A atuação do farmacêutico clínico no combate ao tabagismo no Brasil

A atuação do farmacêutico clínico no combate ao tabagismo no Brasil

O tabagismo ativo pode ser definido como o uso engajado de produtos derivados do tabaco a partir de sua queima (cigarro, cigarro de palha, cachimbo, charuto, narguilé) e é considerado a principal causa evitável de adoecimento e morte no mundo. Anualmente, essa doença mata cerca de 7 milhões de pessoas no mundo, sendo 200 mil somente no Brasil. O tabaco é a única droga legal que mata dois a cada três dos seus usuários regulares. Além disso, o fumo é o maior risco controlável para doenças cardiovasculares, que, no País, matam mais de mil pessoas por dia, segundo dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).

“Se nada mudar, em 2030 deve subir para mais de 8 milhões de mortes por ano. Estima-se que até 50% de todos os usuários de tabaco morrerão por uma doença relacionada a ele, ou seja, é um problema de saúde pública. A cessação do tabagismo precoce apresenta imensos benefícios do ponto de vista econômico e uma excelente estratégia de saúde pública”, afirma o executivo de varejo, consultor, diretor de Marketing do Grupo Farma Ponte e professor do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Ricardo Silveira Leite.

A SBC atesta que, embora os benefícios em parar de fumar sejam impactantes e, com certeza, esta seja uma das estratégias de saúde mais eficazes para redução de mortes em todo mundo, parar de fumar não é tarefa fácil. Além das dificuldades de libertar-se da dependência química causada pelo cigarro, muitos pacientes retardam essa decisão de largar este hábito por temerem o ganho de peso.

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Ainda segundo a SBC, apesar do número de fumantes estar diminuindo desde 1993, o tabagismo não deixou de ser uma preocupação e uma questão importante da saúde pública. Pelo contrário, o cigarro é considerado a porta de entrada para outras drogas ilícitas, cujo consumo tem cada vez mais aumentado, em especial entre a população mais jovem, em nível mundial.

O tabagismo é a maior causa de morte evitável em todo o mundo. Dados do Vigitel 2021 mostraram que o percentual total de fumantes com 18 anos ou mais no Brasil é de 9,1%, sendo 11,8% entre homens e 6,7% entre mulheres. Os homens por sua vez representam um número maior na prática do tabagismo, seguido por indivíduos classificados como de outra cor de pele e com menor escolaridade.

“A evolução dos cigarros e outros produtos do tabaco ocorreu por meio de inovações na agricultura do tabaco, processos de fabricação, aditivos químicos e recursos de design, culminando na grande variedade de produtos atraentes que fornecem nicotina disponíveis hoje. No entanto, essas inovações também tornaram os derivados do tabaco mais perigosos: mais viciantes, mais tóxicos e mais atraentes para aqueles que os usam”, fala o professor de Farmácia Clínica do ICTQ, Alipio Carmo.

Segundo ele, taxas mais altas de tabagismo em diferentes grupos populacionais estão associadas a uma série de fatores psicológicos, sociais, econômicos e culturais interativos que influenciam as pessoas que começam a fumar e a seguir padrões de comportamentos característicos. Uma série de fatores influenciam a aceitação e os padrões de tabagismo, incluindo: baixa renda, habitação precária e desemprego, exposição à nicotina durante a infância, ansiedade e depressão, exemplo dos pais e colegas, marketing direcionado e mais intensivo pela indústria do tabaco etc.

Em particular, conforme o professor, os grupos populacionais com taxas mais altas de tabagismo têm maior probabilidade de estar em ambientes onde fumar é a norma e de ter familiares e amigos que fumam. Os ambientes pró-tabagismo influenciam a aceitação do tabagismo.

“Fumar causa câncer, doenças cardíacas, acidente vascular cerebral (derrames), doenças respiratórias, diabetes, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), que inclui enfisema e bronquite crônica. Também aumenta o risco de certas doenças hipertensivas (arterial, pulmonar e ocular) e problemas do sistema imunológico, incluindo artrite reumatoide”, elenca Carmo.

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A fumaça do cigarro é uma mistura de aproximadamente 4.720 substâncias tóxicas diferentes; que se constitui de duas fases fundamentais: particulada e gasosa. A fase gasosa é composta, entre outros, por monóxido de carbono, amônia, cetonas, formaldeído, acetaldeído, acroleína. A fase particulada contém nicotina e alcatrão. Essas substâncias tóxicas atuam sobre os mais diversos sistemas e órgãos e contém mais de 60 cancerígenos.

  • Nicotina - é a causadora do vício e cancerígena;
  • Benzopireno - substância que facilita a combustão existente no papel que envolve o fumo;
  • Substâncias Radioativas - polônio 210 e carbono 14;
  • Agrotóxicos - Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT);
  • Solvente - benzeno;
  • Metais Pesados - chumbo e o cádmio (um cigarro contém de 1 a 2 mg, concentrando-se no fígado, rins e pulmões, tendo meia-vida de 10 a 30 anos, o que leva a perda de capacidade ventilatória dos pulmões, além de causar dispneia, enfisema, fibrose pulmonar, hipertensão, câncer nos pulmões, próstata, rins e estômago);
  • Níquel e Arsênico - armazenam-se no fígado e rins, coração, pulmões, ossos e dentes resultando em gangrena dos pés, causando danos ao miocárdio etc.

Atuação do farmacêutico e o papel das farmácias para o tratamento do tabagismo

Segundo Carmo, os farmacêuticos podem fornecer educação e ajudar a encontrar os medicamentos certos para parar de fumar. Muitas farmácias oferecem aconselhamento para cessar o hábito e podem realizar acompanhamento farmacêutico em todo o processo. Durante as sessões de aconselhamento, o farmacêutico coletará um histórico de saúde, informações básicas sobre o hábito de fumar e ajudará a determinar em que ponto o paciente está parando. A partir daí, o profissional pode ajudá-lo a formar um plano e motivá-lo. O farmacêutico pode propor a terapia de reposição de nicotina e outros medicamentos que ajudam na cessação do tabagismo.

“O papel do farmacêutico na cessação do tabagismo é oferecer ajuda aos fumantes. Os farmacêuticos desempenham um papel crucial na saúde pública no que diz respeito aos serviços de cessação tabágica. Estudos em todo o mundo mostram que farmacêuticos treinados que auxiliam os serviços de cessação do tabagismo são mais eficientes e levam a um período sustentado de encerramento do hábito de fumar”, afirma Carmo.

A farmácia é um dos serviços de saúde que apresentam inúmeras vantagens e já proporciona diariamente a cessação tabágica. Os estabelecimentos farmacêuticos são mais fáceis de acessar, não são tão lotados quanto os hospitais e outras unidade de saúde, requerem menos procedimentos, tem horários mais flexíveis de funcionamento e fornecem um ambiente seguro e amigável para o acompanhamento do paciente. As farmácias podem ser facilmente localizadas em quase todas as regiões, e os fumantes podem visitar a qualquer hora, sem hora marcada e receber a ajuda necessária.

“O acompanhamento é a fase mais determinante do processo farmacêutico. É nele que vamos trabalhar para transformar o paciente em um ex-fumante, ajudar a suportar as crises e as dificuldade apresentadas pela abstinência e verificar a efetividade do tratamento proposto”, fala Leite.

Os farmacêuticos podem ajudar a identificar as interações entre os medicamentos dos pacientes, estados de doença e tabagismo e, assim, incentivar a cessação logo no ponto de atendimento. Os profissionais de Farmácia passaram a ser um ponto focal para fornecer conselhos sobre como parar de fumar devido à sua ampla interação com a comunidade em geral. De acordo com Carmo, a terapia de reposição de nicotina está disponível na maioria das farmácias sem receita médica.

“Primeiro, é importante a postura do farmacêutico no dia a dia. Ele deve ser um profissional centrado em entender a necessidade do paciente. Sabemos que o tabagismo tem uma série de implicações na saúde e na qualidade de vida de uma pessoa e para o farmacêutico alcançar sucesso em sua abordagem ele tem que estabelecer uma relação de confiança com o paciente para ter abertura de perguntar ou identificar se o cliente é um fumante e gostaria de aderir ao programa de parar de fumar”, fala Leite.

O executivo de varejo ressalta também a necessidade de o profissional desenvolver habilidade de comunicação para fazer um processo de abordagem assertivo e obter êxito no programa de cessão do tabagismo, assim como de investir tempo em estudar diferentes metodologias de abordagem comportamental e conhecer sobre a farmacologia dos medicamentos prescritos pelos médicos para trabalhar a adesão correta do tratamento, se aprofundando em conhecimentos sobre terapia de reposição de nicotina.

Os pacientes visitam o farmacêutico para serviços de prescrição, bem como aconselhamento clínico sobre seus medicamentos, incluindo medicamentos de venda livre e terapias à base de ervas. A conveniência da farmácia próxima a sua residência ou ao local de trabalho facilita o acesso a um profissional, são fatores vitais em um programa para parar de fumar.

Segundo Leite, o conhecimento do farmacêutico fará toda a diferença, pois traz poder da credibilidade do profissional e isso permitirá que o cliente/paciente possa aceitar a proposta do tratamento. A prescrição deve ser baseada nas informações obtidas no primeiro encontro, também chamado de preparação, após o farmacêutico aplicar o protocolo de atendimento a seguir:

  1. Acolher o cliente onde o objetivo é deixá-lo confortável, transmitir como será a consulta farmacêutica e obter informações necessárias para o próximo passo do protocolo de atendimento;
  2. Avaliar, através dos dados obtidos no passo 1, e entender qual é o objetivo do cliente em parar de fumar, sejam em 30 dias, seis meses e assim por diante;
  3. Aconselhar, baseado nas informações obtidas nos passos 1 e 2, e repassar as informações que vão orientar o cliente sobre as decisões a serem tomadas por ele para obter resultado no objetivo de parar de fumar; deve-se mostrar os ganhos de qualidade de vida após largar o tabagismo e conscientizá-lo dos desafios, assim como obter o compromisso dele;
  4. Marcar a data do segundo encontro, quando será proposto o plano de ação para o cliente; e
  5. Nos próximos encontros serão realizados os acompanhamentos e verificado a evolução do cliente.

“O farmacêutico é mais familiarizado com as necessidades de terapia medicamentosa de seus pacientes. Os profissionais de Farmácia estarão disponíveis para apoiar os pacientes que desejam parar de fumar, aumentando as opções de aconselhamento, fornecendo materiais para parar de fumar e melhorando o acesso aos serviços de cessação do tabagismo para pessoas com doenças crônicas. O programa antitabagismo inclui uma avaliação de prontidão onde um paciente pode se inscrever na farmácia, bem como uma primeira consulta e várias sessões de aconselhamento, de acompanhamento durante o período necessário”, conta Carmo.

O farmacêutico pode fornecer mais informações sobre terapias usadas ou ajudar o paciente a reduzir o número de cigarros que fuma por dia. O profissional também pode fazer um plano de cuidados personalizados.

“Em minha opinião a farmácia/drogaria ou consultório farmacêutico deve deixar bem comunicado em sua unidade os serviços prestados e na farmácia/drogaria toda a equipe deve saber criteriosamente sobre o programa ‘parar de fumar’. Isso faz toda a diferença, pois os demais colaboradores podem divulgar e encaminhar para o farmacêutico quando o paciente solicitar”, assegura Leite.

Ainda segundo ele, outro fator importante é o farmacêutico produzir conteúdo sobre o tema e disponibilizar nas mídias sociais do estabelecimento ou em suas próprias redes, pois o marketing de conteúdo atrai as pessoas que estão interessadas no assunto e transformam o farmacêutico em autoridade sobre o tema. “Essa estratégia vai permitir que os pacientes encontrem na farmácia e no farmacêutico a ajuda que precisam”, afirma o executivo de varejo.

Tabagismo é principal fator de risco para câncer de pulmão

O tabagismo é o fator de risco número um para o câncer de pulmão – em muitos países, o tabagismo está associado a cerca de 70% a 90% das mortes por esse tipo de câncer. O uso de outros produtos de tabaco, como charutos ou cachimbos, dispositivos eletrônicos (cigarro eletrônico) também aumenta o risco.

“A fumaça do tabaco tem mais de 60 substâncias cancerígenas conhecidas. Pelo menos 16 carcinógenos estão presentes no tabaco não queimado. Esses carcinógenos vêm de várias classes químicas, como hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, N-nitrosaminas, aldeídos, hidrocarbonetos orgânicos voláteis e metais pesados. Os carcinógenos da fumaça do cigarro exercem seus efeitos por meio de vários mecanismos genotóxicos e/ou não genotóxicos. O tabagismo pode causar câncer de boca e garganta, esôfago, estômago, cólon, reto, fígado, pâncreas, cordas vocais (laringe), traqueia, brônquios, rins e pelve renal, bexiga e colo do útero e ainda leucemia mieloide aguda”, afirma Carmo.

Para o farmacêutico-oncológico, Coordenador do Serviço de Pesquisa Clínica no Instituto do Câncer do Ceará e professor do ICTQ, Nelson Belarmino, a população precisa ter ciência de que os prejuízos gerados pelo uso do tabaco são cumulativos e quanto mais tempo uma pessoa fuma, maior será o seu risco de vir a sofrer doenças, que inclusive poderão levar à morte.

Apesar de proibido no Brasil, o uso do cigarro eletrônico vem crescendo em ambientes de festa, bares e restaurantes, principalmente por jovens. Seus efeitos na saúde já são comprovados. O equipamento gera partículas ultrafinas que conseguem ultrapassar a barreira dos alvéolos pulmonares e ganhar a corrente sanguínea, fazendo o corpo reagir com uma inflamação.

Segundo a SBC, muitas vezes, quando a inflamação acontece na parede do endotélio, que recobre as artérias, ele pode ser lesionado e deflagrar eventos cardiovasculares agudos, como infarto e síndrome coronariana aguda. A nicotina também tem influência no coração, porque aumenta a frequência cardíaca e a pressão arterial.

“É cada vez mais comum entre os jovens o uso dos cigarros eletrônicos, também conhecidos como vapes, e-cigarros ou pen drive que são dispositivos mecânico-eletrônicos que exalam aerossol contendo nicotina, além de conter mais de 80 substâncias químicas, dentre elas, substâncias carcinogênicas comprovadas. Dentre os problemas observados pelo uso, não podemos deixar de ressaltar a possibilidade de aumento do risco de trombose, AVC, hipertensão, infarto do miocárdio, e ainda podem ser responsáveis por doenças importantes, como cânceres de pulmão, esôfago, boca, pâncreas, bexiga e enfisema”, reitera Belarmino.

A nicotina em e-cigarros e cigarros regulares é viciante. Os cigarros eletrônicos são considerados produtos de tabaco porque a maioria deles contém nicotina. A exposição à nicotina também pode prejudicar o desenvolvimento do cérebro de adolescentes e adultos jovens, que continua até meados dos 20 anos. No Brasil, os cigarros eletrônicos são proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Ministério da Saúde. Os cigarros eletrônicos são tóxicos para os fetos em desenvolvimento, desta forma também não recomendado para gestantes.

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