A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) incluiu recentemente duas substâncias importantes nas listas da Portaria SVS/MS 344/1998, que regula entorpecentes, psicotrópicos, precursores e outras substâncias sob controle especial no Brasil. A Resolução RDC 999/2025 atualizou o Anexo I da Portaria e classificou o carisoprodol na Lista B1 (substâncias psicotrópicas) e o estiripentol na Lista C1 (outras substâncias sujeitas a controle especial).
Ao mesmo tempo, a própria norma criou uma regra específica para medicamentos contendo carisoprodol, que dispensa a retenção de receita e o registro no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), entre outras exigências. Para o farmacêutico, isso significa entender um cenário aparentemente paradoxal: a substância passa a ser controlada, mas os medicamentos que a contêm continuam com um regime de dispensação mais “leve” do que o esperado para a Lista B1.
Carisoprodol entra na Lista B1, mas com regime diferenciado
Pela RDC 999/2025, a Anvisa determinou três pontos centrais:
- Inclusão do carisoprodol na Lista B1 da Portaria 344/98.
- Criação do Adendo 16 na Lista B1, definindo regra específica para medicamentos contendo a substância.
- Inclusão do estiripentol na Lista C1.
O carisoprodol é um relaxante muscular de ação central, relacionado quimicamente ao meprobamato, utilizado para aliviar espasmos musculares e dor associada a quadros reumáticos e músculo-esqueléticos. No mercado brasileiro, o princípio ativo aparece, sobretudo, em associações analgésicas e anti-inflamatórias amplamente prescritas, como:
- Torsilax (diclofenaco sódico + carisoprodol + paracetamol + cafeína)
- Tandrilax (diclofenaco sódico + carisoprodol + paracetamol + cafeína)
- Mioflex A (diclofenaco sódico + carisoprodol + paracetamol + cafeína)
Esses medicamentos mantêm tarja vermelha e indicação para tratamento de reumatismo e dor musculoesquelética, com ação combinada anti-inflamatória, analgésica e relaxante muscular.
O que muda (e o que não muda) para Torsilax, Tandrilax e similares
O ponto que reduz a confusão no balcão está no Adendo 16 da Lista B1, explicitado pela própria Anvisa e detalhado por entidades técnicas como a Anfarmag: os medicamentos que contenham carisoprodol continuam sujeitos à venda sob prescrição médica, porém sem necessidade de retenção da receita.
A orientação publicada destaca:
- Medicamentos com carisoprodol estão sujeitos à “VENDA SOB PRESCRIÇÃO SEM RETENÇÃO DE RECEITA”;
- O controle da substância carisoprodol se aplica apenas à importação e exportação;
- Não há obrigatoriedade, para a farmácia comunitária, de:
- reter receita,
- escriturar em livro específico de controlados,
- enviar movimentação ao SNGPC apenas por causa do carisoprodol.
Assim, na rotina da farmácia comunitária, Torsilax, Tandrilax e similares seguem como medicamentos de venda sob prescrição simples, com registro no sistema comercial e documentação padrão da farmácia, mas não entram no fluxo de medicamentos controlados de Lista B1 voltados a psicotrópicos clássicos (como benzodiazepínicos).
Já para quem atua em distribuidoras, indústrias, hospitais que importam princípios ativos ou farmácias de manipulação que pretendam trabalhar com carisoprodol como insumo, o cenário é outro. A RDC nº 999/2025 determina que estabelecimentos que trabalhem com a substância, seus sais, éteres, ésteres e isômeros, bem como com medicamentos que os contenham, têm 60 dias a partir da vigência da norma para se adequar às exigências da Portaria 344/98 e de outras normas de produtos controlados, incluindo Autorização Especial e cumprimento da RDC nº 988/2025 sobre cota de importação.
Contudo, o próprio texto exclui expressamente os medicamentos com carisoprodol de vários capítulos e artigos da Portaria 344 e de normas correlatas, justamente os dispositivos que tratam de retenção de receitas, escrituração e fluxos típicos dos psicotrópicos sujeitos à Notificação B.
Por que controlar a substância sem engessar a dispensação?
Do ponto de vista sanitário, o movimento da Anvisa faz sentido:
- O carisoprodol tem potencial sedativo e age no sistema nervoso central, podendo causar sonolência e outros efeitos relacionados à depressão do SNC.
- Há preocupação internacional com uso crônico, dependência e desvio de uso em alguns países.
Ao mesmo tempo, no Brasil, a substância está presente em associações muito populares para dor e inflamação, usadas no dia a dia e já consolidadas na prática clínica. Levar todos esses medicamentos, de uma vez, para o mesmo nível de controle de outros psicotrópicos de Lista B1 poderia gerar um gargalo operacional enorme na farmácia comunitária, com impacto direto no acesso dos pacientes, sem tempo hábil para reorganizar o sistema.
A solução normativa encontrada foi controlar fortemente a substância em nível de cadeia produtiva (importação, exportação, Autorização Especial etc.), mas manter um regime intermediário para o medicamento pronto: prescrição simples, sem retenção, sem SNGPC.
Na prática, a responsabilidade recai ainda mais sobre o farmacêutico: a vigilância sobre o uso racional passa menos pela burocracia da receita retida e mais pela análise crítica da prescrição, orientação ao paciente e monitoramento de uso crônico e interações.
Estiripentol na Lista C1: foco em epilepsia de difícil controle
A mesma RDC nº 999/2025 incluiu o estiripentol na Lista C1, que reúne “outras substâncias sob controle especial” da Portaria 344/98.
O estiripentol é um antiepiléptico indicado como tratamento adjuvante, geralmente em combinação com clobazam e valproato, em casos de epilepsia grave, como a síndrome de Dravet, quando as crises não são adequadamente controladas apenas com a terapia padrão. No mercado internacional, um dos principais medicamentos à base de estiripentol é o Diacomit, utilizado em crianças com síndrome de Dravet.
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No Brasil, notas técnicas do Ministério da Saúde e de núcleos de apoio ao Judiciário apontavam, por muitos anos, que o medicamento à base de estiripentol não tinha registro na Anvisa, sendo acessado principalmente por importação excepcional em ações judiciais ou compras institucionais. A inclusão da substância na Lista C1 organiza o controle para esse tipo de cenário:
- Quando houver medicamento com estiripentol circulando em território nacional, ele passa a se submeter às regras gerais da Portaria 344 para a Lista C1, como exigência de Receita de Controle Especial em duas vias, retenção da segunda via e escrituração conforme normas em vigor.
- Para farmácias hospitalares e serviços que lidam com importação de medicamentos de alto custo para epilepsia refratária, haverá necessidade de enquadrar o estiripentol na mesma lógica de estoque, guarda, responsabilidade técnica e rastreabilidade dos demais C1.
Mesmo que ainda não seja um produto de prateleira na farmácia comunitária, o farmacêutico que atua em hospitais, clínicas de neurologia pediátrica, serviços públicos de alta complexidade ou em áreas de judicialização precisa conhecer a substância e seu novo status regulatório.
Checklist do farmacêutico diante das novas regras
Diante desse cenário, o farmacêutico não pode tratar a atualização da Portaria 344/98 como um mero detalhe burocrático. Há impactos concretos em rotinas, sistemas e, principalmente, na forma de exercer a responsabilidade técnica. Alguns pontos importantes:
- Revisar cadastros de produtos
- Conferir no sistema interno quais medicamentos contêm carisoprodol (por exemplo, Torsilax, Tandrilax e associações equivalentes) e garantir que estejam categorizados como “venda sob prescrição simples”, sem classificação indevida como “controlado B1” para efeito de retenção de receita ou SNGPC.
- Ajustar procedimentos internos
- Atualizar POPs para refletir que carisoprodol, enquanto substância, é Lista B1, mas os medicamentos prontos têm regime especial.
- Garantir que não haja registros desnecessários ou equivocados no SNGPC que possam distorcer indicadores de consumo de psicotrópicos.
- Orientar equipe de balconistas e outros farmacêuticos
- Deixar claro que não há retenção de receita para Torsilax, Tandrilax e similares, mas reforçar a necessidade de avaliar indicações, tempo de uso, histórico do paciente e possíveis interações, especialmente em pacientes polimedicados ou idosos.
- Para quem atua em hospitais e serviços de alta complexidade
- Verificar se há processos de importação ou uso de estiripentol em andamento e adaptar o controle para o novo enquadramento em C1, com atenção à documentação exigida pela Portaria 344 e normas complementares (como RDCs 471/2021 e 973/2025, que tratam de dispensação e retenção de receitas para medicamentos sob controle especial).
- Manter-se atualizado nas fontes oficiais
- Acompanhar periodicamente a página da Anvisa que consolida as listas de substâncias sob controle especial, onde são publicadas as atualizações da Portaria 344/98.
No fim das contas, a atualização da Portaria 344/98 com carisoprodol na Lista B1 e estiripentol na Lista C1 reforça o papel do farmacêutico como guardião da interpretação normativa. Não basta saber se retém receita ou não: é preciso entender a lógica por trás da norma, diferenciar substância de medicamento pronto, ajustar sistemas e, sobretudo, usar esse conhecimento para orientar prescritores, pacientes e gestores de forma crítica e responsável.
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