Os desafios da Anvisa frente aos medicamentos biológicos e biossimilares

No último dia 22 de fevereiro, o jornal Folha de S.Paulo promoveu o Fórum sobre Medicamentos Biológicos e Biossimilares, no Museu da Imagem e do Som, na capital paulista. O debate sobre a regulamentação desses medicamentos avançou. Os principais temas debatidos foram os problemas da substituição automática de fármacos biológicos pelos biossimilares correspondentes, a farmacovigilância e também a regulação de como levar esses medicamentos para toda a população.

Nos últimos 30 anos, os medicamentos biológicos passaram a revolucionar o tratamento de doenças como câncer, diabetes, Alzheimer, artrite reumatoide e esclerose múltipla. São produtos inovadores, diferentes dos convencionais vendidos nas farmácias. Enquanto os medicamentos sintéticos são produzidos por meio da manipulação química de substâncias em laboratório – que dão origem aos conhecidos comprimidos, gotas e xaropes –, os biológicos são produzidos a partir de células vivas e são mais aplicados na forma injetável.

Ao contrário do genérico, porém, o biossimilar não é idêntico ao fármaco de referência, devido à complexidade e à variabilidade biológica e ao fato de o processo de fabricação do biofármaco diferir dependendo do fabricante. O princípio ativo, no entanto, é o mesmo entre ambos.

Como o princípio ativo já foi testado no desenvolvimento do fármaco de referência, a efetividade e a segurança dos biossimilares estariam supostamente asseguradas. Alguns estudiosos, porém, não estão convencidos de que os testes realizados, que buscam assegurar a proximidade entre os medicamentos originais e suas cópias, são suficientes para mostrar que os biossimilares trazem os mesmos benefícios dos fármacos biológicos.

“Já avançamos nessa discussão”, ressaltou o presidente da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), Antônio Brito. “O questionamento é outro. Com o reconhecimento do medicamento biológico e biossimilar correspondente que também passou por regulação, um pode ser trocado pelo outro? A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) decidiu que nenhuma relação é sempre intercambiável ou proibida de ser intercambiável. O médico é quem vai definir as circunstâncias em benefício do paciente e caberá aos farmacêuticos estar atentos para acompanhar o desempenho dessa intercambialidade no organismo dos pacientes por meio das reações informadas.”

Segundo Britto, o problema é que, no SUS, o governo acaba priorizando medicamentos mais baratos e pode fazer simplificações perigosas, causando riscos aos pacientes ao igualar biossimilares, que teriam preços mais baixos, aos fármacos de referência. Ele também defendeu uma maior conscientização por parte dos órgãos competentes, participação dos médicos na tomada de decisões e caberá aos farmacêuticos acompanhar o tratamento.   

“Os governos vivem na instabilidade, convidados à ideia de que o barato, ainda que não adequado, é melhor do que nada. Mas os medicamentos biológicos colocam uma dificuldade nessa equação”, segundo Britto.

Para o diretor de acesso ao mercado e relações governamentais da Roche, Eduardo Calderari, os biossimilares devem ajudar a dar suporte ao sistema de saúde brasileiro, mas não substituirão os biofármacos. Ele também colocou em dúvida o preço mais barato para o biossimilares no país, citando os altos custos de desenvolvimento dos novos medicamentos e a alta carga tributária cobrada pelo governo brasileiro. “Temos produtos biológicos no Brasil com preços abaixo de biossimilares na Europa. Tenho dificuldade em assegurar que vai haver uma redução ainda maior”, pontuou.

Calderari lembra também que a disseminação dos biossimilares não deverá garantir o acesso a toda a população. Ele diz que, para isso, é necessário lançar fármacos com benefícios claros, aliados a projetos de expansão do acesso que considerem a realidade das diferentes regiões do Brasil.

Conscientização

Sílvia Storpirtis, professora associada da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, defendeu iniciativas educativas por parte do governo para informar profissionais da saúde a respeito dos novos fármacos que estão chegando ao mercado.

Ele destacou a farmacovigilância como a principal maneira de acompanhar os resultados da inserção dos biossimilares.

Storpirtis diz que é importante instruir e motivar os profissionais da saúde a gerar dados clínicos confiáveis e que as negociações entre governo e indústria sempre levem em conta estudos efetivos. “Por meio de parâmetros bem estabelecidos, com medicamentos utilizados por pacientes, é preciso avaliar se a tecnologia está cumprindo seu papel e entregando o prometido no momento da incorporação ao mercado”, disse.

Posicionamento da Anvisa

Já o gerente geral de medicamentos e produtos biológicos da Avisa, Varley Dias Sousa, afirmou que a farmacovigilância ainda é pouco desenvolvida no Brasil em comparação com outros países. Segundo ele, a agência hoje está reduzindo prazos para a aprovação de novos medicamentos e precisa aumentar o rigor na avaliação de biossimilares que estiveram disponíveis para a população: “Hoje temos sete biossimilares registrados e 14 ainda em avaliação. Esperamos que todos os processos sejam avaliados nos próximos dois ou três meses. Em breve, os medicamentos estarão triplicados em termos numéricos e de volume no mercado”.

A Anvisa, no entanto, não inclui no campo regulatório a questão da intercambialidade entre biológicos e biossimilares. Sousa diz que é necessário que pacientes e médicos tomem parte ativa no processo, avaliando as resoluções da agência e levando em conta as particulares de cada doença. Ele também lembrou que em muitos países estão ocorrendo consultas públicas sobre a aprovação de produtos biológicos novos. A agência reguladora norte-americana (FDA), por exemplo, não tem nenhum medicamento intercambiável, informou.

Como são poucos os produtos biossimilares registrados, além de ainda restritos e caros, a Anvisa recomenda que, além das provas realizadas em laboratório, haja acompanhamento do paciente após a troca ou substituição, para verificar se há falha no tratamento ou inconformidade. “Hoje nós não temos esses dados. Então, o processo se dá de forma lenta. É importante que haja um sistema de farmacovigilância que envolva médicos, pacientes, agência e as próprias empresas para notificação e identificação do perfil farmacológico e farmacocinético desses produtos, quanto eles são similares”, disse Varley.

Regulamentação e intercambialidade

O representante da AMB (Associação Médica Brasileira), Valdair Ferreira Pinto, discorda do posicionamento da Anvisa. Ele argumentou que, em princípio, os biossimilares não são intercambiáveis e exigem provas clínicas adicionais para ser usados sem prejuízo do tratamento dos pacientes. Por isso, enfatizou a necessidade de regulamentação.

“Nós, médicos, não estamos confortáveis com essa situação. O médico tem poder, autoridade e responsabilidade para trocar a medicação de qualquer paciente, mas ele não tem poder nem autoridade para decidir que produto farmacêutico vai constar nas listas das instituições de saúde. Deixar por conta do Ministério da Saúde também não, por que ele está muito orientado para a questão econômica. A gente quer a regulamentação da intercambialidade”, defendeu.

A troca automática de um medicamento biológico por um biossimilar ao longo de tratamentos de doenças no SUS foi criticada por médicos e pacientes. Eles defenderam uma regulamentação da Anvisa que impeça a intercambialidade. “Estamos num limbo regulatório e, por isso, muitas vezes a troca é feita por aspectos financeiros, não técnicos”, informou o médico Valdair Pinto, consultor em medicina farmacêutica e pesquisa clínica.

Valdair deixou claro que a classe médica não é contra o uso de biossimilares, principalmente em novos pacientes, mas “o apoio não é irrestrito.” “A aprovação regulatória precisa ser feita com bases científicas sólidas e transparentes”, argumenta.

A coordenadora da associação de pacientes Biored Brasil, Priscila Torres, também cobrou clareza do poder público quanto à substituição dos medicamentos. Além de ser contra a intercambialidade, para a organização é preciso esclarecer que a nomenclatura do biossimilar é diferente da do biológico. “Atualmente, o que há na caixa é o nome da molécula, do princípio ativo, que é igual em ambos. Mas é preciso ficar claro para o paciente que os medicamentos não são idênticos”, declara Priscila, que é autora do blog Artrite Reumatoide, doença que a acomete. “Nós e os médicos estamos de mãos atadas sob o poder do gestor público.”

A Anvisa é responsável por certificar os novos remédios biossimilares no país, mas, quanto à regulamentação da intercambialidade, a agência informou ser competência do Ministério da Saúde.

Para Morton Scheinberg, reumatologista do Hospital Israelita Albert Einstein e livre-docente pela USP, a troca nem sempre apresenta resultados satisfatórios. “Os biossimilares são altamente eficazes, mas não totalmente”, disse. “A maioria dos pacientes manteve controle da enfermidade, mas em alguns houve perda da eficácia e perda da resposta.”

Ele aponta que outro fator preponderante é que a substituição seja feita em comum acordo entre o médico e o paciente, não pelo distribuidor da medicação. ”Caso contrário, vira uma promiscuidade terapêutica.”

Para a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) é necessário ter “contínua base de informação para a população sobre as diferenças dos medicamentos e o Congresso fazer uma lei lógica e minimamente aplicável para que a população se beneficie dela. A parlamentar solicitou uma audiência pública sobre a intercambialidade na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, que foi realizada em agosto de 2017.

No caso dos medicamentos genéricos – idênticos aos de referência –, diferentemente do que acontece atualmente com os biológicos, há regulação que estabelece que um pode ser substituído automaticamente pelo outro, inclusive pelo próprio paciente.

“O genérico, você pode ir à farmácia e conversando com o farmacêutico pode optar por ele, mas no caso de remédios caros, como os biológicos, os pacientes dependem do SUS, dos planos de saúde”, afirma a representante dos pacientes.

Mercado

Valderílio Feijó Azevedo, conselheiro científico da Biored Brasil, entende que, sem a geração de dados robustos sobre os produtos biológicos no mercado brasileiro, os médicos precisam ser esclarecidos. “Todas as entidades, como a Sociedade de Reumatologia, apoiam fortemente a introdução de biossimilares no mercado, ninguém é contra, desde que haja regras muito claras e, para haver substituição automática, que essas cópias sejam no mínimo intercambiáveis. Uma das sugestões é que haja um programa de educação continuada para os profissionais que atendem a rede pública e que isso seja proporcionado pelo Ministério da Saúde”, disse.

Oportunidade

A fabricação de medicamentos biológicos e biossimilares é vista como mais uma grande oportunidade de expansão para indústria nacional. A produção de medicamentos biológicos – como a insulina, obtida em células de organismos vivos – e de seus biossimilares, cópias com efeitos semelhantes, é vislumbrada por especialistas como uma oportunidade para a indústria farmacêutica no Brasil. Mas, para viabilizar essa produção e para que ela se torne sustentável para enfrentar os grandes concorrentes estrangeiros, o governo e a classe empresarial devem se fortalecer e viabilizar políticas perenes, que superem as mudanças trazidas por eleições, amparem o processo de transferência de tecnologia e tragam segurança a investidores.

Essas foram as primeiras conclusões dos participantes que deram início ao debate no Fórum Medicamentos Biológicos e Biossimilares. “Devemos ter políticas de Estado direcionadas à expansão e à regulamentação do setor, como a Coreia do Sul já fez e está obtendo êxito”, afirmou Reginaldo Arcuri, presidente do grupo FarmaBrasil. De acordo com ele, o Brasil pode se tornar um player importante na produção de medicamentos. “Porém, o país necessita de qualificação para não ser engolido pelos estrangeiros.”

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