A manipulação de medicamentos quimioterápicos é uma das atividades mais críticas dentro da farmácia hospitalar. Realizada exclusivamente por farmacêuticos devidamente capacitados, ela envolve o preparo de substâncias altamente tóxicas em ambientes controlados, obedecendo a rigorosos protocolos de segurança. Não à toa, trata-se de uma área em que o domínio técnico e o compromisso com a excelência são inegociáveis.
Responsável por essa função em hospitais de alta complexidade, o farmacêutico oncológico assume uma posição central na cadeia do cuidado oncológico. Sua atuação vai além da técnica — exige conhecimento em farmacocinética, vigilância sanitária, biossegurança, validação de prescrição e gestão de riscos.
Isso porque a manipulação de medicamentos oncológicos envolve riscos biológicos e químicos significativos, tanto para o paciente quanto para os profissionais envolvidos. Assim, a atuação farmacêutica nesse processo é regulada por uma série de normas e protocolos técnicos que visam minimizar os riscos e assegurar a eficácia terapêutica dos tratamentos.
“A manipulação de quimioterápicos deve seguir as RDCs 220/2004, 67/2007 e 45/2003 da Anvisa, que exigem áreas limpas, capelas de segurança biológica Classe II B2, controle ambiental rigoroso, rastreabilidade completa e validação de processos assépticos por meio do media fill, simulando condições reais de preparo para garantir a esterilidade dos medicamentos”, explica o professor do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico e coordenador do grupo técnico de oncologia do Conselho Regional de Farmácia do Rio de Janeiro (CRF-RJ), Verneck Silva.
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Esses requisitos técnicos estabelecem um padrão rigoroso de controle de qualidade para garantir que o medicamento manipulado não apresente risco de contaminação microbiológica ou perda de estabilidade. A utilização do media fill, por exemplo, é uma técnica de simulação que substitui o fármaco por um meio de cultura para avaliar a assepsia e a técnica de manipulação sob as mesmas condições operacionais de rotina.
Além dos requisitos estruturais e operacionais, a segurança do paciente e do profissional de saúde é um dos pilares da atuação farmacêutica na oncologia. Verneck Silva lembra que a Norma Regulamentadora nº 32 do Ministério do Trabalho, que trata da segurança e saúde no trabalho em serviços de saúde, apresenta diretrizes específicas para o manuseio de agentes citotóxicos.
“Com relação à segurança do profissional e do paciente, a NR-32 (item 5.3) exige uso obrigatório de EPIs (luvas, aventais impermeáveis, viseiras), manipulação em ambientes com pressão negativa, descarte seguro de resíduos e protocolos em caso de acidentes com citotóxicos. Tais medidas protegem tanto o paciente quanto o profissional durante o preparo e administração dos antineoplásicos”, detalha Silva.
A adoção dessas medidas visa não apenas a integridade do paciente que irá receber o medicamento, mas também a preservação da saúde ocupacional do farmacêutico e da equipe de apoio. A manipulação de quimioterápicos sem os devidos cuidados pode causar intoxicações agudas e crônicas, problemas reprodutivos e até câncer ocupacional nos profissionais expostos.
Além das normas técnicas e sanitárias, a qualificação do farmacêutico também é alvo de regulamentações específicas. A complexidade envolvida no preparo e na dispensação de quimioterápicos exige uma formação robusta e especializada.
“Além da infraestrutura adequada (salas ISO 5/ISO 7, sistema HVAC, capelas validadas), o Conselho Federal de Farmácia (CFF), por meio da Portaria CFF 640/2016, estabelece que farmacêuticos que atuam na oncologia devem possuir pós-graduação ou residência específica na área ou o título de especialista da Sociedade Brasileira de Farmacêuticos em Oncologia (Sobrafo), assegurando formação técnica e clínica compatível com a complexidade do tratamento oncológico”, destaca Silva.
Essa exigência de qualificação é fundamental para garantir que o farmacêutico tenha domínio não apenas das técnicas de manipulação, mas também dos aspectos clínicos envolvidos no tratamento do câncer. Isso inclui conhecimentos em farmacologia oncológica, farmacocinética, farmacodinâmica, interações medicamentosas e protocolos terapêuticos.
“O farmacêutico desempenha um papel essencial no processo de manipulação de quimioterápicos, garantindo segurança, eficácia e qualidade no tratamento oncológico. Seus conhecimentos em fisiologia, bioquímica e química, interações medicamentosas garantem a segurança do tratamento, garantindo que o paciente seja atendido com segurança e eficácia do tratamento realizado”, enfatiza o professor do ICTQ.
Esse protagonismo técnico e clínico do farmacêutico tem se refletido também no fortalecimento de sua presença nas equipes multidisciplinares de oncologia, em hospitais públicos e privados, centros de tratamento oncológico e farmácias de manipulação com autorização para operar com medicamentos antineoplásicos. Cada vez mais, a presença ativa desse profissional contribui para reduzir erros de medicação, prevenir reações adversas e otimizar a resposta ao tratamento.
A atenção farmacêutica no preparo de quimioterápicos vai além da manipulação. Inclui também a dupla checagem da prescrição, conferência das doses e volumes, identificação de incompatibilidades, orientação da equipe de enfermagem e acompanhamento da adesão e resposta do paciente ao tratamento. Essa atuação integrada resulta em maior segurança e resolutividade na terapia oncológica.
Além disso, o farmacêutico pode colaborar com o desenvolvimento de protocolos internos de segurança, treinamentos para a equipe de saúde e implementação de tecnologias para automação e rastreabilidade, como sistemas fechados de manipulação (CSTD – Closed System Transfer Device) e softwares de prescrição e rastreio.
Com o avanço da oncologia de precisão e das terapias-alvo, a manipulação personalizada de medicamentos deverá ganhar ainda mais destaque, exigindo conhecimento técnico atualizado e capacidade de tomada de decisão baseada em evidências. O domínio das normas sanitárias, das tecnologias e da prática clínica posiciona o farmacêutico como agente central da segurança do paciente oncológico.
No contexto de um sistema de saúde que busca eficiência, humanização e redução de riscos, o farmacêutico oncológico mostra-se como elo fundamental entre o medicamento e o cuidado seguro. E como ressalta Verneck Silva, essa atuação só é possível graças a uma combinação de infraestrutura adequada, rigor técnico, formação especializada e compromisso com a vida.
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