Pesquisadores da USP desenvolveram um método que expande as possibilidades de avaliar o funcionamento das ilhotas pancreáticas, células que controlam o nível de açúcar no organismo e cujo mau desempenho está ligado à diabete. A técnica simplifica a preparação das amostras de ilhotas, permitindo medir o consumo de oxigênio e ter ideia de sua funcionalidade com o uso de vários equipamentos, sem necessidade de materiais exclusivos, o que poderá aprimorar diagnósticos e testes de medicamentos.
Os resultados do estudo estão em artigo na revista científica Molecular Metabolism em março deste ano. “Ilhotas pancreáticas são aglomerados de células presentes no nosso pâncreas, órgão que participa do sistema digestivo e também da produção de hormônios”, afirma a professora Eloisa Aparecida Vilas-Boas, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP, uma das autoras do trabalho. “As células das ilhotas produzem vários hormônios responsáveis pelo controle dos níveis de glicose (açúcar) no nosso organismo e a regulação da formação e utilização dos nossos estoques de energia”.
“Um dos principais hormônios é a insulina, produzida pelas células beta das ilhotas. A insulina direciona a glicose para ser estocada e inibe a utilização dos nossos estoques de energia quando temos um grande suprimento energético”, relata a professora. “Dessa forma, os estoques podem ser utilizados em situações em que precisamos de mais energia, como durante exercício físico, e em situações de jejum”.
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“Distúrbios da função das ilhotas pancreáticas podem levar ao desenvolvimento de uma doença chamada diabetes mellitus, em que os níveis de glicose do nosso corpo não são bem controlados”, ressalta Eloísa Aparecida Vilas-Boas. “A pessoa vai apresentar excesso de glicose na corrente sanguínea, mas não consegue usá-la para geração de energia por ausência de insulina ou por resistência à sua ação”.
Energia
A professora observa que a função das ilhotas pode ser avaliada de inúmeras maneiras. “Dentro das nossas células, temos um compartimento (organela) muito importante que é responsável pela geração de energia, chamada mitocôndria, cuja atividade está muito ligada a função das células que produzem insulina”, descreve. “As mitocôndrias usam oxigênio para geração de energia e seu consumo de oxigênio pode ser utilizado para avaliar a atividade delas”.
“Como as ilhotas são estruturas esféricas bem grandes, formadas por aglomerados de várias células, isso dificulta a utilização dos métodos convencionais para medidas de consumo de oxigênio”, diz Eloisa Aparecida Vilas-Boas. “A maioria dos estudos usa linhagens tumorais de células beta, que são modelos interessantes, mas menos robustos”.
Para medir o consumo de oxigênio, pode-se empregar o Oroboros, equipamento em que as células ou mitocôndrias isoladas são mantidas em suspensão. “As desvantagens são o uso de uma quantidade muito grande de amostras, extraídas de muitos animais, que precisa ser agitada o tempo todo, danificando as ilhotas”, enfatiza a professora. “Para evitar isso, foi criada uma câmara de isolamento que mantém as ilhotas seguras, mas esse dispositivo ainda não é comercializado e não elimina o problema do uso de grande quantidade de animais”.
Outro equipamento de medição é o Seahorse, em que as células são aderidas ao fundo de placas de cultivo especiais. “Elas são de dois tipos, uma desenvolvida exclusivamente para ilhotas e outra somente para estruturas esféricas, que foi adaptada, ambas bem mais caras que as tradicionais, e cada uma compatível apenas com um modelo do dispositivo”, relata Eloisa Aparecida Vilas-Boas. “Existe um terceiro equipamento disponível para medida do consumo de oxigênio, Resipher, que nunca havia sido adaptado para ilhotas”.
Medida
“Nossa proposta foi desenvolver um novo método, prático e robusto, que possibilitasse a medida do consumo de oxigênio em ilhotas utilizando a placa padrão, e não a especial, e que fosse compatível com qualquer modelo de equipamento”, salienta a professora. “O novo protocolo propõe a dispersão prévia e controlada das células das ilhotas, que são então aderidas à placa padrão”.
O método desenvolvido na pesquisa permitiu a avaliação do consumo de oxigênio usando os dois modelos do Seahorse, e também o Resipher, pela primeira vez. “As ilhotas apresentaram uma resposta robusta durante até uma semana, com viabilidade bastante alta”, enfatiza Eloisa Aparecida Vilas-Boas. “Nosso método também foi validado por outros ensaios funcionais e as células responderam adequadamente aos diversos estímulos testados”.
“A partir da avaliação da função de ilhotas, pode-se avaliar ilhotas de modelos animais e de pacientes com distúrbios na produção de insulina e entender melhor como essas células falham”, planeja a professora. “Além disso, será útil para investigações translacionais, como descoberta de candidatos farmacológicos e protocolos de transplante de ilhotas”
O estudo foi idealizado pela professora Eloisa Aparecida Vilas-Boas, do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da FCF, autora correspondente, e por Débora Santos Rocha, pós-doutoranda no Departamento de Bioquímica do Instituto de Química (IQ) da USP, primeira autora do artigo. O estudo foi realizado com o apoio dos professores Alicia Kowaltowski, Alexandre Bruni-Cardoso e o doutorando Antonio Carlos Manucci, do Departamento de Bioquímica do IQ.
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