As 11 ferramentas de garantia da qualidade na indústria farmacêutica

A partir da década de 1950, com o advento da moderna administração, surgiram métodos que visavam sistematizar os processos de produção de forma a assegurar a qualidade dos produtos, sistemas e processos. “Com a evolução dos conceitos e técnicas de gestão da qualidade, passando dos moldes de inspeção de produto, dos controles estatísticos de processos e da qualidade, gestão integrada e, finalmente, da excelência da gestão, novas metodologias foram sendo incorporadas como instrumentos de melhoria e mensuração que permitem objetivamente analisar e aperfeiçoar os processos”, destaca Sara Prado, consultora especialista em Gestão Integrada da Qualidade com as Boas Práticas de Fabricação e professora da ICTQ.

Nascem dessa nova abordagem as ferramentas de garantia da qualidade, instrumentos que visam auxiliar nas decisões organizacionais. São utilizadas para definir, avaliar e propor soluções de problemas que interferem no desempenho dos processos produtivos. “Basicamente, as ferramentas da qualidade possuem finalidade investigativa, de planejamento, análise de riscos, controle e classificação”, revela Leonardo Doro, professor do ICTQ e da escola de Gestão e Negócios da UnP. Elas contribuem na identificação de falhas que venham a ocorrer em determinado processo produtivo, de modo que haja uma ação preventiva para um possível desvio. “As ferramentas da qualidade devem contribuir para análises apropriadas, proporcionando condições para a resolução efetiva dos desvios e não-conformidades”, acrescenta Sara Prado.

Ao longo dos anos, diversas ferramentas da qualidade foram desenvolvidas e aplicadas em sistemas de gestão da qualidade em empresas de todo o mundo. Sete delas se consolidaram e são consideradas básicas e amplamente utilizadas: Diagrama de Pareto, Diagrama de Causa e Efeito (Espinha de Peixe ou Diagrama de Ishikawa), Histograma, Folhas de Verificação, Gráficos de Dispersão, Cartas de Controle e Fluxograma. A essas sete ferramentas clássicas se somam outras quatro, muito utilizadas atualmente, inclusive na indústria farmacêutica: PDCA, FMEA, 6 Sigma e 5W2H.

11 Ferramentas da qualidade

  1. Diagrama de Pareto: gráfico de barra que ordena as ocorrências dos problemas de maior para os de menor frequência. Permite uma fácil visualização e identificação das falhas mais importantes, que resultam em perdas, determinando as prioridades a serem resolvidas, privilegiando soluções para os erros mais urgentes. Essa ferramenta pode ser útil para determinar e tratar não conformidades no processo produtivo, identificar pontos a serem aprimorados e as prioridades a serem estabelecidas. Faz parte do conjunto de ferramentas de controle e classificação.
  1. Diagrama de Causa e Efeito, também conhecido como Espinha de Peixe ou Diagrama de Ishikawa: proposta pelo químico japonês Kaoru Ishikawa, nos anos 1960, e aperfeiçoada anos depois, é uma ferramenta gráfica utilizada para o gerenciamento e controle da qualidade, especialmente na produção industrial. Sua característica básica é considerar que toda causa produz um efeito, sendo assim, propõe estudar as causas para se chegar ao cerne do problema e sua possível solução. A imagem associada à ferramenta ocorre porque as causas levantadas convergem para uma linha que determinará a descoberta do efeito, formando um desenho que se assemelha a uma espinha de peixe.
  1. Histograma: diagrama de barras verticais que representa a frequência dos dados. É uma ferramenta de controle e classificação usada para mostrar a periodicidade com que algo acontece. Pode ser útil para priorizar e relacionar ações.
  1. Folhas de Verificação (Check List): planilhas utilizadas para coleta e análise de dados. Poupa tempo eliminando o trabalho de anotar cada item que ocorre repetidamente. É um método muito eficiente para analisar onde estão ocorrendo problemas.
  1. Gráficos de Dispersão: é uma das ferramentas investigativas e representa graficamente a relação entre duas variáveis – mostra o que acontece com uma quando a outra muda. Permite analisar a existência de relação entre duas variáveis que podem ser quantificadas. Por exemplo: horas de trabalho por turno, velocidade das máquinas, tamanho do lote.
  1. Cartas de Controle: é uma das ferramentas de controle e classificação utilizada para determinar se um processo gerará produtos ou serviços com propriedades mensuráveis e consistentes. Os dados são compilados e incluídos em um gráfico que é analisado segundo um parâmetro de controle estabelecido – uma faixa entre os limites superiores e inferiores. Assim, é possível verificar se o processo está dentro dos padrões exigidos ou se possui desvios de qualidade.
  1. Fluxograma: é uma das ferramentas de planejamento voltada à identificação do melhor fluxo a ser percorrido dentro do processo produtivo. Por meio de símbolos gráficos, o fluxograma demonstra visualmente as diferentes etapas produtivas, permitindo uma visão global do processo, analisando limites e facilitando a compreensão do conjunto.
  1. PDCA: sigla em inglês para planejar (Plan), executar (Do), verificar (Check) e agir (Act). Método simplificado em quatro etapas, essa ferramenta tem como alicerce a busca pela melhoria contínua do processo. Foi criada nos EUA, mas se popularizou no Japão ao ser introduzida naquele país pelo “guru” da qualidade Willian E. Deming.
  1. FMEA: acrônimo em inglês para Failure Mode and Effect Analysis ou ferramenta para análise de possíveis falhas. É uma ferramenta de análise de riscos voltada à melhoria continua e utilizada na etapa de desenvolvimento de um produto, na qual possíveis falhas são previstas e detalhadas com objetivo de propor ações preventivas.
  1. 6 Sigma: esta ferramenta atua na aplicação de métodos estatísticos em processos com a finalidade de eliminar defeitos. O número de sigmas é uma variável da performance de processo. Quanto maior ele é, menor a sua variabilidade. O nível 6 Sigma gera apenas 3,4 defeitos por milhão, enquanto o nível 3 Sigma equivale a 35 mil defeitos por milhão. Geralmente, processos com muita variabilidade têm alta probabilidade de gerar produtos com desvios ou fora da especificação. O objetivo dessa ferramenta é levantar esses defeitos e eliminá-los.
  1. 5W2H: é uma ferramenta investigativa utilizada para execução de tarefas com eficiência e agilidade, visando aumento de produtividade, em que se utilizam sete perguntas sobre a atividade a ser executada. What? (O que fazer?), em que se descreve as etapas de um processo; Why? (Por quê?), justifica-se a ação; Where? (Onde será feito?), local ou área a ser realizado o processo; When? (Quando?), determina-se a data de execução; Who? (Quem fará?), define o responsável pela ação; How? (Como será feito?), qual o método será empregado; e How much? (Quanto custará?), estimativa de custo.

Quando usar as ferramentas da qualidade

Como e quando cada uma dessas ferramentas da qualidade deve ser implementada? Elas podem trabalhar em conjunto? Essas são algumas questões que se colocam sobre esse método de avaliar e garantir a qualidade. Segundo especialistas em gestão, a escolha de qual utilizar está relacionada com a natureza do problema a ser enfrentado, muitas das vezes o uso simultâneo de várias ferramentas é indicado para a solução de um problema ou desvio de qualidade. “Elas podem trabalhar em conjunto e na prática é assim que acontecesse”, afirma Leonardo Doro. “É importante ressaltar que algumas das ferramentas podem ser adaptadas de acordo com a natureza do problema e sua utilização pode ocupar mais de uma classificação”, completa.

Para o professor e consultor de qualidade Luiz Carlos Peres, o primeiro indicativo para o uso das ferramentas ocorre quando é detectada uma falha no processo. “Constata-se que alguma coisa está errada na produção. A ferramenta ou as ferramentas são utilizadas para achar a falha e corrigi-la”, afirma Peres, lembrando, contudo, que sua utilidade pode ir além disso. “Não é preciso aplicar as ferramentas da qualidade só quando o problema já se instalou. É recomendável que as use preventivamente, assim a iminência de uma falha pode ser corrigida antes de se tornar um problema maior.”

Leonardo Doro pensa da mesma forma e acrescenta. “A preocupação com a qualidade deixa de ser inspecionai, quando falhas são detectadas apenas após sua ocorrência, e passa a ser preventiva, em que se melhora o processo para impedir que ocorra falha.” Como exemplo, Doro cita o conceito de Jidoka, desenvolvido pela Toyota, que visa interromper a produção, de maneira autônoma, assim que detectada a ocorrência de anormalidades, evitando desperdícios e produtos fora das especificações.

“Garantir a qualidade do produto é focar na prevenção e não na inspeção. Ter qualidade na gestão é fazer corretamente desde a primeira vez e sempre”, enfatiza Sara Prado. Ela lembra ainda que o uso das ferramentas da qualidade conduz a tomada de decisões baseada em dados e não em inferências. “Em um segmento altamente competitivo como o farmacêutico, a indústria que não tem seus processos controlados tende a perder espaço no mercado”, revela. O erro, os desvios, os retrabalhos, são onerosos e acarretam perda, custos desnecessários e podem impactar na imagem da empresa.

“No caso do medicamento, um recall pode implicar em interdição pelo organismo sanitário e até prejudicar a saúde do consumidor. Dessa forma, a não qualidade pode representar para uma empresa o seu fechamento ou, muito pior, mortes”, diz a professora. Os resultados esperados da aplicação das ferramentas de qualidade estão relacionados com a melhoria contínua dos processos. “A cultura do erro zero, processos controlados, a gestão e os riscos inerentes aos processos monitorados, a consolidação das Boas Práticas de Fabricação e o aperfeiçoamento constante como estratégia organizacional são diretrizes que as empresas cada vez mais buscam atingir”, conclui Sara.

A correta utilização das ferramentas da qualidade é imprescindível para a garantia da qualidade do produto final, sustenta Leonardo Doro. “Mesmo que ocorram falhas no processo, originando um produto defeituoso, são as ferramentas da qualidade que permitem a investigação das causas do desvio e a posterior implantação de mecanismos que impeçam que elas voltem a correr. Isso é melhoria contínua.”

É consenso que a empresa que adota os princípios da gestão da qualidade, utilizando as ferramentas adequadas, desvia o foco do controle de qualidade para o controle do processo. Contudo, alguns aspectos devem ser observados, pondera Luiz Carlos Peres. “A qualidade das informações, das amostras, dos controles, tudo tem de estar bem calibrado, passar por um pente fino. Se as ferramentas receberem amostras tendenciosas ou equivocadas o resultado final pode ser prejudicado.”

Como a gestão da qualidade é tratada na indústria farmacêutica

As ferramentas da qualidade normalmente são utilizadas na resolução de problemas e na maioria das vezes trabalham em conjunto e devem ser implementadas sempre que houver a necessidade de uma análise investigativa, salienta Gisele Helena Varela Castrillon Teixeira, gerente de Sistemas da Qualidade da AstraZeneca. “O uso das ferramentas da qualidade nos ajuda a definir, mensurar e analisar a causa raiz dos problemas existentes na indústria farmacêutica para uma tomada de ação mais assertiva e eficaz.” Segundo a executiva, elas são importantes para uma melhor resolução dos problemas detectados durante o processo produtivo, analítico e documental, no estabelecimento de identificação das causas e das ações preventivas mais eficazes para os problemas detectados.

“As ferramentas evitam a reincidência de desvios e nos ajudam a estabelecer processos mais objetivos e diretos, aumentando a produtividade e a qualidade final dos produtos”, diz Gisele. “A utilização de ferramentas da qualidade possibilita que as decisões sejam tomadas com base em fatos e dados concretos”, adiciona Carla Muniz, diretora técnica da Cimed. “Com a disponibilidade de informações sobre a produção e os processos, torna-se possível a identificação de ações de melhoria e correção. A empresa ganha em produtividade e redução de perdas, mantendo a qualidade dos produtos assegurada.”

Na evolução dos conceitos da qualidade, explica a professora Sara Prado, a garantia da qualidade é encarada como uma fase anterior à da gestão da qualidade ou ainda da gestão integrada da qualidade. “A garantia da qualidade surgiu após a consolidação do controle da qualidade como método de gestão, sendo suplantada pela metodologia mais abrangente, menos focada na produção, nos aspectos fabris e direcionada para administração organizacional, que é o gerenciamento da qualidade.”

De acordo com a professora, cada indústria tem seu modelo de gestão. No setor farmacêutico, a garantia da qualidade surge como uma área que cuida especificamente da gestão da qualidade e das Boas Práticas de Fabricação (BPF) de medicamentos. “No Brasil, os regulamentos sanitários aplicáveis exigem que haja um departamento ou área que assegure o gerenciamento da qualidade nos laboratórios”, destaca Sara.

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Leonardo Doro lembra que uma tendência nas indústrias farmacêuticas é a criação de uma diretoria da qualidade, que permeia todos os setores da empresa, com profissionais especializados em processos específicos. “No Brasil, já temos diretores da qualidade que respondem diretamente à presidência da empresa, ocupando um degrau na mesma altura que a diretoria industrial no organograma corporativo.” Outro modelo muito utilizado é aquele em que cada setor possui um departamento de garantia da qualidade, que avalia os processos ali desenvolvidos e os seus impactos na qualidade final do produto.

Sara Prado acrescenta que a experiência tem demonstrado que organizações de sucesso, com uma sólida cultura da qualidade e das BPF, possuem a alta direção comprometida com a gestão e a garantia da qualidade. “No caso da produção de medicamentos, é vital que a direção tenha uma visão focada na cultura da garantia da qualidade, uma vez que desvios são inerentes aos processos, mas quando se trata de medicamentos ou produtos com impacto na saúde do consumidor, todos os recursos, metodologias, ferramentas devem ser empregados para assegurar sua eficácia e segurança.”

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“O processo de fabricação de um medicamento deve ser rigorosamente monitorado, desde o recebimento das matérias-primas e materiais de embalagem até a expedição do produto terminado, para que seja assegurado um elevado padrão de qualidade”, defende Carla Muniz. “Nesse contexto, todos os departamentos envolvidos na cadeia produtiva exercem papel de extrema importância para a fabricação de medicamentos.” De acordo com a executiva da Cimed, o Departamento de Garantia da Qualidade é o responsável por implementar e fazer cumprir a política da qualidade na empresa. Ele assegura que os produtos para venda ou fornecimento não sejam liberados para uso ou comercialização até que sua qualidade seja julgada satisfatória.

Há um sistema de gestão da qualidade, no qual o setor de controle é o responsável por assegurar que os medicamentos estejam em conformidade com as especificações, por meio da realização de ensaios físico-químicos e microbiológicos. É também responsabilidade do setor o monitoramento dos processos de fabricação e de embalagem, com a realização de testes de controle do processo, garantindo que os lotes sejam produzidos dentro dos padrões e especificações exigidos.

Na AztraZeneca, há um departamento específico e independente da área de operações chamado de Sistemas de Qualidade. “O setor de garantia da qualidade é o responsável por assegurar a implementação e manutenção de ações sistemáticas necessárias para assegurar com confiança adequada que um produto cumpre com seus requisitos de qualidade, segurança e eficácia”, afirma Gisele Helena Varela Castrillon Teixeira, enfatizando que o departamento tem a responsabilidade final e autoridade sobre a qualidade, integridade e autenticidade dos produtos dentro da cadeia de suprimentos.

“No entanto, é importante ressaltar que todos os departamentos são responsáveis por seguir as diretrizes de qualidade e as Boas Práticas de Fabricação para garantir a segurança e eficácia dos produtos”, salienta Gisele, destacando que cada setor possui indicadores de qualidade para monitorar, por exemplo, a investigação de desvios, propor ações preventivas aos desvios e avaliar a implementação de diretrizes globais.

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