Pequenas farmácias agonizam em batalha contra grandes redes?

Pequenas farmácias agonizam em batalha contra grandes redes?

Com um misto de resistência e resignação, o farmacêutico, proprietário de uma farmácia independente de um bairro próximo ao centro da cidade, assiste à construção, do outro lado da rua, de mais um estabelecimento da maior rede de farmácias do País. Em sua mente, ele apenas pensa em como seu negócio poderá sobreviverá àquela concorrência. Aparentemente, a batalha, para ele, já começa perdida.

O fato citado, embora fictício, é recorrente no campo de batalha do varejo farmacêutico no Brasil. Em uma disputa, digna de Davi e Golias, as pequenas farmácias buscam alternativas para sobreviver à concorrência de grandes redes do varejo farmacêutico. Na luta pela saúde do negócio, a agilidade, a personalização e o associativismo aparecem como armas eficazes para os pequenos.

Por outro lado, as grandes redes avançam, concentrando 42% das vendas de medicamentos no País, e se aproveitam das fraquezas dos menores empreendedores. Apenas para dar ideia ao leitor do tamanho da disparidade dessa disputa, basta citar as consideradas cinco gigantes do mercado (por ordem de faturamento): a rede Raia Drogasil, a Drogaria Pacheco São Paulo, a Pague Menos, a rede de Farmácias São João e a Panvel. Se relacionadas a uma pequena farmácia independente de bairro, a comparação chega a ser patética em termos de faturamento de uma unidade.

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De acordo com o II Censo Demográfico Farmacêutico 2017, desenvolvido pelo ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, no Brasil existem 89.071 farmácias e drogarias, estando a maioria no interior, com 76,9%. Nas capitais, há 23,1% das unidades.

O embate das independentes

No quesito lutar para sobreviver, parece que o clichê a união faz a força é determinante para a sobrevivência dos empreendimentos independentes. A Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias (Febrafar) é uma organização que fomenta o empreendedorismo dos pequenos e médios varejistas do setor farmacêutico. A associação viabiliza o acesso às novas tecnologias que dinamizam o negócio das farmácias associadas.

O associativismo já é uma realidade no Brasil, e mostra resultados consistentes. Em faturamento, a Febrafar já representa mais de 11% do mercado. Ela congrega 57 redes de farmácias, com lojas em 26 estados e no Distrito Federal. As mais de dez mil unidades integradas às redes associadas à Febrafar atendem clientes em cerca de 2.900 municípios.

Em relação à população atingida nessas cidades, a representatividade se torna ainda maior, sendo que a soma da população dessas cidades abrange 161 milhões de pessoas. “O fato de atingirmos esse grande número populacional se deve ao fato de possuirmos uma representação expressiva em cidades com maior agrupamento de pessoas. Por exemplo, 19% das nossas farmácias estão em municípios com mais de 400 mil habitantes”, explica o presidente da Febrafar, Edison Tamascia.

Um bom exemplo desse sistema é o da Agafarma. Ela surgiu da dificuldade de competir com as grandes redes. Assim, em 1997, um grupo de cerca de 50 donos de drogarias unificou esforços nessa associação de empresários. A Agafarma atua no mercado farmacêutico com 457 lojas no Rio Grande do Sul, e garante aos associados maior poder de compra e de mídia.

Os números apresentados demonstram a força do associativismo para as pequenas farmácias e como esse modelo pode ir além das compras coletivas. “Atualmente, a Febrafar fornece às redes associadas ferramentas modernas de gestão das farmácias. Também se tornou uma fonte constante de informações e capacitação, que possibilitam que os gestores das redes e das lojas estejam aptos a competir nesse importante mercado”, detalha Tamascia.   

Para se ter uma ideia do poder do associativismo para os independentes, vale citar outras redes ligadas à Febrafar, como a Unifarma, com 617 unidades; a Multmais, com 582; e a Inova Drogarias, com 565 unidades.

O próprio presidente da Febrafar também é empreendedor e coordena a Farmarcas, que gerencia, atualmente, 11 redes associativistas em 24 Estados. O faturamento da Farmarcas, em 2019, foi de, aproximadamente, R$ 3 bilhões.

Nascida há sete anos, a Farmarcas saiu do zero e chegou a mil lojas, levando a sério a missão de alçar o associativismo farmacêutico brasileiro a patamares de excelência em gestão e performance.

“Geralmente, as pessoas, quando pensam em associativismo, elas relacionam, principalmente, ao comprar bem, ou seja, obter benefícios com compras conjuntas, o que não está errado. Contudo, acreditamos que, para o sucesso de nossas redes e lojas, precisamos muito mais do que isso. É preciso ter o controle da gestão do negócio, podendo tomar decisões assertivas sobre os rumos a serem tomados. Além disso, é preciso ter saída dos produtos e, o que é fundamental (e que as pessoas deixam de lado), é o aprendizado constante”, diz Tamascia.

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Do outro lado do campo de batalha        

As grandes redes detêm 16% das 89.071 farmácias do Brasil (Censo ICTQ). Suas vendas médias ainda são superiores às do canal do associativismo.

Apesar do avanço do associativismo, as redes ainda têm o domínio de grande parte do mercado, e elas crescem acima dos demais canais, principalmente nas regiões Sudeste e Norte.

O mercado farmacêutico brasileiro alcançou vendas de R$ 215,6 bilhões em 2019. Os números integram o Estudo de Mercado Institucional da IQVIA, empresa global associada a soluções de auditoria, tecnologia e consultoria para o mercado de saúde. O estudo mostrou crescimento do varejo abaixo dos canais institucionais, porém ainda acima da inflação.

“O mercado farmacêutico apresentou crescimento próximo a 10% em 2019, acima do verificado nos últimos anos, que ficou em torno de 4% a 8%. Se descontarmos a inflação, 2019 foi o melhor ano dos últimos cinco anos em termos de crescimento real”, avaliou o diretor associado de Relacionamento com Parceiros Estratégicos da IQVIA, Alexandre Santos.

O varejo farmacêutico cresceu 7,1% no último ano, com aumento da importância da cesta de não medicamentos nas vendas totais. Quase 75% do mercado farmacêutico brasileiro estão concentrados em oito Estados. Cada um apresenta um perfil de crescimento diferente: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia, Santa Catarina e Goiás.

Quem vence o duelo

O presidente da Febrafar alerta que é preciso muito cuidado por parte dos administradores das farmácias, principalmente das independentes, em função de esse mercado ser cada vez mais desafiador.

“O que se observa é um intenso movimento das grandes redes, com a abertura de novas lojas. Os proprietários de farmácias possuem um desafio enorme pela frente, precisando se adaptar para as novas características que o mercado impõe. O varejo independente está encolhendo e não reagindo à altura, o que é muito preocupante. Assim, reforço que o caminho para essas lojas está no associativismo”, dispara Tamascia.

Para a professora do ICTQ, Giovanna Dimitrov, a tendência do mercado é ampliar o número de lojas, pois, assim, elas diminuem os custos fixos. Ela explica que isso deve ser enfrentado com bons olhos porque existem diversas estratégias que os pequenos estabelecimentos devem adotar para permanecer no mercado.

De acordo com Giovanna, a livre concorrência tem como consequência a melhoria e a especialização dos serviços prestados nos estabelecimentos. Ela afirma que as empresas de pequeno porte devem se especializar em oferecer serviços diferenciados: “O atendimento individualizado é um diferencial nas empresas menores. É onde o cliente percebe o valor real do serviço”.

Sete campos estratégicos na batalha entre pequenas farmácias e grandes redes

1 – Gestão de estoques: enquanto as grandes redes são premiadas pela ruptura próxima de zero em suas lojas, as pequenas farmácias encontram dificuldades na manutenção de grandes estoques e diversidade no mix de produtos ofertados.  

2 – Poder de compra: os dois lados fazem uso dessa arma. Em algumas redes o volume de compra é tão grande, que elas chegam a administrar seus próprios centros de distribuição. Por outro lado, as pequenas aglomeram-se em associações e alcançam o mesmo poder de compra, em algumas vezes, até superior ao das redes.

3 – Mix de produtos: as redes avançam, cada vez mais, para o modelo drugstore no conceito one-stop shop. Em Belo Horizonte, graças a liminares, uma grande rede vende praticamente de tudo em lojas gigantes que contam até com drive-thru. Por outro lado, é raro encontrar produtos cosméticos da Natura, por exemplo, em uma pequena farmácia independente.       

4 – Captura de vendas: as grandes redes já acordaram para o fato de que o serviço farmacêutico gera vendas e fidelização. O atendimento personalizado, individual e atencioso na pequena farmácia já não é mais um diferencial. No entanto, as grandes redes jamais conseguirão vender na notinha, ou fiado, por confiança no cliente conhecido pelo estabelecimento.

5 – Marketing: enquanto as grandes redes possuem poder financeiro para propaganda em TV, rádio, jornal e plataformas digitais, as pequenas estão apostando essencialmente nas mídias digitais como ferramenta de comunicação das suas promoções e relacionamento com os clientes.

6 – Gestão financeira: pequenas farmácias independentes ainda desconhecem a importância da separação da vida financeira da empresa do bolso do proprietário. Princípios básicos da contabilidade são ignorados pelos pequenos, que, muitas vezes, sofrem com a ausência de formação específica para a gestão de negócios. As grandes redes, com os melhores executivos do mercado financeiro, estão abrindo capital na bolsa e maximizando sua rentabilidade.

7 – Recursos Humanos: é cada vez mais desafiador, para a grande rede, contratar farmacêuticos. Criticadas amplamente pelos profissionais que passam por elas, os farmacêuticos preferem pequenas redes de associações, ou ainda farmácias independentes, por não terem abusos relacionados à jornada de até oito horas em pé (sem direito a assento), escalas exaustivas, pressão para vender vitaminas, acúmulo de função, dentre outras queixas.

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