Em coletiva na Casa Branca, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou que está tomando hidroxicloroquina, há semanas, para se prevenir de uma possível contaminação pelo novo coronavírus (Covid-19), mesmo sem nenhuma comprovação científica que ateste a eficácia do medicamento no tratamento ou prevenção da doença. Na entrevista, o líder americano ainda indicou a substância que, segundo especialistas, pode apresentar riscos à saúde de muitos pacientes.
“Muitas coisas boas surgiram sobre a hidroxicloroquina. Muitas coisas boas surgiram mesmo. Você ficaria surpreso com quantas pessoas estão tomando”, disse Trump. “Eu tomo, estou tomando há uma semana e meia. Um comprimido por dia”, revelou ele, durante a conversa com os jornalistas.
Segundo o farmacêutico e professor em farmacologia do ICTQ - Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Thiago Melo, os estudos recentes sobre a hidroxicloroquina não apresentam evidências positivas em relação à substância. “Não há nenhum amparo, por publicações [científicas], nas últimas semanas, sobre a ação da hidroxicloroquina e seus derivados contra a Covid-19. Até agora, o que temos de dados é que em fase avançada o medicamento não reduz carga viral, já em relação à profilaxia também não há nenhuma comprovação na literatura”, explica.
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Melo ainda ressalta que o uso do medicamento de forma aleatória pode apresentar riscos à saúde. “Recentemente, a literatura tem apresentado os problemas de arritmia cardíaca pela associação [de medicamentos]. Então, quando se fala em hidroxicloroquina é importante lembrar que esses indivíduos não estão somente tomando essa substância. Esse que é o verdadeiro problema que, inclusive, tem sido pouco comentado na mídia. A hidroxicloroquina é um medicamento arritmogênico, mas o problema principal é a sua associação com a azitromicina que também é”, afirma.
Ele complementa: “Essas duas [drogas] juntas representam uma outra conversa. Nesse caso, estamos diante de uma interação medicamentosa. E detalhe, há pouca discussão sobre isso, como não é uma associação comum, ao longo da história, muitas pessoas que apresentam quadro de parada cardíaca devido a essa associação podem cair na conta das mortes por Covid-19”.
Nova moda
Em maio de 2020, muitos outros exemplos de incentivo ao uso de medicamentos associados no tratamento da Covid-19 se tornaram notícia e causaram polêmica. Recentemente, uma ação da Unimed, em Belém do Pará, gerou revolta nas redes sociais. Por meio de drive thru, a empresa de saúde resolveu distribuir kits com fármacos, gratuitamente, aos pacientes, para o tratamento do novo coronavírus (Covid-19). As substâncias dispensadas foram cloroquina (450 mg), ivermectina (6 mg) e azitromicina (500 mg).
Em folder distribuído à população, a companhia de saúde avisou: “A Unimed-Belém iniciará, por meio de drive thru, a distribuição gratuita de medicamentos utilizados no tratamento da Covid-19".
Sobre o tema, o fundador do ICTQ, Marcus Vinicius de Andrade, questionou qual o sentido dessa ação: “Por que a Unimed está tomando essa iniciativa de distribuir um kit de medicamentos com a falsa promessa de tratamento da Covid-19? Será que eles estão tendo um custo elevado com os conveniados que estão indo para as internações e Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e acham que distribuindo e intoxicando a população, que tem o plano de saúde da empresa, vão evitar os custos hospitalares com internações?”, questiona.
Andrade também ressalta: “Esses medicamentos estão em fase de testes, ainda estão sendo testados em ambiente hospitalar, com monitoramento do médico. Como a Unimed diz que esses medicamentos são usados como terapia à Covid-19? Isso é propaganda enganosa, isso é crime sanitário, é crime contra a saúde pública”, opina.
A distribuição da Unimed parece que virou moda. Na semana seguinte, prefeituras de alguns municípios brasileiros aderiram ao modelo. Na terça-feira (20/05), a prefeitura de São Mamede (PB) resolveu seguir a mesma tendência e distribuiu kits de medicamentos associados em sacos plásticos à população.
Por meio de uma publicação no Facebook, o prefeito daquele município, Umberto Jefferson de Morais Lima, avisou: “Iniciamos a entrega dos kits com medicações para os pacientes reagentes ao Covid-19 [e aqueles que tiveram contato com eles] sintomáticos. Seguiremos os protocolos e a prescrição médica para tratamento domiciliar. Importante informar que cada kit é individualizado, não são todos iguais, cada paciente terá sua proposta terapêutica. Se Deus quiser logo todos estarão recuperados”, escreveu.
Na rede social, a postagem gerou muitos questionamentos. Muitos internautas ficaram com dúvidas sobre de que maneira esse kit, que já tinha medicamentos em sacos plásticos, se antecedeu às possíveis prescrições médicas. Além disso, muitas pessoas questionaram como a administração municipal separou essas substâncias, já que para isso era preciso primeiro saber o número de indivíduos que precisaram de certos fármacos.
“Um kit pronto e individualizado que não leva em consideração nem a anamnese médica nem as diretrizes nacionais e internacionais e nem as individualidades dos pacientes. Prefeito de São Mamede, sua fala não condiz com o fato! Amém?”, comentou o internauta e estudante de farmácia, Júlio Cesar.
Opinião de especialistas
Para o especialista em farmacologia, Melo, essa prática tem muitos erros e riscos: “Quando se coloca um kit, como se fosse um combo, não estão fazendo análise sobre o que o paciente já faz uso em casa. Se ele utiliza anticoagulantes, antiarrítmicos, se o indivíduo é um cardiopata. Fazendo essas misturas associadas com dipirona, como eu vi, nitazoxanida, hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina, por exemplo, isso é uma bomba de medicamentos que pode até não apresentar riscos a um determinado grupo de pessoas. No entanto, isso não quer dizer que é uma terapia segura para toda a população”, avalia.
Ele finaliza: “Quem está fazendo essas avalições nas dispensações dos kits que estão sendo colocados em caminhonetes e sendo distribuídos por todo o País?”, questiona e finaliza.
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