A International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research (ISPOR), um dos mais importantes canais de divulgação científica sobre farmacoeconomia no mundo, define o termo como o campo de estudo que avalia o comportamento de indivíduos, empresas e mercados com relação ao uso de produtos, serviços e programas farmacêuticos, e que frequentemente enfoca os custos e as conseqüências desta utilização.
De acordo com o tecnologista do Instituto Nacional do Câncer (INCA), Rodrigo Saar da Costa, no Brasil a Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011, foi um importante passo no processo regulatório de incorporação tecnológica em saúde, alterando a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e dispondo sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do SUS. Ela estabelece os limites para o financiamento da saúde brasileira e regulamenta a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias para o SUS (Conitec), tendo como atribuição a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou alteração de protocolos clínicos ou de diretriz terapêutica.
“Nesse contexto, farmacoeconomia visa a determinação de estabelecer, de forma eficiente, a relação entre custo e efeitos clínicos de um tratamento farmacológico e sua comparação com outras opções terapêuticas, com a finalidade de selecionar aquelas com uma relação de custo-efetividade mais favorável. Fomentando, assim, a gestão dos gastos de saúde de forma eficiente nos sistemas de saúde”, afirma Rodrigo Saar da Costa.
A farmacoeconomia em oncologia teve como principal marco regulatório a Portaria do Ministério da Saúde nº 874, de 16 de maio de 2013, em que foi instituída a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das pessoas com doença crônicas no âmbito do SUS. Revisada e atualizada com o objetivo da adequação aos novos contextos político, social, epidemiológico e de financiamento da saúde. Nela está previsto o estabelecimento de métodos e mecanismos para análise de viabilidade econômico-sanitária de empreendimentos públicos no complexo industrial da saúde, com a implementação de práticas de elaboração de parecer técnico-científico, Avaliações de Tecnologias em Saúde (ATS) e Avaliações Econômicas (AE) para subsidiar a tomada de decisão no processo de incorporação de novas tecnologias no SUS.
Dessa forma, segundo Rodrigo Saar da Costa, a farmacoeconomia na área oncológica passa a desempenhar papel decisório nas políticas públicas e na saúde suplementar. Isso se concretiza “por meio de uma análise que emprega processos bem estruturados e consensuais, garantindo a legitimação das decisões pelos gestores, além de promover transparência nas avaliações de incorporação e desincorporação de tecnologias”, afirma.
Para o mastologista do Hospital Pérola Byington e do Laboratório Rocha Lima, ambos de São Paulo, André Mattar, o objetivo da farmacoeconomia é gastar menos, empregando melhor os recursos, e obter um tratamento mais eficaz para o paciente. Pode parecer paradoxal gastar menos e oferecer uma terapia melhor e mais efetiva, pois geralmente os tratamentos superiores são mais caros, mas ele explica o ‘milagre’. “Tratamentos novos geralmente são mais caros, porém são mais eficientes para o paciente, prevenindo o avanço da doença e evitando a morte. As terapias-alvo, por exemplo, são mais caras, contudo seu índice de cura é muito maior e a recidiva é bem menor. Portanto, salva mais, causa menos sofrimento ao paciente e a relação custo-benefício é superior, uma vez que o custo da recidiva é maior, exigindo novos tratamentos”, frisa Mattar.
“O crescente avanço tecnológico, principalmente na área de oncologia, tem tornado imprescindível atenção e definição de critérios de priorização na incorporação de novas tecnologias. A medicina personalizada e a imunoterapia já são uma realidade e compreendem não apenas o medicamento, mas também o diagnóstico genético e outros aparatos tecnológicos que torna ainda mais desafiador o investimento nesse campo da medicina”, acrescenta Rodrigo Saar da Costa. Isso ocorre sobretudo em uma conjuntura em que os impasses e necessidades dos sistemas de saúde são sempre numerosos e diversos.
“Uma revisão recente da literatura internacional sobre o tema identificou que os desafios documentados com mais freqüência incluíam a necessidade e a demanda por tecnologias”, diz Costa. Nesse cenário, a avaliação econômica (farmacoeconomia) é reconhecida como estratégica para o desenvolvimento dos sistemas de saúde, assim como para a determinação explícita de benefícios do setor, que implica a consolidação de instituições capazes de lidar com o delicado processo de integração entre ciência e política de saúde. “A responsabilidade técnica e política para todo o processo de avaliações de tecnologias em saúde tem aumentado, estabelecendo-se como importante estratégia no processo de governança e gestão em especial no campo da saúde pública”, completa.
A farmacoeconomia permite ao gestor avaliar os aspectos clínico e econômico simultaneamente. O planejamento da incorporação e do uso de tecnologias em saúde pode contribuir para o enfretamento dos desafios enfrentados. Dentre as recomendações propostas por diversos especialistas para ampliar a efetividade dos recursos utilizados, o uso da farmacoeconomia e de políticas de cobertura e preço ganha destaque especial. Por meio dessas ferramentas é possível avaliar os efeitos e outros impactos das tecnologias e intervenções em saúde, incluindo tanto seus efeitos diretos e esperados como as conseqüências indiretas e inesperadas, mediante a aplicação de quadros analíticos explícitos baseados em uma variedade de métodos. “A farmacoeconomia constitui uma das estratégias mais usadas em todo o mundo para informar a tomada de decisão relativa às tecnologias em saúde. Mediante um planejamento estratégico na aplicação dos recursos em saúde – a partir de uma consolidada medicina baseada em evidências, resultados de mundo real adequados ao contexto local –, a farmacoeconomia permite avaliar seu impacto financeiro associando análises de custo-efetividade e impacto orçamentário”, frisa Rodrigo Saar da Costa.
Um exemplo emblemático dessa ferramenta é indicado por André Mattar. “Há um teste que determina se o paciente precisa ou não realizar quimioterapia. É um teste caro, custa R$ 15 mil. Contudo, o benefício para o paciente e para o sistema a partir de sua avaliação é enorme. Imagine a vantagem para o paciente, que se o teste indicar fica livre do desconforto e da toxicidade da terapia química. Uma pesquisa realizada com 155 mulheres no hospital apontou que em 70% dos casos não havia necessidade de fazer quimioterapia. Agora pense nisso sob o ponto de vista econômico. Em cinco anos quanto seria economizado em sessões de quimioterapia e em auxílio doença. É preciso sensibilizar as autoridades para a importância disso na saúde pública, uma vez que as empresas privadas já estão se conscientizado que o investimento vale a pensa ao longo do tempo”, conclui.
Rodrigo Saar da Costa lembra que a ampliação de acesso e disponibilidade a novas tecnologias que considerem a gestão e sobretudo a qualidade de vida dos pacientes são importante informações geradas por análises farmacoeconômicas. “Apesar dos avanços tecnológicos, a má aplicação de recursos em saúde pode ter baixo impacto para o paciente oncológico. A sobrevida dele está fortemente ligada ao índice de desenvolvimento humano de cada país e ao acesso ao sistema de saúde. Cada morte por câncer no Brasil gera uma perda econômica média de R$ 176 mil por ano, de acordo com um estudo publicado em janeiro deste ano na Cancer Epidemiology. Os custos indiretos, na farmacoeconomia, têm o objetivo de dar respostas nesse sentido, pois estão relacionados à perda de produtividade do indivíduo. Dessa forma, estudos que tenham uma análise sob a perspectiva do paciente podem auxiliar na determinação de critérios que consideram preferências, ocorrências de eventos adversos e qualidade de vida”, revela.
As avaliações farmacoeconômicas compreendem uma série de ferramentas metodológicas que permitem analisar parâmetros associados a incertezas do modelo em termos clínico e econômico. Dessa forma, é possível estimar potenciais problemas que possam ser corrigidos ou previstos na prática. Somado a isso, é possível estimar o limiar de preferências entre as tecnologias avaliadas de forma que a tomada de decisão considere aspectos relacionados não somente à tecnologia em si, mas incluam diferenças sobre tempo de hospitalização, freqüência e gravidade de eventos adversos, permitindo a ampliação da análise e proporcionando uma decisão assertiva e equilibrada, tanto sob o aspecto clínico quanto econômico.
“Em oncologia, devido à diversidade de protocolos clínicos para um mesmo tipo de câncer, a saída nem sempre é a adoção radical de uma tecnologia, mas a composição de vários medicamentos e determinação de subgrupos de pacientes que podem ser beneficiados tendo como referencial a análise farmacoeconômica”, afirma Rodrigo Saar da Costa. “É possível evitar a subjetividade, analisando critérios clínicos bem definidos, como tamanho e agressividade do tumor, idade do paciente, tipo de terapia mais efetiva, entre outros, e determinar a melhor relação custo-benefício considerando as ferramentas oferecidas pela farmacoeconomia”, complementa André Mattar, lembrando de outro aspecto. “É fundamental bater na tecla da prevenção. Cerca de 50% das mulheres no Brasil não fazem mamografia. Quando descobrem o câncer de mama, a doença está em um estágio avançado, com menos possibilidade de cura e com a necessidade de um tratamento mais agressivo. Além de implicar na qualidade de vida da paciente, isso onera mais o sistema.”
O papel do farmacêutico na gestão da farmacoeconomia oncológica é muito importante, destacam os especialistas. “Sob o ponto de vista gerencial, o profissional farmacêutico desempenha função articuladora na análise e na elaboração de relatórios técnico-científicos para a tomada de decisão. Assim como tem a iniciativa na execução de estudos farmacoeconômicos pragmáticos em oncologia (de fase IV – farmacovigilância, por exemplo) que terão como desfecho dados de mundo real aplicados ao seu contexto local”, assinala Rodrigo Saar da Costa. Sem contar, adiciona Costa, o papel de auxiliar órgãos deliberativos sobre incorporação tecnológica como a Conitec, facilitando a difusão e implementação de políticas, programas e ações de avaliação de tecnologias no SUS e na saúde suplementar. “No ambiente hospitalar, por exemplo, além de ter papel preponderante na avaliação das interações medicamentosas, o farmacêutico é quem determina o fluxo de compras, estuda quais apresentações de medicamentos são mais adequadas, tanto sob o aspecto qualitativo quanto sob o ponto de vista econômico”, acrescenta André Mattar.
Economistas, bioestatísticos e farmacêuticos são os profissionais especializados em farmacoeconomia mais encontrados em empresas e serviço público. Contudo, ainda é escasso a disponibilidade de cursos de capacitação e pós-graduação na área. Existem algumas especializações e mestrados profissionais que têm como objetivo formar especialistas nesse campo. Vale observar que para os profissionais de saúde que desejam seguir carreira em farmacoeconomia é importante o curso de pós-graduação em Farmácia. O ICTQ oferece essa opção, sendo ainda pioneiro na disponibilidade do curso de especialização em Gestão de Farmácias Públicas, além de contar também com o curso Farmácia Hospitalar e Oncologia, voltado ao segmento oncológico diretamente. A Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde (Rebrats), criada pelo Ministério da Saúde, também é uma boa fonte de informação sobre o tema em geral. Ela reúne órgãos gestores e instituições de ensino e pesquisa envolvidos com a elaboração de estudos em ATS. “Por meio dela é possível ter acesso a uma variedade de informações que podem auxiliar na capacitação do farmacêutico”, observa Rodrigo Saar da Costa.