Maior efetividade da vacina contra a Covid-19 da Astrazeneca, feita em parceria com a Universidade de Oxford, foi constatada em grupo que recebeu, por engano, apenas meia dose. Além da dosagem errada, especialistas apontam outros problemas nos resultados apresentados pelos desenvolvedores e colocam em dúvida tanto êxito da vacina, quanto transparência científica da empresa, revelou a Deutsche Welle (DW).
Astrazeneca reconheceu nesta quarta-feira (25/11) ter ocorrido um erro de dosagem na vacina recebida por alguns voluntários dos seus testes clínicos, o que ajudou a fomentar dúvidas sobre a real eficácia do imunizante. O chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da empresa, Mene Pangalos, revelou que os pesquisadores ingleses erraram o calculo e acabaram aplicando somente metade da dose em alguns voluntários, seguida de mais uma dose um mês depois.
Exatamente nesses pacientes, a eficácia apresentada pela vacina foi de 90%, conforme apurou a Agência Reuters. A menor eficácia de 62% foi registrada naqueles que receberam as duas doses completas. Segundo Pangalos, o erro, porém, não colocou ninguém em perigo e gerou a solução para os cientistas.
Na segunda-feira (23/11), ao divulgar os resultados de que sua vacina alcançara eficácia de até 90% quando ministrada em duas aplicações, a Astrazeneca não mencionou por que um grupo recebeu apenas metade da dosagem na primeira aplicação, algo não previsto. À Reuters, Pangalos disse que o erro foi um “acaso positivo”, apontando que os resultados foram uma “surpresa”.
Mas tal ‘acaso’ deixou a comunidade científica apreensiva. De forma surpreendente, disseram especialistas, o grupo que recebeu apenas meia dose numa aplicação teve uma proteção mais elevada do que o grupo que recebeu duas doses completas. Além disso, eles também questionaram por que a diferença entre os dois resultados – 62% e 90% – foi tão elevada, segundo a DW. Para o jornal New York Times, cientistas afirmaram que tais discrepâncias colocam em xeque a credibilidade do estudo e dos resultados.
Especialistas apontaram uma série de irregularidades nos resultados apresentados e viram omissão de informações na maneira como a Astrazeneca os apresentou. Mesmo após identificar o erro ocorrido na primeira aplicação, o que aconteceu depois de os pesquisadores terem ficado ‘perplexos’ com os efeitos colaterais mais leves do que o esperado, a equipe resolveu aplicar a segunda dosagem, agora completa.
Antes de iniciar um estudo, os cientistas expõem os passos que pretendem seguir e como vão analisar os resultados. Desvios desse protocolo podem colocar os resultados em questão. A intenção era aplicar duas doses completas, e não meia dose. Pesquisadores da empresa e da universidade não souberam responder o motivo pela variação de doses, informou a Opera Mundi.
Outro ponto que gerou confusão foi a média de 70%, calculada com base nos dois grupos que receberam dosagens diferentes. “Você pega dois estudos, nos quais foram usadas dosagens diferentes, e disso resulta uma média que não representa nenhuma dessas duas dosagens”, afirmou à DW o especialista David Salisbury.
Especialistas disseram ainda que o número relativamente pequeno de voluntários no primeiro grupo, o que recebeu a meia dose, torna difícil concluir se a eficácia vista nesse contingente é real ou uma anomalia estatística. Um primeiro grupo, com 2.741 voluntários, recebeu meia dose da vacina e um mês depois uma dose completa. Um segundo grupo, com 8.895 indivíduos, recebeu duas doses completas.
Outro fator: no primeiro grupo não havia nenhuma pessoa com mais de 55 anos. Pessoas mais jovens tendem a ter uma melhor resposta imunológica do que pessoas mais velhas, o que pode ajudar a explicar a eficácia muito superior nesse grupo.
Depois das críticas, executivos da empresa se reuniram com analistas da indústria farmacêutica, para os quais divulgaram a parcela de infecções em cada grupo pesquisado. Isso gerou ainda mais críticas de falta de transparência. Os resultados dos ensaios clínicos de larga escala realizados no Reino Unido e no Brasil se baseiam em 131 infecções pela Covid-19 entre os participantes que receberam a vacina e os que receberam um imunizante já existente contra meningite.
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Diante da controvérsia, o diretor-executivo da Astrazeneca, Pascal Soriot, afirmou na quinta-feira (26/11) que um estudo adicional é necessário para descobrir a eficácia real da vacina numa dosagem menor.
“Agora que chegamos ao que parece ser uma maior eficácia, temos que validá-la, por isso precisamos de um estudo adicional”, salientou Soriot à Agência Bloomberg, acrescentando que provavelmente seria necessária uma nova pesquisa internacional, porém, o número de voluntários seria menor. Soriot disse ainda que esse estudo adicional não deve atrasar a aprovação do imunizante por agências reguladoras europeias.
Já Pangalos acrescentou que pesquisadores da Astrazeneca estão trabalhando para publicar os dados em mídia científica para que outros cientistas possam revisar os resultados. “Acho que a melhor maneira de refletir os resultados é em um jornal científico revisado por pares”, salientou, segundo a Opera Mundi.
A vacina da Astrazeneca/Oxford foi a primeira escolhida pelo governo brasileiro para receber recursos públicos para ensaios clínicos, transferência de tecnologia e compra antecipada. Em 6 de agosto, o presidente Jair Bolsonaro assinou medida provisória abrindo crédito de R$ 1,9 bilhão para adquirir a tecnologia e oferecer 100 milhões de doses desse imunizante para brasileiros até meados de 2021, distribuídas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), segundo a DW.
O Governo incluiu ainda investimento de R$ 522 milhões na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), para modernizar instalações e comprar equipamentos visando produzir, envasar e fazer o controle de qualidade do imunizante.
Dúvidas levantadas sobre a eficácia da vacina da Astrazeneca/Oxford podem comprometer o uso dela e dar vantagem às concorrentes, como a Moderna e a Pfizer, que comunicaram eficácia superior a 90%. As maiores vantagens da vacina da Astrazeneca, na comparação com as duas concorrentes, são seu baixo custo de produção e a facilidade de armazenamento, apurou a DW.
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