Pesquisadores brasileiros descobriram que soros produzidos por cavalos para o tratamento da Covid-19 têm, em alguns casos, até 100 vezes mais potência em termos de anticorpos neutralizantes do vírus gerador da doença. Os cientistas brasileiros anunciarão a descoberta nesta quinta-feira (13/8) em sessão da Academia Nacional de Medicina (ANM).
A pesquisa foi iniciada em maio e contou com a colaboração de pesquisadores brasileiros de várias instituições científicas. A informação foi dada à Agência Brasil pelo coordenador do projeto, Jerson Lima Silva, do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Silva apresenta os resultados dos estudos hoje (13/8) à noite, durante simpósio sobre Covid-19 na ANM, com transmissão pela internet. Na ocasião, o pesquisador anunciará também o depósito de patente para garantia do processo tecnológico produzido no Brasil e a submissão de publicação no MedRxiv, que é um repositório de resultados preprint, ou seja, pré-publicados.
Segundo o pesquisador, que é também presidente da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), quando começou, o projeto visava a obter gamaglobulina purificada, material biológico mais elaborado do que soros antiofídicos e antitetânicos.
Esse soro é chamado hiperimune ou gamaglobulina hiperimune porque os pesquisadores inocularam o antígeno, durante três semanas, nos plasmas de cinco cavalos do Instituto Vital Brazil (IVB), laboratório oficial do governo fluminense. Os equinos estão em uma fazenda da instituição em Cachoeiras de Macacu, na região metropolitana do Rio de Janeiro.
Como se deu a pesquisa
Os animais foram inoculados com a proteína S (Spike) recombinante do novo coronavírus, produzida no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) e, após 70 dias, os plasmas dos equinos apresentaram anticorpos neutralizantes muitas vezes mais potentes contra o novo coronavírus do que os plasmas de pessoas que tiveram Covid-19 e estão em convalescença, revelou Jerson Lima Silva.
“A gente vê que o anticorpo do cavalo, em alguns casos, é próximo de 100 vezes mais alto. Entre 50 e 100 vezes”, disse Silva. Isso significa que os anticorpos produzidos pelos animais neutralizam o vírus da Covid-19 com até 100 vezes mais potência, “mesmo quando a gente vai para a preparação final dos soros”.
Silva acrescentou que o resultado da inoculação nos cavalos foi uma grande surpresa para os pesquisadores. “Os animais nos deram uma resposta impressionante de produção de anticorpos. Inoculamos em cinco e agora estamos expandindo para mais cavalos”, esclareceu à Agência Brasil. Quatro dos cinco equinos responderam muito rapidamente. “O quinto (animal), assim como acontece nos humanos, teve uma resposta mais demorada, mas também respondeu produzindo anticorpos”.
De acordo com o pesquisador, outra vantagem dos cavalos é a quantidade de soro produzida por animal. “Por exemplo, no caso de raiva, um só um cavalo produz 600 ampolas da imunoglobulina para tratamento”, afirmou Silva em entrevista ao G1. A proteína inoculada nos equinos gera uma resposta imunológica, mas não deixa que o vírus infecte os animais.
O coordenador do projeto explicou que outra vantagem do estudo é que ele é complementar às possibilidades de vacinas contra o vírus, cuja maioria se baseia na proteína da coroa. A ideia é que o soro produzido a partir dos plasmas dos equinos inoculados seja usado como tratamento, por meio de uma imunoterapia, ou imunização passiva. A vacina seria complementar.
Enquanto não há vacinas aprovadas e diante da dificuldade em atender à grande demanda em todo o mundo, o uso potencial da imunização passiva por terapia com soro deve ser considerado uma opção, segundo os pesquisadores. A soroterapia é um tratamento bem-sucedido e usado, há décadas, contra doenças como raiva, tétano e picadas de abelhas, cobras e outros animais peçonhentos, como aranha e escorpiões. Os soros produzidos pelo IVB têm excelente resultado de uso clínico, sem histórico de hipersensibilidade ou quaisquer outras eventuais reações adversas.
Solicitação de patente
De acordo com Silva, os resultados positivos levaram ao pedido de patente (feito por ele e pelo presidente do IVB, o médico Adilson Stolet) relativo ao processo de produção do soro anti-Covid-19, a partir da glicoproteína da espícula (coroa) do vírus com todos os domínios – preparação do antígeno, hiperimunização dos equinos, produção do plasma hiperimune, produção do concentrado de anticorpos específicos e do produto finalizado, após a sua purificação por filtração esterilizante e clarificação, envase e formulação final.
O trabalho científico envolve parceria da UFRJ, IVB, Coppe/UFRJ e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Estamos juntando a expertise de várias pessoas”, salientou Silva à Agência Brasil. Ele também destacou a relevância da patente. “É importante fazer essa etapa de patente. Tudo foi desenvolvido aqui no Brasil e é importante fazer essa proteção intelectual”, frisou ao G1.
O pesquisador da UFRJ revelou que o próximo passo será a aprovação dos estudos clínicos, os testes em humanos, para averiguar a segurança de um tratamento sorológico contra a Covid-19. Ele disse já estar em contato com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para isso.
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Após a aprovação pela Anvisa e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), o grupo de pesquisadores vai iniciar os testes clínicos, com foco nos pacientes com diagnóstico confirmado de Covid-19 que estejam internados, mas não se encontram em unidades de terapia intensiva. Os testes vão comparar quem recebeu o tratamento com quem não recebeu.
“A gente está bem otimista. Mas essa é uma etapa que tem de ser feita”, explicou Silva à Agência Brasil. Ele informou ainda que pretende firmar parcerias com outros laboratórios semelhantes que produzem soro no Brasil, localizados em São Paulo e Minas Gerais, por exemplo, “porque será preciso muito material”. Os estudos clínicos ocorrerão em parceria com o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor).
A pesquisa tem apoio financeiro da Faperj, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Além de Jerson Lima Silva e Adilson Stolet, também participaram da pesquisa: Leda Castilho e Renata Alvim (Coppe/UFRJ); Luís Eduardo Ribeiro da Cunha e Marcelo Strauch (IVB); Amilcar Tanuri, Andrea Cheble Oliveira, André Gomes, Victor Pereira e Carlos Dumard (UFRJ); Thiago Moreno Lopes (Fiocruz); e Herbert Guedes (UFRJ/Fiocruz).
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