Há inúmeras áreas para a atuação do profissional farmacêutico em uma indústria de cosméticos. Ele pode atuar no controle de produção, controle de qualidade, controle de processo e pesquisa, além do setor de desenvolvimento. Essa atuação está regulada graças à medida do Conselho Federal de Farmácia (CFF), que editou, em 2003, a Resolução 406, dispondo sobre as atividades do profissional nesse setor.
A Resolução definiu as atribuições dos farmacêuticos na fabricação de cosméticos e, principalmente, daqueles produtos que promovem alteração fisiológica, ou que atuem, com ação terapêutica, como auxiliares nos tratamentos da pele, unhas, pelos, glândulas e do couro cabeludo. Trata-se de uma carreira bastante valorizada pelo mercado de trabalho, e que ganha, cada vez mais, importância com o aumento significativo da preocupação da população com estética, saúde e bem-estar.
O ICTQ - Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico já destacou em reportagem em seu Portal de Conteúdo que a atuação nas indústrias cosméticas é a que traz as maiores remunerações para essa carreira. Nela o profissional especializado em cosmetologia pode atuar nos níveis operacional, tático ou estratégico, sendo que as maiores remunerações se encontram na atuação estratégica, ligada à gestão industrial.
Leia também: A carreira do farmacêutico cosmetologista
Na atuação magistral é importante ressaltar a possibilidade de empreender, visto que o setor é abundante em franquias relacionadas a essa carreira. Algumas dessas franquias podem ser instaladas em cidades de pequeno porte. Para isso, o profissional, além do conhecimento técnico, deve buscar conhecimentos de gestão de empresas da área.
Parece o mesmo, mas não é
Falar nessa indústria remete, de imediato, à importância em conhecer e diferenciar cosméticos e dermocosméticos, já que, embora sejam produtos similares, apresentam conceitos diferentes. No Brasil, a legislação desses produtos é feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável por conceder a licença das empresas e dos produtos para poderem exercer a fabricação e sua venda.
Os cosméticos auxiliam no empoderamento das pessoas, sejam mulheres e homens, fazem parte da rotina para melhorar a beleza ou mesmo fazer com que se sintam bem consigo mesmos. Dermocosméticos possuem propriedades terapêuticas e fazem parte de um tratamento, porém, não são como fármacos (estes possuem grau medicamentoso). Já os dermocosméticos são tópicos e funcionam como um bálsamo para a pele, por exemplo.
Os dermocosméticos contêm ativos farmacológicos que agem nas partes mais profundas da pele, propiciando melhorias de dentro para fora. Com isso, são usados em tratamentos dermatológicos, como manchas, acne, celulite, rugas e hidratação. Cosméticos têm ação superficial na pele. Eles ajudam a disfarçar um problema, enquanto o dermocosmético atua diretamente nele.
“O dermocosmético é um termo inventado pelo marketing das empresas – quando falo isso muitos assustam um pouco. Quando falamos de dermocosmético, para a Anvisa este termo não existe. Para ela existe medicamento e existe cosmético. Se eu quero registrar um cosmético, eu devo registrar como um cosmético, o mesmo vale para medicamento. O termo dermocosmético veio da inteligência da indústria cosmética, em pegar um produto, disfarçá-lo com uma aparência mais ‘medicamentosa’, para poder levá-lo para um dermatologista prescrever. Não fosse dessa maneira, um dermatologista não prescreveria um simples cosmético”, revela o diretor da Sociedade Brasileira de Educação Farmacêutica, Nutracêutica e Cosméticos e parceiro do ICTQ, Lucas Portilho.
Ele ressalta que dermocosmético é um termo inventado para disfarçar um cosmético de um medicamento. E não se trata de um simples produto, um simples cosmético. Atualmente, há disponíveis ingredientes cosméticos que têm na pele uma efetividade tão grande quanto um medicamento.
O que pode e não pode ser prescrito
“Os farmacêuticos podem prescrever dermocosméticos, pois esses não possuem tarja. Alguns ativos possuem dosagens máximas permitidas, como a ureia. A dosagem varia de 3% (como cosmético) até 10%. O farmacêutico deve avaliar sua indicação a 10%, pois não deve ser usada na gestação e em região lesionadas ou com irritação”, explica a consultora farmacêutica e professora do ICTQ, Giovanna Dimitrov.
Giovanna explica que os ativos cosméticos são testados, e para chegar ao mercado, apresentam testes de eficácia. O importante é conhecer os ativos e seus excipientes, pois a melhor ação desses ativos depende da base ou veículo certos. Quando se fala de tratamento de pele, a base ou veículo para aplicação dos ativos deve ser avaliada.
“Os profissionais farmacêuticos com habilitação em prescrição podem receitar produtos tópicos dermocosméticos nos casos de dermatomicoses simples, dermatites, acne, manchas de pele, desidratação de pele, tratamentos para a manutenção da pele, antienvelhecimento, entre outros. Esses tratamentos são feitos com produtos sem tarja”, exemplifica a professora.
Preconceito médico
Portilho abordou um ponto muito questionado no passado. O preconceito de médicos em prescreverem dermocosméticos. Segundo ele, se um paciente chegasse a um dermatologista com uma receita de um produto desse gênero, certamente o médico se recusaria. No entanto, a indústria, principalmente a pioneira, Loreal, conseguiu inserir os cosméticos de prescrição no mercado e os batizou como dermocosméticos.
“Quando eu digo que o médico teria certo preconceito, isso foi no passado. Hoje existem marcas que se eu citasse agora o leitor até se assustaria, por exemplo, La Roche-Posay, Galderma, Rocky, Vichy são marcas consagradas como dermocosméticos, contudo, se entrarmos na Anvisa e vermos como todos esses produtos foram registrados, eles estão como cosméticos, ou seja, já são dermocosméticos consagrados”, evidencia Portilho.
Performance
De acordo com Giovanna, quando se fala atualmente de ativos de origem natural, fala-se de produtos com alta tecnologia de extração e purificação. Um bom exemplo são os ativos da cana de açúcar, que podem ser usados em formulações de proteção solar e antienvelhecimento, e também têm eficácia no tratamento de clareamento da pele. Os novos ativos de origem natural têm alta performance e estão longe dos extratos usados no passado. Independentemente de ser novo ou antigo, se apresentar estudo de eficácia é um ativo que vai apresentar bons resultados no tratamento.
Aprofundando o tema
A equipe de jornalismo do ICTQ entrevistou, com exclusividade, o professor Lucas Portilho, no ICTQ STATION, e suas considerações sobre ativos e produtos tópicos dermocosméticos estão a seguir.
ICTQ - O farmacêutico pode prescrever todos os tipos de ativos e produtos tópicos dermocosméticos?
Lucas Portilho - Não são todos os ativos que o farmacêutico pode prescrever. Existe uma diferença muito grande, para a Anvisa, principalmente, do que é um medicamento e do que é um cosmético. Existem alguns medicamentos conhecidos como dermocosméticos, mas na verdade são medicamentos e o farmacêutico tem de ficar bem atento com essa diferença do que é um medicamento e o que é um cosmético.
O cosmético, de forma geral, o farmacêutico pode prescrever qualquer que seja, por exemplo, Minoxidil – por ser um uso muito comum para queda capilar, muitos farmacêuticos pensam que se trata de um cosmético que ele poderia prescrever, porém, não é assim que funciona. Todo ingrediente cosmético o farmacêutico está apto para prescrever. É muito importante o profissional possuir uma lista atualizada daquilo que ele pode e que não pode prescrever na área da cosmetologia.
ICTQ – Então, seria o caso de o farmacêutico prescrever qualquer cosmético, qualquer medicamento no âmbito estético?
Lucas Portilho – Qualquer cosmetoterapia (este termo existe e podemos utilizá-lo baseado na prescrição farmacêutica, na Resolução 586), qualquer cosmético está liberado para o farmacêutico prescrever. Medicamentos não são todos.
Quando falamos de dermocosméticos, no âmbito da atuação do farmacêutico na área da estética, estamos muito bem munidos de ingredientes cosméticos, nem precisamos seguir para o lado medicamentoso, por exemplo, usar cetoconazol para caspa, isso já é consagrado. Quando quero tratar ruga, mancha, estria, celulite ou rosácea nós temos infinitas ferramentas cosméticas com bastante efetividade para tratar os pacientes.
ICTQ - Os ativos cosméticos realmente funcionam?
Lucas Portilho – Hoje conseguimos medir qual é o nível de profundidade na pele aonde um cosmético atua. Sabemos que ele modula vários genes da nossa pele – genes de melanócitos, de fibroblastos, de queratinócitos, existe uma ciência muito interessante por trás dos dermocosméticos mostrando: como eles melhoram nossa pele, em que células eles atuam e quais os mecanismos exatos nos quais eles atuam. Eles não são simples ingredientes que hidratam e perfumam a pele, eles conseguem aumentar a expressão de colágeno, diminuir a expressão de enzimas que aumentam o envelhecimento cutâneo da pele, nós conseguimos diminuir a expressão de genes que deixam o adipócito maior e causam a celulite. Em tudo isso é possível o farmacêutico atuar na área da cosmetologia, e com resultados surpreendentes.
ICTQ – Ao sair da graduação, os farmacêuticos têm conhecimento para fazer essa prescrição?
Lucas Portilho – Não. Na graduação nós, infelizmente, não temos esse conhecimento.
A prescrição de dermocosmético pelo farmacêutico pode ser feita de duas formas: ele prescreve um produto acabado e, para isso, precisa conhecer bastante os produtos, as linhas que vendem em drogarias; ou ele pode fazer a prescrição individualizada e em seguida o paciente vai em uma farmácia de manipulação. Essa maneira é supercomplexa, porque existem infinidades de combinações que podemos fazer de cinco, dez ingredientes na mesma composição, com cada um atuando em um mecanismo diferente. Isso é o mais interessante.
O aluno não sai da graduação preparado. Com certeza ele precisa de uma especialização para entender como funciona a pele e entender também onde cada ativo agirá dentro dela.
ICTQ – Que tipo de curso o farmacêutico pode fazer para atuar nesta área?
Lucas Portilho – Para dermocosméticos nós indicamos a pós-graduação, livros específicos e também sites na internet onde ele se cadastra e existem vários ativos dermocosméticos separados por categoria, onde ele pode se atualizar. E é fundamental participar de feiras, onde há novidades em primeira mão.
ICTQ – Qual o maior desafio para os farmacêuticos nessa área?
Lucas Portilho – O número de opções. O maior desafio do farmacêutico que prescreve dermocosméticos é o número de opções, por incrível que pareça, que às vezes ele se perde pelo excesso. Há, também, um desafio muito grande que não aprendemos na faculdade, que é como lidar com o paciente, como conversar com esse paciente quando for fazer a prescrição de um dermocosmético, porque ele precisa seguir, passo a passo, o que for indicado e aquela linguagem tem que ser simplificada.
Nós, farmacêuticos, temos o seguinte trauma, não podemos falar de forma muito simples, se não o paciente achará que eu não entendo do assunto, mas se eu falar de forma muito complexa, eu não vou me fazer entender. Esse também é um grande desafio. Explicar para o paciente.
Por exemplo, ele pode estar com uma mancha de pele, que pode ser um melasma e pode ser profundo ou superficial. Se eu começar a usar termos técnicos como melasma epidérmico, melasma dérmico, melanossoma, melanócito, o paciente vai achar tudo muito bonito, mas não entenderá nada. Precisamos utilizar uma linguagem simplificada para fazer com o que paciente entenda o que tem, e que siga as instruções que o farmacêutico indicar.
ICTQ – Qual o futuro do farmacêutico na área dermocosmética?
Lucas Portilho – O futuro é muito promissor, aliás, para o farmacêutico que tem medo de prescrever o dermocosmético é uma forma de começar. Lá o profissional vai interagir com o paciente, mas não são pacientes que têm um problema gravíssimo de saúde; ele tem um problema estético. Posso dizer que é mais seguro começar prescrevendo dermocosméticos para depois seguir para outras áreas, como hospitalar e clínica.
O farmacêutico que domina a prescrição, sem dúvida, vai precisar se aliar a um farmacêutico esteta, ou ele mesmo pode se tornar esteta, para poder utilizar procedimentos, protocolos estéticos, microagulhamento ou toxina botulínica, por exemplo. Agregando esse pacote todo gera para o farmacêutico uma oportunidade muito interessante para atuar como prescritor.