Medicamentos em supermercados: os prós e os contras

Farmacêutico, o que você acha da venda de medicamentos em supermercados? Seria uma nova oportunidade de trabalho ou simplesmente uma afronta à profissão farmacêutica? Pois saiba que, na contramão das orientações das maiores organizações de saúde do mundo, volta à pauta, no Brasil, uma discussão sepultada várias vezes no Congresso Nacional: o Projeto de Lei (PL) 9.482/18, que requer a autorização para a venda de medicamentos no varejo alimentar.

Esse projeto de Lei, de autoria do deputado Federal, Ronaldo Martins (PRB/CE), não é uma novidade. Desde 1995 a Câmara dos Deputados coloca esse assunto na pauta. A primeira vez que se debateu o tema foi com a proposta da Lei 5.991/73, que dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos. A Lei sofreu alterações nos parágrafos XVIII, XIX e XX, do artigo 4º, incluídos por meio da Lei 9.069/95, e que suprimiu a Medida Provisória (MP) 542/94 (ambas tratavam da comercialização de medicamentos isentos de prescrição em supermercados, armazéns, empórios e lojas de conveniência). Todas foram revogadas!

No mesmo ano, o ex-deputado, Odelmo Leão (PPB/MG), apresentou o PL 1.324/95 com o objetivo de permitir a venda de MIPs em supermercados, armazéns, bares e estabelecimentos assemelhados. Já o ex-deputado, Jorge Anders (PSDB/ES), apresentou o PL 576/95, que estabelecia a proibição da venda de qualquer tipo de medicamento em estabelecimentos comerciais não legitimados ao controle sanitário. Portanto, como se percebe, essa não é a primeira tentativa de aprovar a venda de MIPs em supermercados. Essa novela já é longa.

Em 2004, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proibiu definitivamente essa comercialização nesses estabelecimentos. Em 2009, o deputado, Sandro Mabel (PMDB/GO), tentou autorizar novamente a comercialização por meio da MP 549/11, mas ela foi rejeitada na Câmara dos Deputados e vetada em 2012 pela então presidente, Dilma Rousseff. Como se vê, o tema é recorrente, pois, em fevereiro de 2018, o Projeto de Lei 9.482/18 está na pauta novamente, e se encontra com a Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF).

MIPs nas prateleiras dos supermercados?

Há prós e contras sobre o assunto. Para fazer o papel do advogado do diabo, seria possível dizer que esse projeto pode ser mais uma oportunidade para os farmacêuticos atuarem no mercado, visto que existem mais de 37 mil supermercados e mais de 51 mil varejos tradicionais no País, segundo dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Essa seria mais uma opção para atuação do farmacêutico no mercado de trabalho.

Seguindo na mesma linha de defesa, pode-se citar que o ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico publicou o II Censo Demográfico Farmacêutico, cujos dados demonstram que existem mais de 205 mil farmacêuticos distribuídos em todas as regiões do País – profissionais que precisam de emprego e de locais para trabalhar. Esse Censo foi publicado no Anuário do Mercado Farmacêutico 360º de 2018.

Para o farmacêutico e professor do ICTQ, Leonardo Doro Pires, o interesse econômico é o grande vilão de determinadas circunstâncias. Para Pires, com a autorização da comercialização, os medicamentos isentos de prescrição seriam rapidamente alavancados à categoria A do mix de produtos dos supermercados, devido à grande demanda por estes medicamentos no Brasil. “Mas não se engane! Para toda ação, existe uma reação. Se existe uma entidade que representa os interesses de supermercados, existem outras que representam os interesses das redes de farmácias. Estes últimos, já estão atentos ao lobby, e na hora certa farão as articulações necessárias com parlamentares e membros do poder executivo, a fim de barrar essa proposta”.

O Conselho Federal de Farmácia (CFF) entende que nenhum interesse meramente corporativo e financeiro pode ser maior do que a causa do desafio global lançado pela Organização Mundial da Saúde no ano passado: em um prazo de cinco anos, reduzir pela metade os danos graves e evitáveis causados por medicamentos, que provocam, pelo menos, uma morte todos os dias e prejudicam aproximadamente 1,3 milhões de pessoas, anualmente, apenas nos Estados Unidos. 

No Brasil, o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), da Fiocruz, aponta que os medicamentos são o maior fator de intoxicação e envenenamento, respondendo por 40% dos 39.521 casos ocorridos em 2016, de acordo com o último dado disponível. Os MIPs, portanto, requerem todo o cuidado como qualquer outro medicamento de prescrição, pois não estão isentos de riscos.

Mobilização racional

Uma enquete realizada no grupo intitulado Farmacêuticos do ICTQ, no Facebook, quer saber a opinião da classe sobre a venda de medicamentos em supermercados. Essa enquete perguntou: “Medicamentos nos supermercados. De quem é a culpa?” Mais de 400 pessoas disseram que a culpa é das redes de farmácias que já funcionam como se fossem supermercados. Mais de 175 dizem que a culpa é da ausência de contrapropostas que assegurem a presença do farmacêutico em dispensação de medicamentos nos supermercados.

É necessário esclarecer que esse Projeto de Lei não condiz com a atuação responsável do farmacêutico. A farmacêutica, Caroline Bastos, comentou na enquete que, infelizmente, não existe controle e nem uma legislação específica para amparar o PL 9.482/18 e garantir que mesmo sendo aprovado, a presença de um farmacêutico no supermercado será uma exigência. “Não há fiscalização para garantir a presença de um farmacêutico nem mesmo nos postinhos de saúde, como estabelece a Lei Federal 13.021/14! Onde se viu vender medicamentos fora de estabelecimentos de saúde? Mesmo sendo MIPs, eles podem causar interações medicamentosas e diversos efeitos colaterais. Isso não tem cabimento!”.

Outra farmacêutica atenta ao assunto é Silva Botelho, que declarou na enquete que o problema não é a venda de medicamentos nos supermercados, mas a sua dispensação sem a presença e orientação de um farmacêutico. “Se for exigida a presença do farmacêutico para a orientação do paciente, teremos mais vagas de trabalho e a assistência farmacêutica será resguardada. Afinal, isso já e um problema em muitas farmácias porque elas já funcionam como um supermercado ou um self-service de medicamentos”.

Entidades são contra

Em nota, o CFF informou que os danos causados por medicamentos custam R$ 60 bilhões ao ano para a rede pública. A cada real investido no fornecimento, o Governo gasta R$ 5 para tratar as morbidades relacionadas a medicamentos (UFRGS/2017).

O presidente do CFF, Walter Jorge João, tem um desejo: “Que o presidente mantenha o País na rota segura, traçada pelo marco legal da Lei 13.021/14, por meio da qual as farmácias foram promovidas de simples comércio a estabelecimentos de saúde. Medicamento não é bolacha, e conforme prevê essa lei, deve ser dispensado somente sob a responsabilidade técnica do farmacêutico durante todo o tempo de funcionamento do estabelecimento”.

Por e-mail, o Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP), declarou que trata-se de uma proposta que incentiva a automedicação e expõe a população a riscos. Isso porque presta o desserviço de comparar o medicamento com uma mercadoria qualquer, e retira da sociedade o direito de ter acesso a um profissional de saúde que possa orientar sobre o uso racional e adequado de medicamentos.

Na Semana do Uso Racional do Medicamento, celebrada entre 6 e 11 de maio, o presidente, Michel Temer (MDB), surpreendeu o varejo farmacêutico ao comentar, durante evento da Abras, que vai avaliar a possibilidade dos chamados MIPs, serem vendidos em supermercados. Na oportunidade, representantes da Abras solicitaram ao chefe do executivo agilidade na votação da proposta no Congresso Nacional. Segundo a entidade, a medida geraria empregos e diminuiria em 30% o valor dos medicamentos.

Entidades e autoridades do setor de farmácias e drogarias receberam esse comentário com surpresa e indignação. O presidente da Associação do Comércio Farmacêutico do Estado do Rio de Janeiro (Ascoferj), Luis Carlos Marins, disse que a Associação é contrária porque existe um grande risco sanitário para a população. “Farmácias e drogarias são obrigadas a cumprir uma série de rigorosas normas sanitárias, uma delas exigindo a presença em período integral do farmacêutico no estabelecimento. Não faz sentido, de uma hora para outra, supermercados começarem a vender MIPs como se fossem bens de consumo comuns”, alerta Marins.

Segundo ele, esse comentário do presidente Temer é preocupante, pois se está em ano eleitoral. “Quais são os interesses envolvidos? Em época de eleição, nos preocupam atitudes como essa. Já vimos outros setores serem beneficiados apenas por questões políticas”, acrescenta o presidente da Ascoferj.

Medicamento não é um bem de consumo

Marins lembra que por nove dias o País viveu essa realidade. “Mais precisamente entre 21 e 30 de junho de 1995. Isso porque o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, editou a Medida Provisória 1.027,(Convertida na Lei 9.069/95), publicada no Diário Oficial da União em 21 de junho de 1995, que, entre outros assuntos, inseriu a alínea “e” ao artigo 6º da Lei Federal 5.991/73, que autorizava supermercados a vender MIPs”.

Decorridos 23 anos, o tema volta à tona. Marins ressalta que as legislações sanitária e farmacêutica já contemplam rígidas normas dirigidas a quem fabrica, distribui e dispensa medicamentos, sendo a regra de ouro a existência do profissional farmacêutico como seu responsável técnico.

Para Marins sequer é necessário ir longe ao tempo: “há pouco menos de quatro anos, entrou em vigor a Lei Federal 13.021/14, estabelecendo que, em farmácias e drogarias, a responsabilidade e assistência técnicas são exclusivas do farmacêutico (art. 5º), que deve se manter fisicamente presente em todo o horário de funcionamento do estabelecimento farmacêutico (art.6º, I), para garantir o uso racional do medicamento”.

Além disso, ele acrescenta dizendo que os estabelecimentos onde atuam farmacêuticos devem necessariamente se registrar nos Conselhos Regionais de Farmácia e nas Vigilâncias Sanitárias, a fim de permitir a fiscalização do exercício da profissão e do risco sanitário.

Portanto, para o presidente da Ascoferj, os supermercados não estão aptos a dispensar medicamentos isentos de prescrição pelos motivos citados acima. “Lugar de medicamento, isento ou não de prescrição, é em farmácia e drogaria, que para funcionar regularmente já se submetem à rigorosa fiscalização dos mais variados órgãos públicos”.

Marins sugere que, em vez de se permitir o surgimento de novos pontos de venda de medicamentos, seria mais importante aos interesses da coletividade a efetivação das normais já existentes, como o cumprimento integral e efetivo da Lei Federal 8.080/90, que garante à população o direito à promoção, proteção e recuperação da saúde. “A Ascoferj manifesta sua total discordância em relação à possiblidade de medicamentos isentos de prescrição serem vendidos em supermercados”.

Por e-mail, a ABCFARMA também manifestou a sua posição com relação ao assunto. “Permitir o acesso a medicamentos e sua dispensação em supermercados, registre-se, estabelecimentos que não têm como atividade principal a manipulação ou dispensação e comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, induz e facilita a automedicação  e, consequentemente, coloca em risco um dos propósitos precípuos da Política Nacional de Medicamentos, que é a promoção do uso racional dos medicamentos, conforme disposto na Portaria do Ministério da Saúde 3.916/98”.

A presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio de Janeiro (CRF-RJ), Tania Mouço, declara sua revolta com relação ao PL 9.482/18. “Parece que o governo está indo contra as ações que a gente tenta levantar em prol da saúde. As farmácias não são apenas pontos de venda do medicamento. Elas são estabelecimentos de saúde e, portanto, medicamento na farmácia é o correto. Não vejo porque retornar com esse assunto agora. É revoltante”, dispara Tania.

Vantagens e desvantagens

Já Pires afirma que, com a proliferação dos cursos de Farmácia em instituições de ensino privadas e duplicação do número de vagas em muitas instituições federais (criação de cursos noturnos), cada vez mais farmacêuticos saem da faculdade, mas não chegam ao mercado. “Aqui cabe uma regra básica de economia: se a oferta de empregos é menor que a disponibilidade de mão de obra, o resultado é uma queda brutal na remuneração dos trabalhadores (neste caso, nós farmacêuticos)”.

Pires ressalta que o fato é que a cada ano que passa a balança farmacêuticos/oferta de emprego pende para o lado que não favorece os profissionais. “Se quisermos defender nossa classe, temos que exigir que os profissionais de farmácia sigam o medicamento, e não o contrário. A presença de farmacêuticos no varejo supermercadista poderia gerar milhares de pontos de trabalho, ajudando a reequilibrar a equação da oferta/procura de empregos na área de farmácia”.

Dois lados da balança

Conheça os principais pontos que favorecem e desfavorecem a classe farmacêutica com a venda de MIPs em supermercados.

Pontos que favorecem:

1 – Ampliação do mercado de trabalho - Existiria uma oportunidade de expansão no campo de trabalho do farmacêutico com a obrigatoriedade da presença desses profissionais habilitados nos supermercados para orientar a população e assumir a responsabilidade técnica e a dispensação.

2 – Ampliação da assistência farmacêutica - Se houver a mesma obrigatoriedade de contratar farmacêuticos nos supermercados, como ocorre nas farmácias, é possível dobrar o número de vagas desses profissionais que atuam com assistência e atenção farmacêutica.

3 – Melhores salários - Com a multiplicação de vagas, o farmacêutico terá mais opção de escolha sobre onde trabalhar. Aí entra em negociação a oferta de vagas superior à quantidade de farmacêuticos. Assim, o profissional terá a oportunidade de negociar salário, benefícios e, ainda, poderá avaliar o ambiente de trabalho, uma vez que serão as empresas que correrão atrás desse profissional, e não o contrário.

4 – Maior atendimento à população – Com os medicamentos nos mercados, cumpre-se o papel da assistência farmacêutica que, dentre outros objetivos, visa a ampliar o acesso aos medicamentos por parte da população, claro, com a presença do farmacêutico para a orientação do uso racional do medicamento. Assim, a sua imagem como profissional de saúde fica mais fortalecida.

Pontos que desfavorecem:

1 – Farmácias drugstores - Com a aprovação do Projeto de Lei, mesmo com a presença do farmacêutico no supermercado, o modelo de negócio conhecido como drugstore estará definitivamente implantado e regulamentado no Brasil, logo, será comum as atuais farmácias avançarem como estabelecimentos que vendem tudo, se tornando cada vez mais semelhantes ao supermercado.

2 – Morre o estabelecimento de saúde - Com os supermercados na concorrência, morreria a idealização da farmácia como estabelecimento de saúde. Isso ocorreria porque elas iriam competir com os supermercados e buscariam conceitos como o one stop, ou seja, com uma parada você compra a ração do cachorro, o seu remédio, o refrigerante, o sorvete para uma sobremesa, o pão de amanhã, o leite, o café, tudo. Isso é conveniência e é prestação de serviço ao consumidor. Modelo defendido pelo presidente da Rede Araújo, Modesto Araújo Filho.

3 – Farmacêutico seria dispensável - Se não houver articulação política das entidades de classe, corre-se o risco de os supermercados venderem os medicamentos sem a presença do farmacêutico.

4 – Pontos de venda clandestinos - Mesmo com a aprovação desse Projeto de Lei exigindo a presença do farmacêutico, corre-se o risco de uma multiplicação de estabelecimentos clandestinos que vendem medicamentos sem a prescrição do farmacêutico.

5 – Concorrência desleal – Com a possível liberação dos preços dos MIPs, que está em Consulta Pública (CP 1/2018) desde 14 de maio de 2108, a concorrência entre redes e supermercados ficaria acirrada, possibilitando a quebra de muitos estabelecimentos, diminuindo a área de atuação do farmacêutico.

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