De acordo com levantamento realizado consultoria IQVIA, houve aumento de 180% nas vendas de vitamina C e de 35,6% da vitamina D nos três primeiros meses do ano no Brasil. Já os medicamentos contra insônia cresceram 40% no Espírito Santo e os ansiolíticos tiveram alta de 15% nas drogarias do Rio de Janeiro somente em maio.
Em tempos de pandemia e conflito de informações, sem contar as fake news, o consumo de determinados medicamentos, direta ou indiretamente, associados à pandemia cresceu de forma exponencial. O caso da vitamina C é emblemático. Divulgado pelo país afora nas redes sociais como forma de se prevenir contra o novo coronavírus, a vitamina C se tornou, indevidamente, uma panaceia preventiva contra a Covid-19. Da mesma forma, durante a pandemia, circularam informações sem respaldo científico sobre a capacidade da vitamina D como alternativa de prevenção.
Para a professora associada do departamento de Microbiologia da UFMG, Giliane de Souza Trindade, a vitamina C é ineficaz contra o coronavírus. “A pessoa pode ter uma falsa sensação de que está protegida. A vitamina C não é um antiviral. Se o indivíduo está usando a vitamina para melhorar o sistema imune, é melhor dormir e comer bem”, revelou ao Estadão.
Isso sem falar na hidroxicloroquina, que teve alta de cerca de 68% nas vendas entre janeiro e março, por supostamente curar a Covid-19. A controvérsia sobre o medicamento persiste, com estudos inconclusivos, alguns apontando sucesso, outros ressaltando ineficiência ou até piora dos casos, sem contar os riscos elevados do uso da substância.
Segundo pesquisa realizada pelo jornal A Tribuna, de Vitória (ES) em várias redes de farmácia do Espírito Santo, o aumento da procura por medicamentos contra insônia se concentra principalmente em substâncias naturais, como os fitoterápicos. Isso porque, com o isolamento e a restrição de consultas com médicos por conta da pandemia, algumas pessoas não têm conseguido receituário médico, que é exigido para os medicamentos alopáticos.
“Assim, essas pessoas estão buscando os ansiolíticos naturais, que ajudam a ter sono. Essa categoria de produtos teve um aumento considerável de mais de 40%”, revelou à Tribuna o gerente comercial da Farmácia Mônica, Renato Vietchesky. Já farmacêutico Márcio Mendes Mello, sócio da Pharmapele, disse ao jornal que a procura por suplementos como passiflora, melissa e camomila também têm aumentado. “Percebi que agora, durante a quarentena, as pessoas estão procurando mais. O mais famoso é a passiflora, que é o maracujá. Há outros mais modernos também, como o relora e a verbesina”.
De acordo com a pneumologista e presidente da Associação Brasileira do Sono – Regional Espírito Santo, Jéssica Polese, é normal o aumento desse tipo de medicação durante o isolamento social. Ela ressaltou que é importante manter uma rotina, com exercícios, para melhorar o sono.
No Rio de Janeiro, a rede de farmácias Venâncio registrou 15% de aumento nas vendas dos ansiolíticos que atuam no sistema nervoso central nos primeiros 15 dias de maio, na comparação com o mesmo período de 2019, segundo apurou O Globo. Nos Estados Unidos, o uso de remédios controlados contra a ansiedade aumentou 34%, na medida em que a crise do novo coronavírus afeta o dia a dia dos norte-americanos, revelou a CNN.
Pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) com cerca de 400 médicos de 23 estados e do Distrito Federal, correspondentes a 8% do total de psiquiatras do País, revela que 89,2% dos especialistas entrevistados destacaram o agravamento de quadros psiquiátricos em seus pacientes devido à Covid-19. “O isolamento social mexe muito com a cabeça das pessoas”, comentou o presidente da ABP, Antonio Geraldo da Silva, em entrevista à Agência Brasil.
O estudo mostra ainda que 67,8% dos médicos receberam pacientes que nunca haviam apresentado sintomas psiquiátricos antes, após o início da pandemia e do isolamento social. Outros 69,3% relataram ter atendido pacientes que já haviam recebido alta médica, mas que tiveram recidiva de seus sintomas. “É uma situação de medo, de ameaça constante, sem saber o que fazer”, adicionou o presidente da ABP. Muitos pacientes não vão ter acesso a medicamentos. Com isso, a ansiedade, o estresse e a paranoia aumentam e eles deixam de ir ao médico, perdendo as orientações necessárias, avalia Silva.
Outra pesquisa, feita pelo Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), apontou que os casos de depressão praticamente dobraram desde o início da quarentena, divulgou a CNN. Entre março e abril, dados coletados on-line indicam que o percentual de pessoas com depressão saltou de 4,2% para 8,0%, enquanto para os quadros de ansiedade o índice foi de 8,7% para 14,9%.
Perigo do uso indiscriminado de medicamentos
De acordo com levantamento realizado pela Folha de Pernambuco junto aos conselhos de Farmácia, os porcentuais de aumento da procura por vários tipos de medicamentos são uma demonstração da influência do medo sobre um hábito consagrado entre a população brasileira, que é o uso indiscriminado de medicamentos e a automedicação.
Desde 2014, que o ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico analisa o hábito de se automedicar do brasileiro. No primeiro ano de pesquisa, em 2014, um estudo constatou que 76% da população declaravam tomar medicamentos por conta própria, ou seja, sem prescrição médica ou orientação do farmacêutico. Em 2016, o índice variou para 72%. Já em 2018 cresceu para 79%, e agora, em 2020, foi observado que 81% das pessoas indicam consumir essas substâncias sem os devidos cuidados.
Já uma recente pesquisa desenvolvida pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), realizada em meio à pandemia, corrobora com os dados divulgados anteriormente pelo ICTQ. Segundo a entidade, 77% dos brasileiros declararam já ter feito uso de algum medicamento por conta própria.
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Em entrevista recente ao portal do ICTQ, o coordenador de saúde da Coordenadoria de Assistência Farmacêutica do Estado de São Paulo, Victor Hugo Costa Travassos da Rosa, fez um alerta sobre os riscos relacionados à automedicação. “É uma prática que pode levar até a morte. Consumir um medicamento sem orientação médica ou farmacêutica é uma atitude perigosa. A pessoa deve sempre procurar se informar com médicos ou farmacêuticos”.
De acordo com o levantamento da Folha de Pernambuco, mesmo medicamentos os isentos de prescrição podem causar danos, especialmente se forem usados sem indicação ou orientação profissional. Dependendo da dose, o paracetamol pode causar hepatite tóxica. A dipirona oferece risco de choque anafilático e agranulocitose, e o ibuprofeno é relacionado a tonturas e visão turva. Já o uso prolongado da vitamina C pode causar diarreias, cólicas, dor abdominal e dor de cabeça. E com a ingestão excessiva de vitamina D, o cálcio pode depositar-se nos rins e até causar lesões permanentes.
Na visão do infectologista Esper Kallás, do departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da USP, como tais medicações não são controladas, pode haver uso de forma inadequada. “Nenhum remédio não tem nenhum risco. Até mesmo a vitamina C em excesso pode causar problemas. A hidroxicloroquina tem baixa toxicidade, mas para alguns é significativa”, afirmou ao Estadão.
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