realizaram dispensações/vendas no âmbito do programa. “Sendo assim, as empresas que se encontram nessa situação foram descredenciadas conforme regulamento. A ação tem como objetivo garantir maior segurança ao programa e coibir a prática de comercialização indevida de empresas cujos CNPJ se encontravam cadastrados sem realização de vendas”, informou o Ministério da Saúde.

Histórico do programa

Criado em 2004 pela Lei nº 10.858 e regulamentado pelo Decreto nº 5.090, o Programa Farmácia Popular do Brasil tem como objetivo atender à Política Nacional de Assistência Farmacêutica, ampliando o acesso a medicamentos considerados essenciais. Depois do fechamento das unidades próprias, em 2017, passou a funcionar somente por meio do credenciamento de farmácias e drogarias comerciais, aproveitando a dinâmica da cadeia farmacêutica.

São oferecidos medicamentos gratuitos para hipertensão, diabetes e asma, além de medicamentos com até 90% de descontos indicados para dislipidemia, rinite, Parkinson, osteoporose e glaucoma. Ainda pelo sistema de copagamento, o programa oferece anticoncepcionais e fraldas geriátricas.

A entrada de farmácias e drogarias da rede privada no programa se deu em 2006, por meio da Portaria n° 491, do Ministério da Saúde. Essa expansão recebeu o nome de “Aqui Tem Farmácia Popular” e adotou o sistema de copagamento, disponibilizando inicialmente somente medicamentos contra hipertensão e diabetes 90% mais baratos.

Em 2007, com a publicação da Portaria nº 1.414, a lista de medicamentos foi ampliada, tendo sido incluídos os anticoncepcionais. Três anos depois, a Portaria nº 947/2010 incluiu a Insulina Regular e a Sinvastatina, para o combate ao colesterol alto (dislipidemia). Em outubro do mesmo ano, a Portaria nº 3.219 incorporou medicamentos para o tratamento de osteoporose, rinite, asma, Parkinson e glaucoma, além de incluir fraldas geriátricas para atender os idosos no tratamento de incontinência urinária.

Em 2011, o governo lançou a campanha Saúde Não Tem Preço. Por meio da Portaria nº 184, determinou que os medicamentos para tratamento da hipertensão e do diabetes seriam dispensados sem nenhum custo para os usuários. Até então, o governo pagava 90% do valor do produto e o paciente, os outros 10%. Desde então, o subsídio público passou a ser integral. E, no mesmo ano, três medicamentos para o tratamento da asma passaram a ser disponibilizados também gratuitamente em oito apresentações: Brometo de Ipratrópio, Diproprionato de Beclometasona e Sulfato de Salbutamol.

A Portaria nº 739/2018, que alterou os preços do repasso à rede privada, foi a última grande mudança no Programa Farmácia Popular.

Em relação ao credenciamento de novas farmácias e drogarias no Aqui Tem Farmácia Popular, ele se encontra temporariamente suspenso. Os estabelecimentos privados que tenham interesse em participar do programa devem acompanhar as orientações sobre novos credenciamentos, que serão realizados após estudos de viabilidade e meios de captação e validação dos interessados.

Segundo o Ministério da Saúde, a rede conveniada foi ampliada em 2017 para suprir a demanda que surgiu com o fechamento das unidades próprias do Farmácia Popular e que, no momento, o número de estabelecimentos conveniados é suficiente para cobrir todo o território nacional. E as verbas de manutenção das unidades da rede própria foram repassadas ao total de municípios do País, para que 100% da população seja beneficiada com o programa.

O que Programa Farmácia Popular poderia ser para o Farmacêutico

Apesar de o Programa Farmácia Popular se resumir em distribuição e dispensação de medicamentos subsidiados pelo governo, é importante lembrar que a Assistência Farmacêutica (AF) não se resume apenas a isso. Um dos componentes mais relevantes da Assistência Farmacêutica é a Atenção Farmacêutica, que inclui a orientação sobre o uso racional dos medicamentos, o acompanhamento farmacoterapêutico, a revisão farmacoterapêutica, a educação em saúde, a atenção primária em saúde, entre outras atividades, que poderiam também desonerar o custo do Governo Federal com a saúde pública.

“As entidades profissionais e regulatórias têm no Programa Farmácia Popular um bom exemplo daquilo que pode oferecer todas as ferramentas para articular e propor ao Governo Federal novos programas que visem à Assistência Farmacêutica de forma plena em todas as suas atividades no Sistema Único de Saúde (SUS). E, claro, com a ampla contribuição da rede privada de farmácias e drogarias. Mas nos parece que faltam imaginação, iniciativa, interesse e vontade política”, afirma Marcus Vinicius Andrade, membro fundador do Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para Farmacêuticos (ICTQ).

O programa que hoje é uma atividade com a participação predominante dos balconistas de farmácias poderia ser um forte pilar da farmácia clínica no país, mas ainda não é. Andrade elenca quatro possibilidades que poderiam impactar a profissão farmacêutica no Brasil e a qualidade de vida dos brasileiros, a partir de um programa ampliado. Acompanhe a seguir:

1. A dispensação dos medicamentos para tratamento de hipertensão arterial, diabetes mellitus e asma, entre outros, com cobertura do Programa Farmácia Popular, poderia ser atrelada ao acompanhamento farmacoterapêutico obrigatório e periódico. Pacientes crônicos, em sua maioria, são polimedicados e, por isso, correm maior risco de intoxicação e piora de quadros clínicos de saúde já estabelecidos. Daí a importância da intervenção de um farmacêutico clínico que evitaria custos com internações no SUS e até mesmo casos de óbitos;

2. A entrega de medicamentos atrelada à consulta farmacêutica poderia ainda remunerar o farmacêutico pelos serviços clínicos prestados no acompanhamento dos pacientes do SUS. O Programa Farmácia Popular de hoje beneficia o paciente com a entrega (dispensação) eficiente do medicamento e também o empresário, que tem parte de sua receita garantida pelo governo, mas se esquece de reconhecer o profissional que é o elo mais importante entre o paciente e o medicamento: o farmacêutico;

3. O Programa Farmácia Popular poderia ampliar a imunização dos brasileiros com a aplicação de vacinas em farmácias, realizadas por farmacêuticos habilitados, devidamente remunerados por cada aplicação. Ganharia o governo em economia de infraestrutura e com a economia de recursos humanos; ganharia a população com a capilaridade das farmácias com quase 90 mil estabelecimentos no país; ganharia o empresário com o valor do produto pago pelo governo; ganharia o farmacêutico com ampliação da remuneração e maior aproximação com pacientes na atenção primária à saúde;

4. No melhor dos mundos, o Programa Farmácia Popular, por meio de uma dispensação documentada via consulta farmacêutica e acompanhamento farmacoterapêutico, poderia ainda ser um grande estudo epidemiológico contínuo, ajudando com indicadores a melhoria das políticas de saúde pública e a ampliação de programas de saúde preventiva no médio e longo prazo.

Muitas são os “poderia”, as possibilidades e as oportunidades para os farmacêuticos no Programa Farmácia Popular. “O desafio está na iniciativa e na vontade política das entidades ditas líderes da classe, que podem acontecer mediante manifesto unificado dos farmacêuticos”, finaliza Andrade.

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