Se tiver uma dor de cabeça ou nas costas, a coordenadora de eventos Eliziê Brito, de 47 anos, que mora em Belo Horizonte, tem sempre um remédio ao alcance das mãos. Seja em sua nécessaire ou nos armários de casa e do trabalho, ela tem uma medicação para “solucionar” o problema. “Eu levo tudo que posso precisar, porque às vezes a dor aperta e precisamos de um remédio para resolver. É um costume de família, sou assim desde que me entendo por gente”, justifica.
O problema é que a automedicação – que é o ato de tomar um remédio por conta própria, sem orientação médica – é vista como um risco à saúde por especialistas. Um comportamento repetido por oito em cada dez brasileiros, conforme levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico (ICTQ) em parceria com o Instituto Datafolha.
O estudo, realizado em março de 2024 e divulgado em agosto, aponta que 86% dos entrevistados praticam a automedicação – equivalente a 138 milhões de pessoas no país. A maioria das pessoas que se automedicam são mulheres de 45 a 59 anos. O motivo mais comum é dor de cabeça (1.294), seguido de gripes e resfriados (1.007) e febre (792).
Sociólogo da Universidade UniArnaldo, Luciano Gomes dos Santos entende que a automedicação é fruto de uma relação desgastada entre população e sistema de saúde, em que as pessoas preferem tentar uma “solução mais rápida”. “Essa desconfiança nasce de vivências concretas: filas intermináveis, dificuldades para agendar consultas, falta de continuidade nos tratamentos e uma sensação frequente de que as queixas dos pacientes não são levadas a sério”, explica.
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Médica clínica da Santa Casa BH, Télcia Magalhães concorda com o especialista e completa que a automedicação pode mascarar sintomas de doenças mais graves. “O remédio pode ser usado para emergências, claro, mas nem sempre é uma dor de cabeça rotineira ou uma febre sem perigo. Pode ser um sintoma de algo muito maior que o paciente mascarou com um comprimido”, adverte.
Informação
Diretor do ICTQ, responsável pela pesquisa, o farmacêutico Ismael Rosa diz que, atualmente, as pessoas buscam mais informações, principalmente na internet, e que têm mais conhecimento, mas que, em vez de usarem isso para buscar ajuda especializada, muitos acabam tentando resolver a enfermidade sozinhas.
“Ter mais informação ainda não surtiu um efeito positivo ao ponto de vermos um declínio no hábito da automedicação no Brasil. Pelo contrário, percebemos um aumento importante e preocupante dessa prática”, alerta.
Apesar de entender os riscos, Eliziê justifica que se automedica quando precisa, mas busca fazer o consumo mais consciente possível. “Se os meus sintomas persistirem, eu vou ao médico. Não enrolo. Mas uso o remédio primeiro porque pode ser que eu não consiga ir ao médico, porque demora, né? Consulta particular é caro também, e, às vezes, vamos tentar marcar, e não tem mais vagas”, afirma.
Consequências são graves
De acordo com a clínica geral Télcia Magalhães, da Santa Casa de Belo Horizonte, além do perigo de a automedicação mascarar sintomas de uma possível doença grave, o uso indiscriminado de remédios pode levar o paciente a desenvolver outros males que podem ocasionar até mesmo na perda de órgãos.
Télcia conta que já atendeu a uma paciente que se queixava de dores e se automedicou sozinha. “Durante a triagem, ela explicou que estava tomando um anti-inflamatório sem orientação médica. Quando finalmente veio ao médico, estava com uma séria lesão no rim, ficou internada por 15 dias, mas não teve cura”, lamentou. A paciente perdeu o órgão e precisou de um transplante.
A especialista reforça que não há dose segura para se automedicar. “Todo remédio tem um risco. Quem estudou para indicar um remédio é o médico. Se foi feito o uso e o paciente notar alguma reação adversa, é preciso recorrer a um hospital”, afirma.
Pesquisa
A pesquisa do ICTQ sobre automedicação começou a ser realizada em 2014 e se repete a cada dois anos. No primeiro ano do estudo, 76% da população admitia se automedicar. Nos levantamentos seguintes, os resultados oscilaram entre 72%, em 2016, e 89%, em 2022. Em 2024, os pesquisadores entrevistaram 2.017 pessoas acima dos 16 anos em 113 municípios do Brasil.
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