Executivos da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), que reúne as 30 maiores varejistas farmacêuticas do país, estiveram em Brasília/DF, no início deste mês, onde se reuniram com o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, e outros representantes do Congresso Nacional. Entre as ações, a Abrafarma, na figura do CEO Sergio Mena Barreto e do presidente e membro do Conselho Diretivo, Modesto Carvalho de Araujo Neto, entregou ao governo federal a agenda legislativa do setor, e expôs suas preocupações com os rumos da reforma tributária e outros temas envolvendo ambiente de negócios, competitividade e acesso a medicamentos.
Entre as pautas apresentadas pela Abrafarma em sua agenda estão o atendimento médico nas farmácias e a implantação da figura do farmacêutico remoto, restrição na fiscalização dos conselhos de farmácia, além da entidade se posicionar contra o piso nacional do farmacêutico.
As propostas em agenda não foram bem recebidas pela classe farmacêutica, que acredita ser, no mínimo estranho, uma entidade que representa um setor que mais lucrou nos últimos anos ser contra um salário digno para os profissionais que contribuem para o seu crescimento.
“É uma vergonha ser farmacêutico no Brasil. Você passa anos estudando e vem uma entidade como Abrafarma para destruir nossa profissão”. “Imaginem esses estabelecimentos sem os farmacêuticos!!! Pagar o piso é o mínimo para quem assume toda responsabilidade! E ainda vai preso quando outros fazem as bobeiras!! Piso de R$ 6.500 já!!!”. Esses são apenas dois comentários de farmacêuticos indignados que tomaram as redes sociais nos últimos dias, com a divulgação do encontro com o governo.
Mas quais são os pontos que integram a agenda legislativa da Abrafarma?
A Abrafarma estruturou as propostas em sete eixos temáticos – Farmácia Popular, Complexo Industrial da Saúde, Reforma Tributária, Assistência Farmacêutica, Serviços em farmácias, Recursos Humanos e Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs).
Sobre o piso salarial único para farmacêuticos, a entidade lembra que atualmente existem em torno de 90 mil farmácias em todo o país, sendo cerca de 52 mil (64%) PDVs independentes e optantes do simples com faturamento por volta de R$ 50-60 mil mensais.
“A fixação de um piso nacional de R$ 6.500, sem levar em conta as variações de cada região, pode ser mortal para esses estabelecimentos, que certamente não terão condições de manter suas atividades. Contudo, a consequência pode ser ainda mais grave: uma verdadeira perda de capilaridade da assistência farmacêutica”, entende o CEO da Abrafarma.
O presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar), Fábio Basílio, é membro da Comissão Parlamentar do Conselho Federal de Farmácia (CFF), que tem atuado em mais de 200 projetos que interferem na profissão farmacêutica e já conseguiu aprovar o PL do piso na Comissão de Saúde e agora está na Comissão do Trabalho com relator favorável ao PL aguardando ser pautado para votação.
“Tanto o CFF quanto a Fenafar acompanham e interferem na tramitação do PL do piso farmacêutico para que ele caminhe e seja aprovado e neste caso, diferente do que acontece com o PL dos medicamentos em supermercados, a Abrafarma é nossa adversária e tem interferido e prejudicado nosso projeto de lei. É uma luta grande contra um adversário com muito dinheiro, mas nós temos a verdade conosco que buscamos a valorização profissional”, afirma Basílio.
Outro ponto que deve ser ressaltado, segundo Mena Barreto, é que o lucro líquido médio das farmácias, conforme estudos da FIA-USP e FGV-RJ, é pouco superior a R$ 2 para cada R$ 100 de faturamento, ou seja, a margem de lucro líquida de uma farmácia não é alta, ficando em torno de 2%.
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“Dizer que a margem de lucro da farmácia é de apenas 2% é querer colocar do mesmo lado redes de farmácias e donos de estabelecimentos únicos. Quero piso salarial”, diz a farmacêutica Silvia Loureiro ao comentar postagem sobre o assunto. Na mesma publicação, o farmacêutico Gabriel Nascimento ressaltou que “colocar médicos nas farmácias e deixar serviços farmacêuticos remotos [mostra] que esse povo odeia o farmacêutico mesmo”.
De acordo com a Abrafarma, a proposta de inserir o farmacêutico remotamente nos estabelecimentos visa promover maior integração da assistência farmacêutica, aumentando a proteção da saúde da população por meio da tecnologia. A associação avalia que essa prática deve ser regulamentada em situações específicas, como na ausência eventual do profissional, em períodos noturnos e finais de semana. “Ainda assim, sugerimos que é condição essencial o estabelecimento ter profissionais farmacêuticos atuando como responsáveis técnicos ao menos nas 44 horas semanais habituais”, acrescenta Barreto.
Segundo o presidente da Fenafar, a entidade é totalmente contra as pautas levantadas pela Abrafarma e lembra que desde 2014, graças à ação e atuação das entidades farmacêuticas e de milhares de farmacêuticos pelo Brasil, elevou-se o status da farmácia para um estabelecimento de saúde de fato e de direito. E o profissional de saúde que faz a farmácia um estabelecimento de saúde é o farmacêutico.
“Essa coisa de farmacêutico remoto, isso é um absurdo. Como que teremos um farmacêutico de WhatsApp, como será o acesso a esses profissionais? A gente repudia veementemente esse tipo de iniciativa. O segmento das grandes redes, principalmente, é um setor que lucrou muito da pandemia para cá, basta olhar os balanços que as próprias empresas divulgam, são lucros bilionários. O que eles estão querendo é tornar a farmácia um simples comércio e depois nos procuram para ter apoio na pauta do medicamento no supermercado, que para eles será ruim, porque diminuirá a lucratividade deles”, expõe Basílio.
Sobre o “Programa Médico nas Farmácias”, a Abrafarma reitera que as farmácias como estabelecimentos de saúde podem e devem contribuir para ampliar a assistência farmacêutica da população, o que endossa a ideia de implementar um programa médico, notadamente com uso da telessaúde, nas lojas. “Autorizar telessaúde no canal farma pode contribuir com a melhoria da saúde no Brasil, antecipando diagnósticos, ajudando na manutenção do tratamento e evitando a ruptura do tratamento”, acredita Mena Barreto.
A teoria, no entanto, cai por terra de acordo com a farmacêutica Silvia Cardoso, que questiona: “Ué, eles falam que não tem dinheiro para pagar a insalubridade do farmacêutico, mas querem colocar médicos nos estabelecimentos?”. Opinião complementada por Rosana Frezza: “Ter médico em farmácia? Para que serve o farmacêutico clínico? Querem acabar com a profissão. Médico na farmácia não é pela saúde, é para vender [mais]”.
Para o presidente da Fenafar, o que se observa não passa de interesses e que a saúde das pessoas não está sendo levada em consideração. Ele alega que o próprio Conselho Federal de Medicina (CFM) proíbe médicos em farmácias e os farmacêuticos entendem que não deve ter mesmo a presença, porque se trata de uma venda casada.
“Como que o médico vai prescrever o que está lá na farmácia já para ele? A gente entende como uma empurroterapia. A gente não aceita e defende veementemente que o farmacêutico é o profissional da farmácia, que nenhum outro profissional pode estar nas farmácias. Hoje estamos com os exames podendo ser feitos nas farmácias, o que tem a necessidade de mais farmacêuticos, pois o trabalho aumentou bastante. Temos exames sendo feitos, testes de covid, de gravidez, são 47 exames que podem ser feitos dentro da farmácia pela RDC 786/23, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”, completa Basílio.
Segundo o presidente da Fenafar, agora era o momento que o farmacêutico deveria estar ganhando ainda mais destaque, com a sua necessidade se tornando mais evidente, e as grandes, grupos conglomerados bilionários querem simplesmente banalizar o estabelecimento farmacêutico.
“Nós não aceitamos, lamentamos que eles tenham tido essa iniciativa de procurar o governo, ou seja, na pauta que nos interessa, que é o piso nacional para farmacêuticos, eles são contrários. A valorização do profissional, eles são contrários. Isso é um absurdo e a Fenafar vai estar atenta e tomar todas as providências necessárias para garantir que o farmacêutico tenha o seu valor reconhecido pela sociedade e também pelo mercado”, garante Basílio.
As outras reivindicações do setor, segundo a Abrafarma, são:
Farmácia Popular: Com o objetivo de solucionar a carência orçamentária do programa, a entidade propôs ao senador Humberto Costa (PT-PE) a transformação do programa Farmácia Popular em política de estado. O projeto acrescenta a possibilidade de disponibilizar testes rápidos, vacinas e outros serviços de saúde à população.
Complexo Industrial da Saúde: A Abrafarma reivindica a aprovação do PL 1505/22, de autoria do senador Eduardo Gomes (PL/TO), que estabelece os mecanismos de estímulo ao Complexo Econômico e Industrial da Saúde. A matéria aguarda despacho da presidência do Senado e o objetivo é incentivar a produção nacional de insumos farmacêuticos. Atualmente, 90% da matéria-prima é originária de países como China e Índia.
Reajuste anual de medicamentos: “Rechaçamos qualquer iniciativa parlamentar que tenha por objetivo vedar o reajuste anual do preço de medicamentos. Isso é afastar o Brasil das inovações e prejudicar a indústria nacional”, reforça Mena Barreto. No entanto, a Abrafarma entende que o cálculo pode ser aperfeiçoado e trabalha para estimular o debate em torno dos projetos 5591/20 (Senado) e o PL 1050/22 (Câmara), que preveem ajuste positivo ou negativo de preços e estabelece parâmetros para a fixação desses valores.
Reforma tributária: O CEO da Abrafarma enfatiza a defesa da reforma tributária e da simplificação da cobrança de impostos, mas quer tratamento diferenciado e alíquota própria para o setor. “Atualmente, os impostos sobre medicamentos estão na absurda casa dos 32%, sendo que a média mundial é de 6%. Nossa preocupação é que a reforma elimine a isenção do PIS e da Cofins, o que comprometeria ainda mais o acesso a medicamentos”, destaca Mena Barreto.
A entidade também critica a revogação de benefícios fiscais para remédios de uso crônico e espera pelo andamento dos projetos 1457/2022 e 3264/2020, que propõem diminuir a carga sobre medicamentos.
Prontuário eletrônico único: Segundo a Abrafarma, a disponibilização de prescrição eletrônica, vem se mostrando um grande avanço. Contudo, a falta de regulamentação do tema permite que empresas de tecnologia deturpem essa evolução, limitando ao consumidor o direito de opção e busca de melhor preço, direcionando o consumidor a farmácias pré-determinadas, o que é proibido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Nesse contexto, a entidade quer uma lei para exigir que o Sistema Único de Saúde (SUS) mantenha uma plataforma digital única, ou que as prescrições digitais sejam disponibilizadas em plataforma pública, mas segura, para consulta dos próprios pacientes, sem direcionamento comercial.
Prescrição médica: A prescrição médica é do paciente, e só pode ser acessada ou compartilhada com outros estabelecimentos de saúde mediante consentimento do próprio paciente. “Por isso somos contrários ao PL 2028/15, que configura como infração sanitária a violação do sigilo das prescrições médicas que estejam em posse das farmácias e drogarias. A ideia é boa, mas o remédio proposto está errado”, atesta Mena Barreto.
Venda de medicamentos na internet: “Apesar de defendermos a venda de medicamentos online, nosso posicionamento é que somente as farmácias devem ter autorização para este fim”, comenta o CEO. A Abrafarma apoia a realização de atividades suplementares por farmácias e drogarias, além da venda de artigos de conveniência e instalação de caixa eletrônico nos estabelecimentos.
Pontos de vacinação: A Abrafarma entende que a aplicação de vacinas deve ter o apoio da iniciativa privada. “Ter as farmácias e drogarias executando o serviço de vacinação juntará o Brasil aos países mais modernos em assistência à saúde. Os exemplos vêm de Israel, dos países da Europa, do Canadá, da Austrália e dos Estados Unidos. Isso significa redução no custo da saúde, com melhor controle de condições crônicas e menos atendimentos em serviços de urgência”, enfatiza o CEO.
Fiscalização pelos Conselhos de Farmácia: O Conselho Regional de Farmácia é uma autarquia federal que tem como principal atribuição a fiscalização do exercício profissional do farmacêutico em todas as suas áreas de atuação. “Mas, por se tratar de uma tarefa muito ampla, acreditamos que é necessário estabelecer parâmetros de atuação dos conselhos, reservando a fiscalização das empresas e estabelecimentos aos órgãos competentes”, destaca Mena Barreto.
MIPs em supermercados: A Abrafarma reforça a preocupação com a possibilidade de supermercados e estabelecimentos similares venderem medicamentos, sejam eles MIPs ou de prescrição, sem assistência farmacêutica e com regras distintas das exigidas das farmácias. “Isso impacta diretamente nas relações de consumo e de defesa da segurança sanitária, contribuindo para o aumento da automedicação. MIPs não são isentos de risco e devem ser vendidos apenas nas farmácias”, conclui o CEO.
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