Circula pelas redes sociais um vídeo em que nossa eterna rainha do rock, Rita Lee, foi vítima de fake news produzida por inteligência artificial (IA). Assim não há quem descanse em paz! Nesse vídeo, a autora de diversos clássicos da música brasileira, estaria dizendo: “Eu financiei 40% da pesquisa científica do remédio para TDAH, e a Anvisa colocou o nome Ritalina em minha homenagem, e eu fiquei muito honrada!”.
Claro que o farmacêutico e outros profissionais de saúde devem estar rindo da situação (ou chorando!). Brincadeira à parte, vale discorrer um pouco sobre o tema e elucidar essa história, também para preservar a imagem de nossa Rita Lee, que faleceu aos 75 anos (31/12/1947 – 8/05/2023).
Vejam bem: a Ritalina teria sido descoberta em 1944 (três anos antes do nascimento da cantora) por um médico norte-americano. Além disso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi criada, no Brasil, em 26 de janeiro de 1999 (55 anos após o descobrimento e a nomeação desse medicamento) – fatos que provocam deduções elementares.
A Ritalina é o nome comercial do cloridrato de metilfenidato, e é fabricada pelo laboratório Novartis. É um fármaco estimulante do sistema nervoso central (SNC), estruturalmente relacionado com as anfetaminas, das classes feniletilaminas e piperidinas, usado no tratamento medicamentoso dos casos de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), narcolepsia e hipersonia idiopática do sistema nervoso central.
O professor do ICTQ - Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico e coordenador de Assessoramento em Monitoramento e Avaliação do Resultado Regulatório da Anvisa, Henrique Mansano, explica que todo insumo farmacêutico ativo (IFA) tem a sua Denominação Comum Brasileira (DCB), que é a denominação do fármaco ou princípio ativo aprovada pelo órgão federal responsável pela vigilância sanitária (Lei 9.787/1999).
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“Essa informação do vídeo não tem nenhum respaldo. Dentro das normas da Anvisa, quando uma indústria desenvolve uma nova molécula, ela tem a função de insumo farmacêutico ativo. Para que possa ser utilizada no medicamento, ela precisa ter uma denominação comum brasileira. Existem regras específicas para estabelecer essa DCB, e, muitas vezes, ela deriva de uma denominação comum internacional, determinada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Então, não pode o órgão regulador tentar homenagear determinado artista, colocando um nome que faça referência a ele em um insumo farmacêutico ativo, como seria o caso da Ritalina”, destaca Mansano.
O professor vai além, dizendo que, em 2014, a Anvisa publicou a RDC 59 que dispõe sobre os nomes dos medicamentos, seus complementos e a formação de famílias de medicamentos. “Essa normativa estabelece as regras para que uma empresa coloque o nome no medicamento. Nesse caso, é importante que o farmacêutico saiba diferenciar o que é o nome do medicamento, a marca e a DCB, que é o nome do princípio ativo”.
Ele exemplifica com o Ozempic, que é uma marca de um medicamento. Ele tem como princípio ativo a semaglutida. Para manter o nome Ozempic, o laboratório teve que solicitar para a Anvisa a autorização para utilizá-lo, sempre com base nas regras da RDC 59/2014.
Pesquisas clínicas
A RDC 945/2024 define as diretrizes e os procedimentos para a realização de ensaios clínicos com medicamentos que possuem o todo ou parte de seu desenvolvimento clínico no Brasil para fins de registro no país. A norma entrou em vigor em 1º de janeiro de 2025 e revogou a RDC 9/2015 e a RDC 449/2020.
“A RDC 945/2015 diz que tanto uma empresa, um CNPJ, como uma pessoa física, podem ser o patrocinador de uma pesquisa clínica. Então, um jogador de futebol famoso ou um cantor famoso, tendo recursos próprios, pode financiar uma pesquisa, um ensaio clínico de um medicamento. Isso é totalmente possível, e não há limitação sobre o valor despendido para o financiamento de um ensaio clínico”, fala Mansano.
Isso pode ser feito desde que se assuma também as obrigações que recaem sobre o patrocinador da pesquisa clínica, com base na citada RDC 945/2024. “Há, também, uma série de responsabilidades com os participantes da pesquisa que o patrocinador assume também”, detalha ele.
De acordo com a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), uma pesquisa clínica para o desenvolvimento de um medicamento custa milhões de reais, podendo chegar a custar bilhões, se for, por exemplo, um produto de terapia avançada. De fato, não é muito barato para que uma pessoa física, por exemplo, consiga financiar uma pesquisa clínica.
Farmacêuticos, atenção!
“É importante que o farmacêutico, quando deparar esse tipo de vídeo fake, produzido por IA para gerar engajamento, perceba que ele não corresponde à realidade. Então, às vezes pode ser até um artista que possa ter falado isso de uma forma anedótica, então é importante que ele busque a informação no local oficial”, alerta Mansano.
Ele cita o site da Anvisa, por exemplo, como um dos locais oficiais para se buscar informações sobre nome de medicamentos, princípios ativos e outros temas relacionados aos fármacos.
Além disso, é fundamental não passar nenhuma informação para a frente, sem a certeza absoluta sobre sua veracidade. Há os que digam: “eu compartilhei...era somente uma brincadeira...ninguém vai acreditar nisso”. Vai sim! As pessoas acreditam no que foi compartilhado e dissipado por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens, e acabam assumindo uma mentira como verdade.
Notícias falsas sobre saúde contribuem para que os pacientes deixem de ter credibilidade nas classes farmacêuticas, médicas e científicas. As pessoas tendem a não procurar informações em fontes confiáveis, como sites de instituições governamentais e de saúde. E, mesmo quando as procuram, podem acabar acreditando que as vias alternativas e falsas são as ideais.
O tema é tão sério que uma das maiores organizações de comunicação nacional lançou um programa intitulado Fato ou Fake. O intuito é alertar os brasileiros sobre conteúdos duvidosos compartilhados pela internet ou por aplicativos de mensagens no celular, esclarecendo o que é notícia (fato) e o que é falso (fake).
Além disso, para alertar e conscientizar a população sobre os perigos do compartilhamento de informações falsas, em 1.º de abril de 2019, representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), das associações da magistratura e dos tribunais superiores e da imprensa lançaram o Painel de Checagem de Fake News. Os parceiros do Painel contribuem para o projeto dentro de sua área de atuação e com as ferramentas de que dispõem para checar dados e realizar ações de alerta à sociedade sobre o perigo da informação falsa.
Entidades como Fundação Getúlio Vargas (FGV), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Nacional de Jornais (ANJ), Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel) e Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), além de observadoras e consultoras do Painel, atuam na conscientização dos males causados por notícias falsas. Há vários atores empenhados nessa jornada contra as fake News: Agência Aos Fatos, Boatos.Org, UOL Confere, Agência Lupa, Estadão Verifica e G1 / Fato ou Fake etc.
A verdade sobre a Ritalina
Segundo informações do renomado portal de notícias da revista Super Interessante, da editora Abril, em 1937, o médico Charles Bradley trabalhava como diretor do primeiro hospital psiquiátrico infantil dos EUA, e conduzia um tipo de exame de imagem cerebral que costumava causar enxaqueca nos pacientes.
Para aliviar a dor, Bradley resolveu testar um remédio então recém-aprovado nos EUA, a benzedrina. Tratava-se de um estimulante anfetamínico vendido inicialmente como um descongestionante nasal – mas que, ao ser comercializado em comprimidos, virou remédio para casos de fadiga, narcolepsia (sonolência excessiva) e depressão.
Pouco tempo depois, Bradley, enfermeiras e professores do hospital notaram um efeito inesperado: crianças que haviam tomado a medicação apresentaram melhora no comportamento e no desempenho escolar.
Assim, Bradley publicou a descoberta desse medicamento, que seria o precursor da Ritalina, ainda em 1937, mas ela só se disseminou na segunda metade dos anos 1950. Foi quando ganharam tração os estudos que levariam, anos mais tarde, ao diagnóstico do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade – o TDAH.
Desde então, os derivados anfetamínicos (caso da benzedrina de Bradley, hoje em desuso) têm sido largamente usados para tratar quadros de desatenção e hiperatividade.
Na virada da década de 1930 para 1940, o laboratório suíço CIBA tentava desenvolver um novo tipo de estimulante com o objetivo de aderir à moda desse tipo de substância, que estava em alta.
Em 1944, o italiano Leandro Panizzon, funcionário da CIBA, sintetizou uma substância chamada metilfenidato. Ele resolveu levá-la para casa e testá-la com sua esposa (algo impensável com as atuais medidas sanitárias e de segurança).
Logo após começar o tratamento com metilfenidato, a mulher de Leandro, Margarita Panizzon, percebeu que havia melhorado os seus jogos de tênis, estava mais disposta e focada na partida. A CIBA, então, patenteou o novo estimulante em 1950. E Leandro batizou o remédio em homenagem ao apelido de sua esposa: Ritalina, que só foi aprovado nos EUA com esse nome em 1954.
Atualmente, o metilfenidato e os anfetamínicos compõem a primeira linha de tratamento medicamentoso para o TDAH. Os estimulantes melhoram, em algum grau, 70% dos casos desse transtorno, que afeta 5% das crianças e adolescentes do mundo e 2,5% dos adultos.
Atualmente, a Novartis herdou a Ritalina em seu portfólio, fruto da convergência de três empresas: a Ciba, que começou produzindo corantes em 1859; a Geigy, uma empresa de produtos químicos e corantes fundada em Basileia, na Suíça, em meados do século 18; e a Sandoz, uma empresa química também fundada na Basileia em 1886.
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