A estatística é a ciência que trata a estratégia de negócio baseada em dados. Na era da informação e do conhecimento, os métodos estatísticos tornaram-se fundamentais na coleta, organização e análise dos dados utilizados na tomada de decisão. Por isso é fundamental que os gestores estejam preparados para focar sua estratégia baseada em dados. Atualmente, não é possível estabelecer uma gestão de processo que não seja suportada por um sistema de informação consistente.
“Nos últimos 50 anos, a estatística teve um desenvolvimento avassalador dentro das empresas e universidades devido ao desenvolvimento das estruturas computacionais. Com o incremento dos computadores e de softwares especializados foi possível disseminar os métodos estatísticos para todos os processos industriais”, afirma o presidente da Estatcamp, Dorival Leão.
Toda essa definição se enquadra perfeitamente nas necessidades de um gestor e de qualquer profissional que atua na indústria farmacêutica. A questão que os gestores enfrentam no dia a dia não é a escassez de informações, mas como usar o conhecimento disponível para tomar melhores decisões.
“O que costumo dizer é que o profissional não precisa ser um especialista em estatística e conhecer todas as ferramentas e fórmulas existentes. Ele deve ter aquilo que o escritor H. G. Wells define como o pensamento estatístico, que será um dia tão necessário e eficiente para o cidadão quanto a habilidade de ler e escrever”, defende o professor e especialista em Suporte Analítico da Brainfarma, Renato Cesar de Souza.
Para Leão, a estatística é peça fundamental para o crescimento e desenvolvimento da indústria farmacêutica brasileira. Métodos estatísticos são aplicados em todas as fases do ciclo de vida de um medicamento, como as técnicas de planejamento de experimentos, métodos de análise de equivalência, validação de métodos e processos, técnicas para determinar o prazo de validade de medicamentos, entre as diversas aplicações no sistema de gestão dos processos. “Em resumo, a tomada de decisão está cada vez mais baseada em dados”, afirma ele.
Potencial a ser explorado
“Apesar de a estatística estar se tornando cada vez mais necessária no segmento, pode-se dizer que ainda não estamos nem perto de aproveitar todo o potencial dessas ferramentas, visto que os conceitos são aplicáveis em praticamente todas as etapas desde o desenvolvimento de um produto até sua comercialização”, diz o diretor do Ephar Instituto Analítico, Paulo Barroso.
Ele acredita que os profissionais precisam dessa ferramenta para avaliar estabilidade, definir especificação, estudar a qualidade do processo, qualidade do método analítico, comparar produtos por estudos de biodisponibilidade relativa ou bioequivalência, estudos clínicos, controle de qualidade, validação de processo, regulatórios e produção. Em todas as etapas, sem exceção, essa ciência é necessária em algum momento.
Souza destaca que a estatística é ferramenta essencial tanto para métodos analíticos como físico-químicos. Uma das principais funções de um método é gerar informações relacionadas à qualidade do produto. Normalmente a quantidade de informações geradas por essas ferramentas analíticas são correlacionadas. “É praticamente impossível extrair tudo o que se precisa compreender nessas atividades sem a aplicação de ferramentas estatísticas adequadas”, afirma ele.
Para Leão, todo sistema de medição, como os sistemas analíticos e físico-químicos, é visto como um processo que produz uma medida de interesse: “A estatística é peça fundamental na gestão de qualquer sistema de medição. No caso de métodos analíticos e físico-químicos, ela é aplicada em todas as fases do ciclo de vida do método. Aplicamos as técnicas de planejamento de experimentos no desenvolvimento da metodologia e em estudos de robustez”.
Ele acredita que a estratégia de quantificação destes métodos é baseada em técnicas estatísticas, pois eles trabalham de forma indireta. Eles medem um sinal que é transformado na medida de interesse via modelos de regressão apropriados. O processo de validação da metodologia é suportado por um conjunto de experimentos que fornecem evidência objetiva (dados) sobre a adequabilidade do método ao seu propósito. “Durante a aplicação da metodologia na rotina, calculamos a tendência e a incerteza da medição que avaliam a qualidade da medida obtida. Em resumo, a estatística é aplicada a todas as fases do ciclo de vida destas metodologias”, destaca Leão.
Os grandes desafios
“Qualquer mudança em uma legislação passa a ser um desafio para qualquer profissional na indústria farmacêutica. Porém, no caso da RDC 166 e da CP 453, não temos uma simples mudança de legislação, mas sim uma mudança quase que cultural da forma de se trabalhar”, lembra Barroso.
O órgão regulador cada vez mais entrega a responsabilidade para a indústria de garantir a qualidade do produto, e essa mudança cultural aumenta significativamente o desafio dos profissionais que atuam na área. Da mesma forma, o desafio na fase inicial é grande, mas há uma tendência das empresas e gestores de se adaptarem rapidamente às mudanças conforme as necessidades surgem, sempre com investimento e capacitação da equipe técnica.
“A RDC 166 é uma evolução ao sistema de gestão de metodologias analíticas no sentido de tornar o processo de validação mais quantitativo. A CP 453 é marco para o desenvolvimento da indústria farmacêutica e está associado com a entrada da Anvisa no International Conference on Harmonisation of Technical Requirements for Registration of Pharmaceuticals for Human Use (ICH)”, ressalta Leão.
O especialista fala que a interpretação desses documentos (RDC 166 e CP 453) leva para uma análise mais profunda da metodologia analítica e dos métodos utilizados no estudo da estabilidade de medicamentos. Para isso, é preciso realizar experimentos que geram dados sobre o comportamento da metodologia analítica e da estabilidade do medicamento.
O tratamento dos dados é realizado por meio de ferramentas estatísticas e softwares apropriados. A gestão da aplicação dessas técnicas estatísticas exige uma quebra de paradigma dentro da indústria farmacêutica, a integração de diferentes áreas. Uma variabilidade excessiva em uma metodologia analítica pode estar relacionada com o sistema de calibração de equipamento. Da mesma forma, uma tendência adversa em um estudo de estabilidade pode estar relacionada com o processo de produção do medicamento ou da própria metodologia analítica ou, ainda, do processo de desenvolvimento do medicamento, entre outros fatores. Com a aplicação de ferramentas estatística adequadas, é possível desenvolver um sistema de gestão mais integrado e, com isso, favorecer o desenvolvimento e o crescimento da indústria farmacêutica brasileira.
“De forma geral, estes documentos (RDC 166 e CP 453) significam um avanço para a indústria farmacêutica, enquanto, que exigem dos gestores uma visão mais quantitativa e integrada de todo o ciclo de vida de um medicamento”, afirma Leão.
Vale lembrar que, praticamente, todas as normas e resoluções envolvem a gestão de processos. Todo sistema de gestão deve ser baseado em dados. Sendo assim, é necessária a aplicação de técnicas estatísticas na interpretação e aplicação de quase todas as normas e resoluções da Anvisa. Como exemplo, pode-se citar a Revisão Periódica do Produto (RPP), que é o principal documento de gestão da qualidade de produtos e processos, o monitoramento ambiental e a validação de processo.
É fundamental a qualificação
O profissional precisa se desenvolver conforme o mercado evolui e estar sempre atualizado, seja por meio de leitura de material relevante, contato com algum profissional de referência dentro da própria empresa e, principalmente, de cursos específicos sobre o tema. “O segredo é não se acomodar, pois o mercado está mudando constantemente e cada vez exigindo mais de seus profissionais”, ressalta Souza.
Barroso comenta que existem muitas ferramentas estatísticas necessárias para a atuação do profissional. No entanto, ter somente o conhecimento estatístico teórico de todas as ferramentas existentes pode não ser suficiente para sua aplicação na rotina de trabalho. É necessário que a estatística seja utilizada juntamente com a multidisciplinariedade de conhecimentos requeridos para o profissional que atua na indústria farmacêutica. Assim, as informações geradas terão aplicabilidade na rotina de trabalho.
“A estatística nos dá a informação. Decidir sobre a relevância e aplicabilidade dessa informação cabe ao profissional capacitado, ou até mesmo para um time multidisciplinar dentro da equipe de trabalho”, conclui Souza.