O caso "tio Paulo" chocou o Brasil. Nas imagens feitas no último dia 16, Érika de Souza Vieira Nunes, de 42 anos, aparece conversando com Paulo Roberto Braga - o "tio Paulo" - de 68 anos, em uma agência bancária em Bangu, na Zona Oeste do Rio. Ela tentava sacar um empréstimo de R$ 17 mil. O problema é que quando isso aconteceu, o "tio Paulo" estava morto. Diante do idoso inerte, funcionários do banco acionaram o Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu), que atestou a morte de Paulo.
Érika foi presa em flagrante por vilipêndio de cadáver e furto mediante fraude. Após ver o vídeo que repercutiu no Brasil, um dos filhos de Érika, o bombeiro militar Lucas Nunes dos Santos, de 27, disse acreditar que a mãe “estava completamente fora de si”. Lucas contou que a mãe sofre de depressão desde 2019 e, nos últimos anos, ela tem vivido sob efeito de muitos remédios.
— Ela estava sob efeito de medicamentos. Tenho certeza de que ela não percebeu que o tio Paulo já tinha morrido. Em juízo normal, a minha mãe não ia conversar e pedir para um morto assinar um papel — afirma o bombeiro, lembrando o momento em que Érika tenta colocar uma caneta na mão do tio e pede a ele para assinar o documento.
Segundo o filho, o quadro de saúde psiquiátrico de Érika tem piorado nos últimos anos. No inquérito, obtido pelo GLOBO, a defesa da acusada apresentou relatórios médicos, atestando que ela iniciou em 2022 um acompanhamento intensivo, que indicou o uso de remédios. Um dos profissionais chegou a pedir a internação psiquiátrica da paciente “dependente de sedativos e hipnóticos”.
Em entrevista ao GLOBO, Elizeu Nunes dos Santos, irmão de Érika, revelou que um dos medicamentos usados pela irmã é o zolpidem. Indicado para o tratamento de distúrbios do sono, o hemitartarato de zolpidem é um hipnótico que age no sistema nervoso central e possui propriedades sedativas, relaxantes e ansiolíticas. Entre os seus efeitos adversos mais comuns, estão alucinações e amnésia.
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De acordo com o site americano Addiction Center, co-administrar zolpidem em altas doses com medicamentos antidepressivos, álcool, benzodiazepínicos, outros sedativos, pílulas para dormir ou medicamentos ansiolíticos aumenta o risco de efeitos colaterais , como alucinações. As alucinações podem ser auditivas, visuais ou táteis.
"Eventos adversos como alucinações e psicose foram relatados, particularmente com [Ambien] (nome comercial do zolpidem nos EUA). Crescentes relatos de efeitos comportamentais bizarros e complexos dos medicamentos-z (classe de medicamentos à qual pertence o zolpidem) levaram as agências reguladoras a emitir avisos e restrições à prescrição, dispensação e uso de medicamentos-z", escreveu o médico, Michael F. Weaver, especialista em vícios, na revista científica Yale Journal of Biology and Medicine.
A amnésia associada ao uso de zolpidem vai além do paciente simplesmente esquecer algum fato. Além de não se lembrar de nada depois de tomar o remédio, o indivíduo pode apresentar um comportamento estranho ou incomum.
Outros efeitos colaterais do remédio incluem:
Agitação;
Pesadelos;
Sonambulismo;
Depressão;
Sonolência;
Dor de cabeça;
Tontura;
Distúrbios cognitivos (tais como amnésia anterógrada);
Diarreia;
Náusea;
Vômito;
Dor abdominal;
Fadiga;
Dor nas costas;
Infecção do trato respiratório superior;
Infecção do trato respiratório inferior.
“Dirigi por aí dormindo”. “Mandei áudios no grupo do trabalho”. “Esqueci como falar português”. Os relatos de experiências que aconteceram durante o uso de zolpidem se multiplicam nas redes sociais. No entanto, especialistas afirmam que o medicamento por si só não é um problema, e sim, o uso inadequado, o quadro de dependência e a busca pelos comprimidos para fins recreativos.
O medicamento é destinado ao tratamento da insônia (dificuldade para dormir) que pode ser ocasional (eventual), transitória (passageira) ou crônica (que dura há muito tempo). O medicamento é um hipnótico não-benzodiazepínico do grupo das imidazopiridinas. Seu efeito começa de 15 a 30 minutos após a ingestão. Devido à sua rápida ação, é recomendado que se tome o remédio ao se deitar para dormir.
— Se é uma pessoa que toma direito, indicado pelo médico, na cama, sem ultrapassar o limite de quatro semanas, pontualmente, nós não temos problemas com a medicação. É um bom remédio, o problema é esse uso indevido — diz a neurologista Rosa Hasan, coordenadora do Ambulatório de Sono do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista ao GLOBO sobre o assunto.
Por outro lado, esse fármaco não é de uso prolongado. De acordo com a neurologista Dalva Poyares, professora de medicina do sono na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisadora do Instituto do Sono, em entrevista ao GLOBO sobre o assunto, exceder o prazo da bula de quatro semanas é uma das principais causas da dependência.
— Com o uso crônico, você pode desenvolver tolerância, ou seja, precisar de uma dose maior para ter o mesmo efeito, e ele começa a reduzir o tempo. Então a pessoa passa a acordar no meio da noite, por causa do Zolpidem, e toma outro — diz a especialista.
Ambas atendem uma série de pacientes com quadros de vício, e a quantidade cresce em ritmo alarmante. Além dos riscos já conhecidos pelo comportamento inconsciente – como bater de carro, ter relações sexuais indesejadas e desprotegidas, passar por situações de constrangimento ou criar despesas financeiras –, a dependência a longo prazo pode levar a problemas neurológicos, como de memória, e a um quadro ainda pior de insônia.
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