Durante muitos anos, foi comum a confusão entre os conceitos de Boas Práticas de Laboratório (BPLs) com os de Biossegurança. É importante que o profissional entenda que as BPLs contemplam um conceito ainda maior, que envolve, não somente a segurança, mas também a qualidade do produto oferecido e que passa por ali.
De acordo com a professora de Boas Práticas de Laboratório do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Patrícia de Castro Moreira Dias, é difícil apresentar apenas uma definição sobre as BPLs, uma vez que existem laboratórios com finalidades muito distintas. Mas de acordo com a Organization for Economic Co-operation and Development (OCDE), as Boas Práticas de Laboratório podem ser definidas como um sistema de qualidade relativo ao processo organizacional e às condições sob as quais os estudos não clínicos podem ser planejados, realizados, monitorados, registrados, arquivados e relatados. Entendem-se como estudos não clínicos aqueles que não são realizados em seres humanos, mas que se referem à saúde e ao meio ambiente.
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os princípios das BPLs são aplicáveis em estudos que dizem respeito ao uso seguro de produtos relacionados à saúde humana, vegetal, animal e ao meio ambiente.
Vantagens X Dificuldades nas Boas Práticas de Laboratório
Vantagens |
Dificuldades |
Maior qualidade dos dados |
Custo adicional |
Aceitação mundial dos dados |
Perigo de formalismo e burocratização |
Maior organização e rapidez |
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Aperfeiçoamento de procedimentos |
Objetivos das BPLs
O objetivo principal das Boas Práticas de Laboratório é garantir a execução das análises com qualidade, confiabilidade e segurança, em produtos sujeitos à Vigilância Sanitária.
“Nos dias de hoje, a confiabilidade nos resultados obtidos torna-se o diferenciador entre a amplitude do mercado de laboratórios existentes. Para a garantia de resultados confiáveis, a busca por melhoria contínua, baseada em conceitos éticos e morais, é fundamental”, diz a professora. Para tanto, o conceito de compliance insere-se nesse meio como parâmetro diferenciador na busca por resultados seguros e confiáveis, mantendo-se os preceitos éticos e morais, e alinhados às legislações vigentes desse segmento.
De acordo com a RDC nº 11, de 16 de fevereiro de 2012, que dispõe sobre o funcionamento de laboratórios analíticos que realizam análises em produtos sujeitos à vigilância sanitária, as principais exigências das BPLs são:
1. Instalações - As instalações do laboratório devem ser localizadas, projetadas, construídas, adaptadas e mantidas de forma que sejam adequadas às atividades executadas, à proteção da saúde humana, animal e do meio ambiente, garantindo:
- separação efetiva entre áreas nas quais existam atividades incompatíveis;
- controle de acesso às áreas restritas;
- identificação das áreas de acordo com a sua função;
- fornecimento adequado de água, energia elétrica, suprimentos e condições adequadas de iluminação, temperatura, umidade, ventilação para a realização de suas atividades;
- fluxo adequado de pessoas, materiais, equipamentos, animais de experimentação e amostras;
- descarte, descontaminação e lavagem de material adequados; e
- condições para realização de limpeza e, quando pertinente, desinfecção das áreas.
Patrícia destaca que os vestiários, lavatórios, sanitários e áreas de convivência devem ser separados das áreas onde se realizam as análises. As instalações devem ser mantidas em bom estado de organização, conservação, higiene e limpeza. O laboratório deve assegurar que as operações de manutenção e reparo não representem risco à qualidade das análises.
2. Procedimentos - O laboratório deve utilizar procedimentos apropriados de amostragem, manuseio, transporte, armazenamento, preparação e descarte de amostras, assim como de análise, tratamento dos dados e emissão de resultados em todas as análises.
O método analítico empregado deve satisfazer, pelo menos, um dos seguintes critérios, conforme regulamentação específica:
I - métodos prescritos ou validados conforme regulamento técnico oficial;
II - métodos descritos em compêndios oficiais;
III - métodos descritos em compêndios de aceitação nacional ou internacional;
IV - métodos validados por estudos colaborativos; e
V - métodos desenvolvidos ou modificados pelo próprio laboratório.
“Os métodos provenientes de regulamentos técnicos oficiais, compêndios e os métodos validados por estudos colaborativos devem ser verificados nas condições do laboratório. Já os métodos desenvolvidos ou modificados pelo próprio laboratório devem ser validados para demonstrar a adequação ao seu propósito”, fala a professora.
Alterações em métodos de ensaio devem ser documentadas, tecnicamente justificadas, validadas e autorizadas por pessoal designado.
3 . Fornecedores - O laboratório deve qualificar, por meio de avaliações periódicas, os fornecedores de equipamentos, materiais, reagentes, insumos, suprimentos e serviços que afetem a qualidade das análises.
4. Pessoal - Todas as atividades do laboratório, gerenciais e técnicas, devem ser executadas por pessoal com qualificação compatível com a função desempenhada.
Devem ser mantidos os registros das qualificações e das autorizações do pessoal para exercer as diferentes atividades.
“O laboratório deve estabelecer programa de treinamento adequado às suas atividades, atuais e previstas. Além disso, se o laboratório utilizar pessoal em treinamento, este deve estar sob supervisão comprovada”, destaca Patrícia.
O laboratório deve manter uma lista atualizada de reconhecimento de assinaturas e rubricas de todo pessoal relacionado com a análise.
Oportunidade de crescimento profissional
O conhecimento em Boas Práticas de Laboratório para o profissional tecnicista é fundamental no exercício das atividades práticas do dia a dia nos laboratórios analíticos. A partir das BPLs desenvolve-se todo um conceito sobre qualidade e é por meio disso que o analista de laboratório pode almejar um crescimento profissional em sua área de atuação. “As BPLs são o primeiro passo para um conhecimento pleno dentro de um Programa de Qualidade Total”, afirma Patrícia.
As BPLs favorecem a inovação. Atualmente, os ambientes na indústria farmacêutica encontram-se cada vez mais competitivos. A implantação, por parte do profissional, de práticas inovadoras - seja em treinamento de pessoal, no relacionamento com os clientes, nas tecnologias de gestão de qualidade - serve como alternativa para atender a esse mercado tão competitivo, e principalmente superá-lo. Com isso, é possível garantir, por meio da inovação, a confiança e a segurança nos resultados esperados.
Utilização de padrões
“São muitas as aplicações dos conceitos de BPLs. Um exemplo que eu gosto de citar, no que diz respeito aos laboratórios de controle de qualidade de fármacos e medicamentos na indústria farmacêutica, é o controle e a utilização de padrões primários, que hoje em dia estão mais bem definidos como padrões de referência ou ainda como substância química de referência (SQR)”, destaca a professora.
Segundo a RDC nº 17, de 16 de abril de 2010, tratam-se de padrão de referência exemplares de fármacos, impurezas, produtos de degradação, reagentes, dentre outros, altamente caracterizados e da mais elevada pureza, cujo valor é aceito sem referência a outros padrões. A partir do padrão de referência é preparado o padrão secundário, que se torna o padrão efetivamente utilizado na rotina laboratorial.
Essa substância é, portanto, a mais importante dentro de um laboratório de controle de qualidade, uma vez que é a partir dela que se estabelecem todas as análises quantitativas do fármaco. Seu preço faz jus ao seu grau de importância, e seu controle e utilização de uso são o princípio fundamental dentro das BPLs. Seus resultados dependem diretamente dessa substância.
Procedimentos Operacionais Padrão
O principal documento para a aplicação das BPLs não se trata de um protocolo específico, mas dos Procedimentos Operacionais Padrão (POPs).
O POP é um documento que expressa o planejamento do trabalho com vistas a padronizar e minimizar a ocorrência de desvios na execução das atividades e, assim, garantir aos usuários serviços ou produtos livres de variáveis indesejáveis, independentemente de quem as realize.
Um procedimento operacional padrão tem como meta garantir que a qualidade dos resultados seja a mesma em todas as etapas do processo em qualquer momento.
“Temos como exemplo de um POP, os procedimentos de higienização das mãos, antes da entrada em uma área restrita, ou os procedimentos de operação de um equipamento de cromatografia líquida”, lembra a especialista.
Patrícia lembra que, em um primeiro momento, as Boas Práticas de Laboratório podem parecer um conceito antigo e já bastante debatido. Mas quando se observa de perto a rotina de um laboratório analítico, entende-se que é fundamental um domínio sobre esse conceito básico. “Costumo comparar as BPLs com a ciência básica de um laboratório, que precisa estar completamente dominada pelo profissional para que, a partir desses conhecimentos, possa se desenvolver com confiança, segurança e qualidade a ciência aplicada ou os conhecimentos aplicados nas suas áreas específicas”, finaliza ela.