Paradas não programadas do sistema HVAC na indústria farmacêutica

As causas, os controles e as ações relacionadas às paradas não programadas do sistema de HVAC devem ser avaliadas com muito cuidado, pois abrem espaço para diversas situações críticas na produção. O desligamento não programado do sistema de HVAC em áreas farmacêuticas classificadas representa grandes riscos para os processos, produtos e, dependendo do caso, operadores e meio ambiente. A parada imprevista pode levar à perda dos parâmetros estabelecidos do condicionamento do ar interno, como temperatura, umidade, volume de fluxo de ar, pressões diferenciais e a própria classificação da área.

Entre as causas do desligamento inesperado do sistema de HVAC estão queda de energia, falta de controle adequado, falhas de operação e quebra de componentes. “É algo extremamente crítico perder as condições especificadas para a produção. Além do descarte dos produtos que estavam em linha e ficaram expostos, da necessidade de se refazer a esterilização de frascos que não foram envasados, da perda do tempo em que os operadores ficam sem atuar, há todo o trabalho de retomada, desde a necessidade de preparação de um novo setup das máquinas, passando pela assepsia da área, chegando às análises que confirmem que a área voltou à sua condição original, sem contar, claro, com a abertura de desvio e o respectivo tratamento”, lista Zíbia Souza, Analista de Operações Técnicas Pharma América da MSD.

Ela comenta que, diante do desligamento do sistema de HVAC, existem procedimentos definidos que variam de acordo com a criticidade da área e com o período total de parada, todos relacionados com os esforços necessários para que os parâmetros voltem ao demandado para a área. “O sistema supervisório permite identificar como o ambiente se comportou durante o período de parada e estes dados são analisados para avaliar o ocorrido e, assim, identificar as ações a serem tomadas. Lembrando que é preciso pensar na área produtiva como um todo, tendo atenção aos possíveis impactos em outros equipamentos e nos ambientes no entorno, não apenas na sala mais crítica”, alerta Almerinda Wanderley, diretora-especialista da empresa Improve Assessoria e Consultoria Farmacêutica.

Pode acontecer de, no momento da parada, haver utensílios sendo preparados para entrada em área, matérias-primas sendo pesadas, frascos sendo higienizados. “Não se pode perder de vista que várias coisas acontecem ao mesmo tempo e tudo tem de ser corretamente avaliado”, orienta. Um dos principais pontos a serem observados é com relação se houve inversão do diferencial de pressão entre todos ambientes. “Um engano comum é preocupar-se apenas em observar se ocorreu inversão entre a área mais crítica e a adjacente, quando o correto é refazer a rota inteira da cascata de pressão, avaliando se houve inversão no diferencial desde o ambiente ISO Classe 8 até o ISO Classe 5”, afirma, reforçando a necessidade da avalição específica das ações a serem tomadas diante de cada ocorrência registrada.

A inversão da cascata de pressão entre áreas pode levar à contaminação cruzada de produtos, risco de contaminação do operador ou o escape de vírus (no caso de áreas de biocontenção – e nasce daí a obrigatoriedade de sistemas redundantes nestes casos) para o meio ambiente. Um equipamento impactado diretamente com o desligamento do sistema de HVAC é o túnel de despirogenização. Apesar de ser dotado de ar limpo autônomo e, geralmente, contar com nobreak, como ele funciona mantendo diferencial de pressão com a sala limpa, esta condição é perdida diante da parada do sistema de condicionamento do ar, o que pode fazer com que o equipamento não consiga atingir a temperatura de processo, demandando uma verificação de como a temperatura se comportou durante a parada, mantendo-se ou não homogênea ao longo do túnel.

Este exemplo mostra a relevância da visão ampla defendida por Almerinda, ou seja, uma observação completa, atenta às especificidades de cada ambiente e englobando todos os itens com potencial de sofrer impacto de acordo com o funcionamento do HVAC. Há, claro, retomadas muito rápidas, que não justificam qualquer tipo de ação. Para ajudar nesta análise, o ideal é contar com sistemas de alarmes gradual, de acordo com a criticidade da ocorrência.

Já aquelas de alguma complexidade demandam a abertura de relatórios de desvios para servir de documentação junto aos órgãos fiscalizadores sobre o ocorrido e as ações tomadas para não comprometer a qualidade do produto enviado ao mercado. Mais do que isso, no entanto, o desligamento não programado deve ser alvo de uma profunda investigação de suas causas. “As consequências de uma parada inesperada são graves, por isso é preciso tomar todos os cuidados para que isso não ocorra novamente”, sentencia Zíbia, da MSD.

Soluções para redução de danos

Algumas soluções podem ser adotadas para tentar reduzir os danos. Uma delas, por exemplo, quando o problema é originado por falta de energia elétrica, é dotar de nobreaks equipamentos críticos com consumo energético relativamente baixo, como é o caso de uma cabine de segurança biológica ou um fluxo unidirecional sob o qual acontece o envase, por exemplo. “A ideia é proteger o núcleo do processo para dar tempo de finalizar aquilo que estava sendo manipulado no momento em que o fornecimento de energia foi interrompido e, assim, diminuir perdas de produto”, explica Willian Ito, sócio diretor da LWN Engenharia e Consultoria.

Outra saída é validar o tempo máximo sem operação do HVAC em que seja possível retornar o ambiente à classificação apenas com a realização de uma limpeza simples. “Isso é possível em uma área bem isolada, onde não haja problema de inversão de cascata de pressão. Diante da parada do sistema de HVAC, o operador sai do ambiente fazendo o menor movimento possível, para não levantar mais partículas, e aguarda a resolução da causa do desligamento. Caso isso ocorra dentro do tempo validado, duas horas, por exemplo, assume-se que o único impacto foram as partículas em suspensão que se depositaram; realiza-se uma limpeza simples e pode-se retomar a produção sem precisar requalificar a área”, descreve o Engenheiro Mecânico e PMP (Project Management Professional) Sidnei Conradt, Consultor da Masstin na área de medicamentos estéreis.

Nem sempre, no entanto, isso resolve a questão. “Em uma empresa que trabalhei, conseguimos validar que o aumento de temperatura que ocorria na sala em um período de duas horas não comprometia a produção, mas que, a partir daí ocorria uma condensação que não era positiva para o processo. Isso fazia com que períodos de parada superiores a duas horas significassem a necessidade de uma limpeza de três dias de duração para retomada da classificação. Ou seja, algo não tão impactante no começo, quando a produção era pequena, tornou-se altamente custoso quando a empresa ganhou escala”, lembra.

Vivenciando interrupções de mais de duas horas no fornecimento de energia elétrica com certa recorrência, a empresa decidiu enfrentar uma obra complexa e comprar um novo gerador, apesar de caro e de tamanho expressivo.

Importância das manutenções preventiva e preditiva

Como mencionado anteriormente, a falta de energia elétrica não é a única causa de desligamentos não programados de sistemas de HVAC. Falhas de operação e quebra de componentes também figuram como origens deste problema, surgindo daí a importância de se investir fortemente na manutenção preventiva e preditiva de todo o sistema. “Por meio da manutenção preventiva pode-se identificar e solucionar desde problemas simples como necessidade de troca de uma correia, substituição de filtros, drenos entupidos, até problemas mais complexos como aquecimento de componentes elétricos ou atuadores de válvulas com operação inadequada”, diz Gerson Catapano, diretor de Engenharia da Masstin.

Segundo Catapano, quando não adequadamente conduzidos, a tendência destes problemas encontrados em uma manutenção preventiva é se agravarem ao longo do tempo, podendo provocar a total parada do sistema. Já a manutenção preditiva acontece com o controle contínuo da instalação, oferecendo pistas para uma investigação mais detalhada. Analisando parâmetros, pode-se realizar diagnósticos de tendências, verificar o que está ocorrendo com o sistema e fazer uma detecção antecipada de problemas.

“Para exemplificar, uma elevação gradual da umidade de uma determinada área ao longo do tempo pode indicar a necessidade de limpeza de uma serpentina de resfriamento que está perdendo sua capacidade de troca térmica. Ocorre que, muitas vezes, estas questões não são consideradas e acompanhadas com a devida atenção, fazendo com que paradas do sistema sejam uma surpresa ruim e se tornem emergências”, afirma.

No quesito manutenção, os sensores demandam natural atenção pelo efeito que medições incorretas podem causar ao gerenciamento de toda a produção. Afinal, um sensor de temperatura mal calibrado pode indicar um problema inexistente, levando a tentativas de correção que não darão resultado e, ainda, gerando curvas de tendências não realistas nos relatórios de acompanhamento dos parâmetros do ambiente. No entanto, em um caso extremo, a falha de operação de um sensor de vazão vai mais além e pode levar ao temido desligamento inesperado do sistema de HVAC.

“Descalibrado, um sensor de vazão em um duto de ar condicionado pode passar uma informação incorreta ao sistema e começar a forçar a aceleração para compensar a pretensa perda de vazão identificada, gerando um superaquecimento do motor e, com isso, ocorre o desligamento por segurança. É raro, mas pode ocorrer”, complementa Ito. Catapano lembra que a manutenção preventiva necessita, além de ter seus procedimentos claros, definidos e escritos, ser realizada por pessoal com treinamento nessas operações e com qualificação para execução da atividade, bem como entendimento do sistema para realizar um correto diagnóstico de potenciais problemas e riscos.

Cuidados extras na retomada

Os cuidados não são finalizados uma vez resolvida a causa-raiz que levou ao desligamento imprevisto do sistema de HVAC. É preciso total controle sobre como o religamento irá ocorrer para não causar novos problemas ou até mesmo, provocar novas paradas. Lembrando que, algumas vezes, como no caso de retornos rápidos do fornecimento de energia elétrica, os impactos do desligamento são mínimos, não promovendo um estado de pleno alerta nas equipes. A primeira preocupação está com a correta formação das cascatas de pressão. “Importantíssimo saber e determinar quem deve entrar em operação primeiro, se o exaustor ou se a insuflação”, destaca Ito.

Por exemplo, se o exaustor começar a funcionar antes dos ventiladores de insuflação, a sala ficará com pressão bem negativa, puxando para dentro dela o ar e, por consequência a sujeira dos ambientes adjacentes, o que é indesejável para uma sala limpa comum, porém o que se deseja em uma sala de biocontenção, na qual o mais importante não é tanto a entrada de contaminantes, mas, sim, impedir a saída daquilo que se quer conter. “Tratam-se de definições feitas, idealmente, bem anteriormente à operação plena dos ambientes, lá na etapa de comissionamento”, complementa.

Outro problema que o comissionamento dos ambientes pode ajudar a evitar a acontecer é o não religamento de um dos vários equipamentos que geralmente formam o todo do sistema de HVAC. “O comissionamento analisa se tudo está religando como deveria e na ordem certa”, diz Ito. Ele conta o caso de uma empresa que incluiu, muito posteriormente ao início de produção, um sistema de exaustão no banheiro/vestiário, por perceber a necessidade de incluir esse ambiente na cascata de pressão. “Esqueceram, no entanto, de adicioná-lo no supervisório; quando a energia era restaurada depois de uma interrupção de fornecimento, todos os equipamentos voltavam a funcionar, menos este exaustor, o que prejudicava a cascata desenhada”, relata.

Segundo Ito, o comissionamento deve ir além da simples verificação se o equipamento está operando ou não, promovendo um desafio da instalação, avaliando a sequência de partida e apontando soluções que garantam que a lógica será seguida e respeitada independentemente da situação – se uma parada programada ou inesperada. Tudo para garantir a segurança dos processos, reduzir riscos de perdas e contribuir para a qualidade do medicamento produzido.

Norma para manutenção: uma necessidade

Apesar da Lei Federal 13.589, sancionada em 4 de janeiro deste ano ter tornada obrigatória a execução de um Plano de Manutenção, Operação e Controle (PMOC) em sistemas de ar-condicionado instalados em edificações de uso público e coletivo, especialistas do segmento de áreas limpas e ambientes controlados defendem que o mercado teria ainda muito a ganhar com o estabelecimento de normas que indicassem os padrões mínimos a serem seguidos no momento de se elaborar o PMOC para os respectivos sistemas de HVAC classificados ou controlados.

Hoje, o tema não é diretamente tratado nem em uma norma ISO nem por uma NBR, o que gera diferenças na forma como o mercado enxerga a questão e como se dá a prática. “No Brasil, temos dois cenários: empresas que seguem à risca as recomendações do que há de mais avançado em termos de manutenção e aquelas que não dão tanta importância. Esta última realidade é bem presente no caso de medicamentos sólidos, por exemplo, onde o risco e o custo de produção são menores e, por consequência, menores os prejuízos visíveis em caso de um problema causado por falta de manutenção. Se houvesse uma norma, seria mais fácil argumentar os porquês de se adotar uma forma padronizada”, diz Willian Ito, sócio diretor da LWN Engenharia e Consultoria.

Para Gerson Catapano, diretor de Engenharia da Masstin, a padronização da manutenção traria benefícios para o mercado. “Acredito em ganhos com a eficiência energética dos sistemas, algo que vai se perdendo com a deteriorização dos componentes”, comenta.

Além disso, Catapano também enxerga melhor resultado em produtividade e redução de custos de produção com a adoção de uma manutenção adequada. “Não experimentar paradas imprevistas do sistema de HVAC e demais equipamentos é algo amplamente favorável à produtividade; já os custos envolvidos em uma quebra podem ser muito altos quando se soma, ao conserto em si, o valor do lote perdido, das horas dos operadores não trabalhadas, dos processos de sanitização não programados etc.”, destaca.

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