Passaram-se vinte e dois anos desde a chegada dos primeiros medicamentos genéricos ao mercado brasileiro, pois a Lei 9.789, que instituiu os genéricos é de 1999. Mas as primeiras substâncias genéricas começaram a chegar ao mercado em 2000.
Adotados por vários países, não apenas o Brasil, como uma estratégia de ampliação do acesso ao tratamento medicamentoso, com a intenção de proporcionar possibilidades de compra de fármacos, os genéricos ocupam um lugar de grande importância para a manutenção da saúde de milhões de pessoas, principalmente, no caso de populações mais vulneráveis e com menos recursos.
No Brasil, em 2020, as vendas de genéricos cresceram 13%, somando 1,237 bilhão de caixas. No mercado total, a evolução foi de 8,79% e foram comercializados 3,529 bilhões de unidades. Em valor, a comercialização dessa classe de medicamentos atingiu R$ 8,64 bilhões, alta de 19,42%, segundo apuração do Valor Econômico. Os dados são da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Pró-Genéricos), com base em levantamento do IQVIA, consultoria do setor.
Já primeiro semestre de 2018, as vendas de genéricos registraram crescimento de 10% em unidades. Nesse período, foram comercializadas 676,4 milhões de unidades no varejo farmacêutico contra 614,2 milhões no primeiro semestre de 2017. No mesmo intervalo o mercado farmacêutico total cresceu 6%.
No ano anterior, em 2017, foram comercializadas 1,2 bilhão de unidades de genéricos contra 1,1 bilhão no ano anterior, o que resultou numa expansão de 11,78%. Em valores, foram registrados R$ 7,5 bilhões em vendas naquele período, já considerados os descontos concedidos ao varejo.
“Desde que chegaram ao mercado, os genéricos ampliaram substancialmente o acesso a tratamentos para milhares de consumidores, ajudaram a estabelecer novos padrões de qualidade para os medicamentos no mercado local e mudaram a face da indústria farmacêutica instalada no País”, destacou a, então, presidente da Pró- Genéricos, Telma Salles, em entrevista publicada no ICTQ em 2019.
Em recente entrevista, o presidente da Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias (Febrafar), Edison Tamascia, falou sobre a crescente venda de genéricos no País. Se forem divididas nas categorias genérico, trade, propagado e não medicamento, os genéricos foram os que mais cresceram no mercado.
Ele diz que, levantamentos de anos anteriores (de 2018) do IQVIA NEW PCP (instituto que audita o varejo farmacêutico), mostraram que o faturamento com as vendas de genéricos já representava 21% das farmácias. No mesmo período do ano anterior a representatividade dos genéricos era de 19%. “Nas redes associadas à Febrafar essa representatividade é ainda maior, sendo que representou 29% do faturamento das farmácias, enquanto no período anterior era de 26%”, revelou Tamascia.
Percalços superados
Os primeiros anos certamente foram marcados por dúvidas, como acontece com toda situação nova e disruptiva. Houve certa incompreensão inicial por parte dos médicos e dos consumidores, o que já foi completamente superado.
Atualmente, os genéricos se sobressaem no receituário médico nas farmácias, segundo dados do IQVIA. Os genéricos também são o segmento que mais cresce na indústria farmacêutica brasileira em unidades vendidas.
“Esse sucesso se deve ao fato de que os genéricos são absolutamente seguros e eficazes e custam, em média, 60% menos que os medicamentos de referência”, lembra Telma. Outra razão está na qualidade da legislação dos genéricos. O arcabouço regulatório que institui esta classe de medicamentos é um dos mais modernos do mundo e combina o melhor da regulação sanitária adotada em mercados maduros como o dos Estados Unidos, Canadá e Europa, o que traz confiança para o consumidor e classe médica.
O varejo comemora e a indústria também. Para a EMS, essa classe de medicamentos representou, apenas em 2017, 36% do faturamento da empresa (IQVIA ). “Com mais de 50 anos de história, a EMS busca a manutenção do primeiro lugar em genéricos, ocupado desde 2013, assim como o fortalecimento e a liderança em todas as suas outras áreas de atuação - Prescrição, Marcas, OTC e Hospitalar -, como parte de seu plano de crescimento e consolidação como uma big pharma 100% brasileira”, orgulhou-se o, então, diretor Comercial da unidade de Genéricos da EMS, Aramis Domont.
Os maiores beneficiados
Para Telma, é no campo do acesso que os genéricos comemoram seus maiores destaques. O consumo desses medicamentos experimentou crescimento exponencial, especialmente no caso de substâncias destinadas a tratamentos de doenças crônicas. “O uso de medicamentos para controle do colesterol, por exemplo, cresceu mais de 2.000% desde a chegada dos primeiros genéricos ao mercado, em 2000. O uso de anti-hipertensivos avançou mais de 600% e os medicamentos para o tratamento de diabetes registraram expansão de mais de 1.200%”, ressaltou a executiva.
Ao ampliar o acesso, os genéricos passaram a ser um importante instrumento de saúde pública, dando alívio à saturada rede de hospitais e prontos-socorros dos governos federal, estaduais e dos municípios. Tratamentos corretos diminuem substancialmente o uso da rede, evitando internações e complicações do quadro de saúde dos pacientes.
Os genéricos também são importantes para o varejo farmacêutico, pois representam, para as farmácias, a possibilidade de ter opções mais econômicas disponíveis no mix.
Por lei, os genéricos custam 35% menos que os medicamentos de referência. Na prática, os preços são, em média, 60% menores no varejo. Isso acontece porque eles imprimiram uma forte competição na indústria farmacêutica no País.
“Neste contexto, os genéricos estão proporcionando uma economia brutal em gastos com medicamentos para os consumidores. Desde o início, os genéricos já geraram uma economia para os consumidores da ordem de R$ 116,6 bilhões [até 2019], considerados apenas os descontos de 35% estabelecidos em lei”, pondera Telma.
O valor é potencialmente maior, já que o indicador não captura o desconto real praticado nos pontos de venda e o efeito extra que os genéricos exercem na regulação de mercado, uma vez que os medicamentos de referência ficam obrigados a baixar seus preços para se manter competitivos, quando têm suas patentes vencidas.
Indústria comemora
Em janeiro de 2019, a EMS já oferecia esse tipo de medicamento para 96% das classes terapêuticas, com presença em 90% dos pontos de venda. “Vale ressaltar ainda que, nesse segmento, a EMS tem também buscado ocupar fatias importantes de mercado com o investimento em medicamentos genéricos de alta complexidade, de difícil desenvolvimento e produção”, defendeu Domont.
Ele cita um exemplo de genérico de alta complexidade já presente no portfólio da empresa, que é a ciclosporina microemulsão genérica - um imunossupressor utilizado por pacientes no combate à rejeição de órgãos transplantados, com produção exclusiva na América Latina.
Naquele ano [2019], o diretor já destacava a aposta da empresa em genéricos de alta complexidade inéditos no Brasil para os próximos anos: “Neste cenário, podem ser citados os produtos inalatórios, cuja tecnologia é dominada por poucas empresas no mundo e na qual a EMS já trabalha”.
De acordo com Telma, com os genéricos, o parque fabril nacional se modernizou, gerando milhares de empregos, ampliando os investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e passando a ocupar papel de exportadores no mercado farmacêutico global.
Ainda no início de 2019, mais de 100 laboratórios já possuíam linhas dedicadas à produção de genéricos no mercado brasileiro, com mais de 3.800 registros desses medicamentos em 21,7 mil apresentações disponíveis para os consumidores, cobrindo praticamente todas as doenças conhecidas. Naquele ano, nove dos dez maiores laboratórios farmacêuticos que operavam no País já tinham medicamentos genéricos em seu portfólio.
O consumidor confia?
De acordo com pesquisa realizada, em 2018, pelo ICTQ - Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, o índice de confiança da população nos genéricos é de 73%. Os mais confiantes neste tipo de medicamento são os idosos com idade a partir dos 60 anos. Entre eles, o índice de confiança é de 78%.
E não é para menos, esses medicamentos contêm os mesmos princípios ativos, na dose e forma farmacêutica, administração pela mesma via e com a posologia e indicação terapêutica do medicamento de referência. Isso significa que os genéricos apresentam eficácia e segurança equivalentes às do medicamento de referência e são com ele intercambiáveis.
A intercambialidade (troca do medicamento referência pelo genérico na farmácia) é assegurada por testes de equivalência terapêutica (in vitro) e por estudos de bioequivalência (in vivo) apresentados à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“O que se observa é que os genéricos já venceram uma desconfiança inicial e natural que enfrentaram no mercado e, atualmente, já fazem parte das opções de escolha dos consumidores. Eles possuem um grande potencial competitivo por conta da economia que proporcionam, sendo que os preços são fundamentais na escolha”, falou Tamascia.
Para o presidente da Febrafar, é importante reforçar que o cliente está buscando uma alternativa real, sendo que o genérico possui a mesma substância ativa, forma farmacêutica e dosagem que o medicamento de referência.
Testes obrigatórios
A legislação que institui os genéricos no Brasil é considerada uma das mais modernas do mundo e combina o melhor da regulação sanitária adotada em mercados maduros ao redor do mundo.
O teste para garantir que um medicamento é um genérico seguro é o da bioequivalência, realizado em seres humanos. Este teste demonstra que o medicamento genérico e seu respectivo medicamento de referência (aquele para o qual foi efetuada pesquisa clínica para comprovar sua eficácia e segurança antes do registro) apresentam a mesma biodisponibilidade no organismo.
Além dos testes de bioequivalência, os fabricantes de genéricos são obrigados, por lei, a realizar testes de qualidade em todos os lotes antes de disponibilizá-los aos consumidores. Nesses testes são avaliados teor, dissolução, aspectos microbiológicos, desintegração e uniformidade de conteúdo.
Além dessas precauções, o complexo produtivo de genéricos também está submetido a rigorosas regras de controle, que incluem, entre outros requisitos, Certificações de Boas Práticas de Fabricação, auditorias e controles internos e programas sistemáticos de farmacovigilância.
Completam esse arcabouço regulatório, o Programa Nacional de Verificação da Qualidade dos Medicamentos – PROVEME, instituído pela ANVISA, além de outras ferramentas de controle de qualidade e segurança, como o Sistema de Informações de Acidentes de Consumo (SIAC), criado pelo Ministério da Justiça e pelo Ministério da Saúde.
Cenário atual
Vale lembrar que o cenário atual para essa classe de medicamentos é muito otimista, pois, a partir do fim da extensão de patentes, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em maio deste ano (2021), genéricos e similares ganharão terreno.
Em resumo, o STF derrubou uma norma que permite a prorrogação do prazo de patentes concedidas pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). Na prática, a decisão permite que 3.435 medicamentos, muitos deles de alto custo e que tinham se beneficiado por prorrogação acima do prazo, tenham a patente derrubada, permitindo a produção de genéricos.