Amyris, empresa de biotecnologia da Califórnia, Estados Unidos, produz o esqualeno a partir da fermentação da cana-de-açúcar brasileira. A substância é utilizada como insumo para produção de vacinas e até agora era produzida a partir do fígado dos tubarões. Com o previsível boom para fabricação do imunizante contra a Covid-19 poderia haver o abate de 500 mil tubarões, revelou o Valor Econômico.
Na vacina, a função do esqualeno é potencializar a eficiência das doses e melhorar a resposta imune, operando como adjuvante. Ele é usado em imunizantes contra a gripe e a malária. No caso do antígeno contra o novo coronavírus (Sars-Cov-2), a aplicação de um adjuvante deve ser importante porque ainda não se sabe por quanto tempo as vacinas garantirão imunidade e também porque alguns grupos têm uma resposta imune menor, como os idosos.
Com isso, os ambientalistas temiam uma caça em massa aos tubarões, pois a demanda pelo esqualeno deve ser potencializada para suprir os bilhões de doses da vacina que serão necessários para atender a população mundial. Amyris, que tem uma unidade no Brasil, já fabricava o esqualeno da cana-de-açúcar brasileira para a indústria de cosméticos, e agora pode passar a produzir a substância para a fabricação de vacinas.
Cinco indústrias farmacêuticas que estão desenvolvendo vacinas contra o novo coronavírus em fase de testes já iniciaram conversas com a Amyris para buscar uma alternativa ao esqualeno do fígado de turbarão.
A empresa espera concluir até o fim deste ano um acordo comercial para a entrega do produto para um grande laboratório usar em uma vacina contra a gripe, afirmou ao Valor o CEO da Amyris, John Melo. A expectativa do executivo é que o acordo mostre a viabilidade e a competitividade da tecnologia para uso posterior no combate à pandemia.
Para a fabricação de 1 bilhão de doses de vacinas contra o Sars-Cov-2, Melo diz que bastam apenas 10 hectares de cana-de-açúcar. Para efeito de comparação, o cultivo de cana apenas no Estado de São Paulo soma 5 milhões de hectares. Caso os laboratórios seguirem usando o esqualeno do fígado de tubarão, o executivo estima que será preciso matar 500 mil animais para atender à mesma demanda.
“Nesses 10 hectares você planta cana, colhe, processa e produz esqualeno todo ano. Mas, uma vez que você mata 500 mil tubarões, eles não podem produzir mais esqualeno depois, eles estarão mortos. Isso não pode trazer benefício ao ecossistema oceânico”, salientou Melo.
A organização Shark Allies calcula um número menor – atingiria 500 mil tubarões se toda a população mundial precisar de duas doses. Ainda assim, a ONG considera o impacto alarmante e até divulgou uma petição para pressionar as indústrias a utilizar alternativas como a da Amyris.
De acordo com o CEO da Amyris, evitar desequilíbrios ecológicos não é a única vantagem do esqualeno de cana. Melo estima que o custo do esqualeno de cana é menos da metade do esqualeno de tubarão, o que deve baratear as vacinas. Ele ainda calcula que, em um mês, seria possível produzir esqualeno para 1 bilhão de doses, enquanto a obtenção do esqualeno a partir dos tubarões levaria mais tempo. E a substância derivada da cana, segundo o executivo, tem menos impurezas.
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A Amyris também está apostando no sucesso de vacinas que utilizam a técnica de RNA, que Melo considera “o futuro das vacinas”. Essa técnica consiste na inoculação de RNA do vírus, que leva o corpo da pessoa a fabricar a proteína do microorganismo e gerar uma resposta imune.
Ele acredita que essas vacinas dependerão bastante do esqualeno porque elas precisam utilizar uma quantidade elevada de material genético, e os adjuvantes podem reduzir essa necessidade em mais de mil vezes, estima. Atualmente, a técnica de RNA está sendo testada pelo laboratório Moderna e pelo consórcio entre Pfizer, BioNTech e Fosun no desenvolvimento de vacinas contra o Sars-Cov-2.
Inicialmente, a produção do esqualeno para atender à demanda por vacinas ocorrerá na fábrica da Amyris nos Estados Unidos, mas a companhia quer implementar essa linha de produção em sua unidade em Barra Bonita (SP), onde fabrica outros produtos.
A companhia investiu US$ 1,5 bilhão (R$ 8,1 bilhões) na produção de derivados da cana com suas leveduras geneticamente modificadas. Atualmente, na fábrica da Califórnia, a Amyris usa como matéria-prima o melaço de cana da Raízen Energia – joint venture entre Cosan e Shell no Brasil –, com a qual tem um contrato de longo prazo. Uma fabricação do esqualeno em Barra Bonita também utilizaria o melaço da empresa.
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