O mercado global de nanotecnologia vem crescendo ano a ano. Segundo estimativas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o setor deve movimentar R$ 9 trilhões em 2018. A produção total anual de nanomateriais é estimada em cerca de 11 milhões de toneladas.
Porém, ainda há muito a crescer. No Brasil, entre 2012 e 2014, segundo a Pesquisa de Inovação do IBGE, publicada de três em três anos (última edição em 2014), das quase 118 mil indústrias de extração e transformação instaladas em território nacional, apenas 840 realizaram atividades inovadoras em nanotecnologia, um número ainda baixo.
As pesquisas em nanotecnologia começaram a ganhar força a partir de 2013, quando o Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI) lançou a Iniciativa Brasileira de Nanotecnologia (IBN). Segundo o MCTI, trata-se de um programa de política pública composto de várias ações estratégicas para que a nanotecnologia torne a indústria brasileira mais inovadora e, portanto, mais competitiva, o que, consequentemente, fortalece a economia nacional.
Desde de o início do fomento federal à nanotecnologia, o MCTIC, via administração central, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), já investiu mais de R$ 650 milhões de reais em projetos de apoio à pesquisa, subvenções a empresas inovadoras, formação de recursos humanos, serviços tecnológicos, redes de pesquisa e desenvolvimento e cooperação internacional. A maior parte dos investimentos, especialmente os realizados via FINEP e CNPq, foram decorrentes da articulação do MCTIC para inserção da temática de nanotecnologia em editais que beneficiaram também outras áreas.
O Sistema Nacional de Laboratórios em Nanotecnologia (SisNano), instituído no mesmo ano, faz parte da IBN e tem como seu principal articulador e gestor nacional a Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do MCTIC. Os laboratórios são divididos em duas categorias: oito Laboratórios Estratégicos e 18 Laboratórios Associados. Os Laboratórios Estratégicos devem disponibilizar, no mínimo, 50% do tempo dos seus equipamentos aos usuários externos, enquanto que os laboratórios Associados devem disponibilizar, no mínimo, 15% do tempo dos seus equipamentos aos usuários externos à instituição.
“Foram investidos cerca de R$ 88 milhões diretamente nos laboratórios que compõem a rede, sendo que cerca de R$ 21 milhões foram de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Entretanto, neste valor não estão incluídos outros investimentos realizados via edital, como, por exemplo, a Chamada Pública MCTIC/FINEP/FNDCT 02/2016, que apoiou laboratórios multiusuários, dente eles diversos laboratórios que integram o SisNANO”, informa o MCTIC.
Aplicações da nanotecnologia em saúde
Os benefícios da nanotecnologia para a saúde são muitos, mas vale destacar a segurança e a eficácia no tratamento com medicamentos, toxicidade reduzida e diagnósticos mais fáceis, rápidos e precisos.
Além disso, existe uma maior possibilidade de descoberta e cura de doenças que não podem ser tratadas com métodos da medicina tradicional. Em geral, os tratamentos com a nanociência são mais curtos do que aqueles feitos com abordagens clássicas, aumentando o conforto do paciente e garantindo resultados melhores em menos tempo.
Segundo a Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), nos últimos 30 anos, o conceito de nanotecnologia vem sendo modificado e aprimorado de acordo com os avanços da ciência. Mesmo na atualidade não há um conceito internacional consensual para o termo. O conceito de nanotecnologia mais difundido e compartilhado por diferentes organizações governamentais é: “a nanotecnologia é a compreensão e controle da matéria na escala nanométrica, em dimensões entre cerca de 1 e 100 nanometros (nm), onde fenômenos únicos permitem novas aplicações.”
De acordo com professor doutor Pierre Basmaji, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP), na área da saúde, as nanotecnologias têm como principal objetivo a construção de sistemas idênticos aos que são criados pela natureza. “Desse modo, os biomateriais poderão ser utilizados na conformação de vários componentes biomédicos, como vasos sanguíneos, pele e órgãos artificiais, curativos inteligentes, dispositivos para visão e audição e sistemas de distribuição de medicamentos que podem ser implantados sob a pele”, cita.
Pierre Basmaji é o pesquisador que desenvolveu, no Brasil, a Nanoskin®, um substituto da pele humana, tanto da derme quanto da epiderme, com cobertura permanente de vários tipos de feridas. É um tratamento inovador para feridas crônicas provocadas por pé diabético, úlceras por pressão, úlceras venosas, úlceras varicosas e queimaduras agudas.
“As nanopartículas também têm mostrado um grande potencial de alternativa para o diagnóstico e tratamento de doenças neurodegenerativas. Mas não é apenas no cérebro que as nanopartículas podem ser utilizadas para auxiliar no diagnóstico de doenças. A nanotecnologia tem o potencial de revolucionar a forma como são recolhidos os dados médicos de maneira geral. Médicos e cientistas são capazes de distribuir aparelhos de diagnóstico nanoestruturados por todo o corpo, a fim de detectar mudanças químicas no local, possibilitando o acompanhamento em tempo real do estado de saúde dos pacientes”, detalha Basmaji.
No diagnóstico do câncer, os médicos serão capazes de detectá-lo de forma precoce por meio de uso de nanopartículas magnéticas, combinadas a um sensor em miniatura de ressonância, aumentando a chance de sobrevivência do paciente.
Atualmente, as aplicações da nanotecnologia na área biológica se dão por diversas formas:
- Implantes, matrizes e outros materiais nanoestruturados na área de regeneração tecidual, como implantes de tecidos duros, como os substitutos ósseos e dentários;
- Implantes para tecidos moles, que são matrizes biomiméticas para expansão de células de tecido muscular, cardíaco, cartilaginoso, nervoso e cutâneo;
- Alteração da superfície de órteses e próteses com revestimento de material nanoestruturado para melhora da biocompatibilidade;
- Implantes inteligentes, como os extensores farmacológicos, com liberação controlada de fármacos, como antibióticos e imunomoduladores;
- Matrizes biomiméticas nanoestruturadas para fixação, proteção, expansão e diferenciação de células-tronco.
Há outros exemplos na área da saúde que merecem ser citados, entre eles, a produção de palmilhas para calçados contendo nanopartícula de prata que evitam a proliferação de fungos e bactérias que causam odor e, no segmento de cosméticos, o uso de nanotecnologia na fabricação de filtros solares, pigmentos de maquiagem e tratamento da pele e cabelos.
Em geral, os produtos que contêm nanotecnologia declarada em suas composições ou fórmulas são, em sua maioria, voltados à saúde e fitness. “Entre eles, destacam-se cosméticos, vestimentas, higiene pessoal, produtos esportivos, filtros solares e produtos para filtração”, diz o Relatório de Acompanhamento Setorial Nanotecnologia na Área da Saúde: Mercado, Segurança e Regulação, publicado, em 2013, pela ABDI.
Nanotecnologia em medicamentos
Em nível mundial, de 1963-66 a 2012 (todo o período disponível), a área farmacêutica depositou cerca de 12 mil patentes na base de dados Derwent Innovations Index (Thomson Reuters), a mais poderosa ferramenta de pesquisa de patentes no mundo. Em relação ao número cumulativo de patentes, verifica-se que quase a totalidade se situa na última década (2000-2012), com 10.519 documentos depositados para registro.
Uma busca nesse banco de dados considerando os cruzamentos “nano and health”, “nano and drug”, “nano and desease” ou “nano and medicine” demonstrou que, dos 25 primeiros no ranking dos titulares dos documentos depositados, seis são empresas e 14 são universidades ou institutos de pesquisa, dos quais cinco são americanos, sendo a Universidade da Califórnia a melhor posicionada, seguida do Massachusetts Institute of Technology. Esse dado mostra o forte envolvimento do setor acadêmico e a dependência da ciência para a produção de tecnologias inovadoras patenteáveis.
Em fármacos, a nanotecnologia tem permitido a redução de efeitos adversos com o desenvolvimento e a aplicação de nanopartículas poliméricas, nanopartículas inorgânicas, nanossuspensões, dendrímeros, lipossomos, nanoemulsões e nanotubos de carbono. Essas estruturas permitem uma liberação controlada de fármacos ou uma maior seletividade das moléculas alvo.
De acordo com Cleila Guimarães Pimenta Bosio, especialista da ABDI, são muitos os ganhos dos pacientes, pois a aplicação da nanotecnologia em medicamentos permite uma maior especificidade e/ou seletividade das interações fármaco-receptor. “Possibilita que os fármacos atuem diretamente no alvo molecular, diminuindo o surgimento dos efeitos adversos. Do ponto de vista da produção, pode agregar valor aos fármacos já conhecidos, mas que têm uso restrito por causa dos efeitos adversos ou pela baixa adesão dos pacientes ao tratamento. Portanto, a nanotecnologia renova o portfólio da indústria farmacêutica com medicamentos mais seguros, eficazes e com aplicações menos invasivas”, detalha a especialista da ABDI.
No campo das pesquisas, a principal doença alvo é o câncer. As nanopartículas mais estudadas são as de albumina, e o fármaco mais recorrente é o paclitaxel. Quase metade dos ensaios clínicos para o tratamento do câncer é destinada ao câncer de mama. Um dos nanomedicamentos aprovados pelo FDA, nos Estados Unidos, e em vários outros países, é o Abraxane® (Abraxis, CA), que é constituído de uma nanopartícula de albumina associada ao paclitaxel. Esse nanomedicamento é usado para tratamento de câncer de mama e veio para substituir o Cremophor EL (Basf, NJ), solvente clássico do paclitaxel. O Abraxane® suspensão estéril injetável evita reações de hipersensibilidade associadas ao Cremophor.
Segundo Cleila, a liberação do fármaco Abraxane® para a corrente sanguínea é sustentada com redução dos efeitos adversos associados ao Cremophor. “Entretanto, muitos deles relacionados ao paclitaxel livre ainda são sentidos após a administração intravenosa do Abraxane®, como queda de cabelo, dor muscular, fadiga, diminuição da contagem das células sanguíneas, diarreia e efeitos cardiovasculares, que devem ser acompanhados por exames periódicos”, pontua.
No mercado, há medicamentos contendo nanotecnologia para tratar câncer de mama e de ovário metastásico, infecções fúngicas, Sarcoma de Kaposi, desordens alimentares, leucemia, lipidemias, degeneração macular, obstrução coronariana, entre outros problemas, de acordo com o relatório da ABDI, que traz 19 exemplos de medicamentos disponíveis no mercado.
Ao contrário do que se pode pensar, esses tratamentos não são novos. A indústria farmacêutica entrou na área há muitos anos. No relatório da ABDI, constam medicamentos da década de 1900, como o Oncaspar, da fabricante Enzon, para leucemia, e o Ambisome, fabricado por Gilead e Fujisawa, para infecções fúngicas. O mais antigo, entretanto, data de 1989, que é o anestésico Diprivan, da Zeneca Pharma, atual AstraZeneca.
No mundo, os países que mais investem em nanotecnologia para fármacos são Estados Unidos, França, Reino Unido, Austrália, Alemanha e Brasil. A posição do Brasil em relação ao mercado mundial ainda é tímida. O número de patentes publicadas no exterior é muito maior, pois as grandes multinacionais dos setores farmacêutico e cosmético investem pesado em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos. Multinacionais como Pfizer, L’Oréal e Novartis lideram o ranking de publicações, seguidas por GSK, Fritz Hoffman-La Roche, Aventis Pharma, Genentech, entre outras.
Regulação e segurança
O Ministério de Desenvolvimento Industrial e Comércio Exterior (MDIC) promove o Fórum de Competitividade em Nanotecnologia desde novembro de 2009. Como resultado de vários encontros, o Grupo de Trabalho em Marco Regulatório produziu um relatório que discute definições e questionamentos relativos à nanotecnologia, sob a ótica brasileira.
Em termos de definições, após ampla discussão, o Grupo de Trabalho propôs a adoção da definição de nanotecnologia da ISO TC 229, assim como a definição de nanomaterial da ISO/TR 12885 – ambas normas internacionais.
Segundo Cleila, as normas aplicadas aos produtos com nanotecnologia são as mesmas dos demais produtos farmacêuticos. “Assim, como todos os outros medicamentos, aqueles que são produzidos pela rota nanotecnológica precisam demonstrar segurança, eficácia e qualidade para serem registrados. Os princípios são os mesmos, não há necessidade de novas normas”, completa.
Com outro ponto de vista, o professor Basmaji diz que, para evitar conflitos com as indústrias e fazer de conta que estão agindo, os governantes têm deixado que as empresas e instituições se autorregulem, já que uma regulamentação adequada poderia comprometer o ritmo das pesquisas e os investimentos.
“Apesar de os padrões para proteger a saúde humana e o ambiente estarem nas mesas de negociação, o enfoque principal dos governantes ainda é liberar o caminho para o nanocomércio. A indústria criou uma percepção junto aos governos de que está acontecendo uma corrida científica que ela não pode se permitir perder. Para elas, que obviamente defendem a autorregulamentação, é importante que as normas instituídas não atrapalhem seus negócios, e que os governos continuem assegurando firmemente o regime de propriedade intelectual por meio das patentes”, pondera.
De acordo com o pesquisador, as definições de padrões não envolvem só um trabalho técnico, mas também aspectos éticos, sociais, ambientais e de saúde. Uma frente de disputa é justamente definir o que é nanotecnologia. “Os padrões, que são acordos globais sobre definições, caracterizações, métodos de testes e de medição, níveis seguros de exposição etc., irão determinar a escala econômica dos nanoempreendimentos, o quanto os governos e as indústrias serão responsabilizados pelos efeitos negativos e o nível de riscos a que estarão expostos a população humana e o ambiente em geral”, expõe.
“Como não existe nenhuma regulamentação, não há qualquer exigência legal de rotular nanomateriais. Há uma atenção especial da indústria e das instituições em apresentar a nanotecnologia e os produtos nanotecnológicos como seguros, sem riscos. Praticamente só aparecem nos rótulos quando o propósito é fazer propaganda do produto”, acrescenta Basmaji.
Portanto, sem um marco regulatório específico, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) avalia caso a caso na hora de conceder o registro de nanomateriais ou produtos para consumo, como nanomedicamentos.
Riscos da nanotecnologia
Como tudo na vida, sempre há dois lados da mesma moeda. Cada vez mais surgem estudos sobre os riscos e os efeitos colaterais do uso de nanopartículas em tratamentos médicos e medicamentos. Um exemplo são os curativos para feridas à base de nanopartículas de prata.
A prata é conhecida como agente antibacteriano, antifúngico e antiviral, mas seu uso como biocida na forma de nanopartículas tem se mostrado perigoso para a saúde humana. O Acticoat® é um curativo que consiste numa malha de polietileno revestido com nanoprata (tamanho médio de 15 nm). Há um caso relatado de envenenamento de prata após o uso desse produto para o tratamento de queimaduras graves para as pernas. No sexto dia pós-lesão, o paciente desenvolveu uma coloração acinzentada na área tratada, queixou-se de estar cansado e não tinha apetite. No sétimo dia, os níveis de prata na urina e no sangue foram considerados acima dos normais.
“Apesar de curativos à base de nanoprata e suturas cirúrgicas terem recebido aprovação para a aplicação clínica, é importante fazer um bom controle de infeção da ferida e sua toxicidade cutânea, que é ainda um tema de preocupação. Mesmo que laboratórios e estudos clínicos confirmem a biocompatibilidade dérmica de curativos à base de nanoprata, vários outros pesquisadores demonstraram a citotoxicidade desses materiais”, alerta Pierre Basmaji.
O que vem depois da nanotecnologia
Nos centros de pesquisas, a nanotecnologia vem acompanhada de outras inovações tecnológicas, como inteligência artificial, robótica, internet das coisas, computação quântica, biotecnologia, impressão em 3D. É o que estão chamando de a Quarta Revolução Industrial.
Para se ter uma ideia, já é possível fabricar órgãos artificiais em impressão 3D. “O processo consiste na fabricação de um objeto por impressão, camada sobre camada, de um modelo ou desenho digital em 3D. É o oposto da fabricação subtrativa, isto é, as camadas são removidas de um bloco de material até que a forma desejada seja obtida. Por contraste, a impressão em 3D é aditiva, isto é, cria-se um objeto em três dimensões por meio de modelo digital”, explica Pierre Basmaji.
O fígado impresso em 3D, por exemplo, desempenha as mesmas funções do fígado humano, filtrando toxinas e drogas e mantendo nutrientes. “O desafio agora é conseguir integrar vasos sanguíneos usando a impressão em 3D, já que a causa da morte, após 40 dias, é justamente esta: a ausência do fluxo sanguíneo que mantém o fígado vivo e saudável”, observa o professor da USP.
Com tudo isso que se apresenta, só nos resta perguntar: existe algum limite para o avanço da ciência?