O aplicativo Doutor Digital, que estaria fazendo a venda de receitas médicas sem consulta, havia saído do ar no domingo (30/11) e voltou à operação na segunda-feira seguinte (01/12), porém, com mudanças estruturais, segundo apuração do produtor do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico. As alterações, no entanto, não teriam eliminado o núcleo do problema: a emissão de documentos médicos sem qualquer ato clínico real.
O site, que já havia sido denunciado anteriormente por nossa reportagem, ao voltar ao ar, exibiu novos avisos e janelas de ‘orientação’, que não existiam anteriormente. Entre eles:
- mensagens alegando que o médico teria autonomia para negar pedidos;
- que não seriam renovadas receitas de antibióticos, tarja preta ou hormônios;
- que seria obrigatório anexar a receita original;
- que o serviço seria exclusivo para medicamentos de uso contínuo etc.
As advertências sugeririam uma tentativa de adequação após a exposição pública. No entanto, a operação continuaria permitindo aquilo que, na prática, configuraria emissão irregular de receita, apenas com outro nome.
Teste do ICTQ evidencia falha grave no processo
Para verificar se o comportamento do aplicativo havia de fato mudado, o ICTQ repetiu o teste que já havia feito anteriormente. Desta vez, o produtor que fez a compra da ‘renovação’ anexou uma receita que não era dele: uma prescrição verdadeira, emitida no nome de outra pessoa.
O sistema aceitou a receita imediatamente. Minutos depois, enviou uma ‘renovação’ em nome do produtor, que nunca havia sido atendido, consultado, examinado ou avaliado pelo suposto médico responsável, ou seja, o aplicativo teria usado uma prescrição alheia para gerar uma nova receita destinada a um indivíduo completamente diferente. Assim, ele estaria reproduzindo o mesmo padrão já identificado em plataformas anteriores.
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A emissão ocorreu sem qualquer checagem de identidade, histórico clínico, prontuário, contato profissional, assinatura presencial em ato médico ou conferência de continuidade terapêutica. O comportamento observado seria compatível com produção automatizada de receitas, agora travestida de renovação.
Compra, pagamento e liberação seguem instantâneos
O produtor pagou pelo serviço, anexou o arquivo solicitado (da receita de outra pessoa) e recebeu a receita eletrônica do medicamento cloridrato de venlafaxina 37,5 mg em poucos minutos. As telas registradas durante a transação mostram:
- Oferta explícita de ‘renovar receita’ sem restrição técnica.
- Upload livre de arquivo, sem validação biométrica ou identificação do paciente.
- Mensagem genérica afirmando que ‘o médico pode negar’, sem indicar CRM, nome do profissional, termos de consentimento ou protocolo clínico.
- Liberação automática da receita, sem qualquer etapa de contato humano.
As imagens comprovam que o mecanismo central da operação não foi alterado: continua-se emitindo uma nova receita para uma pessoa que nunca passou por consulta, apenas com base em um documento enviado, podendo nem ser dela.
Mudanças cosméticas não corrigem a irregularidade estrutural
O Doutor Digital pode ter removido o termo ‘comprar receita’ e inserido mensagens de cautela, mas o fluxo detectado demonstraria que a natureza do serviço permanece a mesma. O que antes era anunciado como ‘emissão’ agora se apresenta como ‘renovação’, embora nenhuma renovação verdadeira ocorra, já que não existe acompanhamento clínico.
A ausência de prontuário, avaliação médica e vínculo assistencial configuraria o mesmo risco sanitário já apontado pelo ICTQ: a disponibilização de medicamentos controlados sem a participação efetiva de um profissional habilitado.
Pressões e silêncio institucional
Após a queda do ReceitasZap, e agora com a reconfiguração do Doutor Digital, o ICTQ pergunta: por que o Conselho Federal de Medicina (CFM) continua sem manifestação pública, mesmo diante de plataformas que estariam repetindo irregularidades evidenciadas?
O impacto dessas operações vai além do mercado digital: compromete a segurança do paciente, desorganiza a assistência farmacêutica e cria um ambiente fértil para falsificação documental, automedicação de risco e desvio completo do exercício profissional médico.
O ICTQ continuará monitorando o comportamento dessas plataformas e investigando outras que tenham surgido ou que estejam reproduzindo o mesmo modelo operacional. Informações, denúncias e evidências continuarão sendo apuradas.
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