Muito barulho por pouco! O Conselho Federal de Medicina (CFM) acaba de publicar a Resolução 2.227/18, que regulamenta as atividades da telemedicina no País! Nessa mesma onda estão os meios de comunicação, como a Revista Veja (13/fev/19), a Folha de S. Paulo e o Programa Fantástico, da Rede Globo, tentando entender o que, exatamente, vem a ser essa telemedicina que... convenhamos...já tem seus antecessores ligados ao segmento farmacêutico!
A pergunta é: essa atividade remota servirá como um substituto do dr. Google? Não se sabe! O fato é que essa resolução, que é focada exclusivamente na área médica, está causando polêmica porque parece que o atendimento remoto se configura como uma contraposição ao humanismo que deveria acontecer no atendimento médico!
Para os médicos o atendimento remoto até pode ser uma novidade...para os farmacêuticos isso já existe! A questão mais profunda dessa discussão está ligada mesmo ao papel do profissional de saúde nesse cenário. Tanto a telemedicina como a telefarmácia poderia substituir o importante papel assumido pelo Google na busca por alívio de problemas de saúde, na medida em que aumenta o acesso da população aos tratamentos? Parece que essa seria uma saída muito honrosa.
A pesquisa do ICTQ - Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, intitulada Autodiagnóstico Médico No Brasil (2018), aponta que 40% dos brasileiros fazem autodiagnóstico médico pela internet (e o Google é o site mais visitado)! Esse foi o resultado da segunda edição desse estudo, cujo índice é recorrente. Em sua primeira edição, realizada em 2016, a pesquisa já revelava o mesmo índice de 40%. Isso significa que há muito o que oferecer em termos informações remotas no Brasil, que beneficiariam a população.
Indústria já faz orientação remota
Guardadas as devidas proporções, há tempos a indústria farmacêutica disponibiliza atendimento remoto, via telefone ou e-mail, para seus usuários de medicamento como parte do sistema de farmacovigilância, disponível para relatos de interações medicamentosas e reações diversas.
Nesses Serviços de Atendimento ao Consumidor (SAC) das indústrias há uma equipe de farmacêuticos especializados para receber demandas rotineiras e outras emergenciais, como a ingesta de altas doses de medicamentos com potencial tóxico, ou mesmo, letal, por exemplo. No caso, esses farmacêuticos têm de estar preparados para resolver problemas e dar orientações remotamente, o que poderia, até mesmo acontecer por uma webcam ou vídeo conferência. A atividade já é regulamentada pela Resolução 448, de 24 de outubro de 2006, do Conselho Federal de Farmácia (CFF).
Seu Capítulo V, Art. 16, diz que, no exercício dessa atividade, compete ao farmacêutico fornecer as informações técnico - científicas ao SAC, observando os seguintes procedimentos:
- Fornecer ao SAC, informações escritas baseadas em referências legais e bibliográficas.
- Avaliar as reclamações e investigar as possíveis causas.
III. Manter arquivo das reclamações.
- Acompanhar o sistema de recolhimento de produtos que apresentem desvios de qualidade ou que estão sob suspeita.
- Avaliar tendências de desvios da qualidade através das reclamações.
- Fornecer informações para outras áreas da empresa das tendências apontadas nas reclamações.
VII. Promover a melhoria contínua no atendimento dos clientes.
Redes de Farmácias prestam atendimento a distância
Pode-se encontrar vários exemplos de redes de farmácias, como a Drogasil e a Panvel, que disponibilizam o serviço de atendimento remoto. No caso da Drogasil, há o programa Farmacêutico 40 horas, que atende ao usuário em suas dúvidas sobre medicamentos, ancorados na RDC 44/09, que dispõe, entre outras coisas, sobre a prestação de serviços farmacêuticos em farmácias.
Numa dimensão um pouco diferente, e menos regulamentada, a própria medicina já prestava orientação e instrução remotas, haja vista os atendimentos de emergência ligados à saúde pública, como o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), cuja base presta importante assistência, por telefone, para as pessoas em situação de risco.
Inovações à mercê da farmácia
Para o farmacêutico, chefe da divisão de abastecimento farmacêutico do hospital da Polícia Militar do Estado de São Paulo, dr. Marcelo Polacow, essa tecnologia está relacionada principalmente aos avanços contidos na saúde 4.0, que contam com a inteligência artificial, big data, inteligência das coisas, conectividade online e atendimento em tempo real. “É para isso que estão direcionadas as inovações, inclusive a telemedicina, que permite o atendimento a longa distância; e a telefarmácia, que conta com procedimentos feitos de forma não presencial”, menciona ele, que complementa: “Isso é uma tendência mundial que vem acontecendo de maneira expressiva. Outra tendência são as tecnologias de diagnóstico, principalmente por imagem, tecnologia laboratorial, focada em mapeamento genético, em conhecimento fármaco genético e fármaco genoma. Isso leva para uma medicina personalizada, pois cada indivíduo vai ter seu atendimento adequado, o que afeta também a área da farmácia como tendência dos próximos anos”.
Para ele, a telefarmácia deverá crescer na medida do envelhecimento da população, dificuldades de transporte e custos elevados com os cuidados de saúde tradicionais. Este conceito inovador abre portas a um novo tipo de relação entre os farmacêuticos e os cidadãos.
“A telefarmácia é uma aplicação da telemedicina que envolve a prestação de cuidados farmacêuticos, gestão do medicamento, disponibilização de medicamentos e gestão da informação à distância, tendo já demonstrado que aumenta o acesso aos cuidados por parte dos pacientes, especialmente em zonas rurais, e melhora os cuidados continuados”, fala Polacow.
Vale lembrar que a atividade de prescrição farmacêutica de medicamentos já está regulamentada pela Resolução CFF 586/14. Embora ela trate da atenção presencial, ao menos tempo, não faz nenhuma objeção expressa quanto à prescrição por telefarmácia (internet ou telefone, por exemplo).
É importante ressaltar que toda a prescrição é efetuada por farmacêutico, treinado, que irá operar a telefarmácia e atentará aos dispostos nas Resoluções do CFF, 585/13 e 586/13, além do Código de Ética Farmacêutica e demais normas sanitárias e resoluções profissionais.
“O ideal é que o estabelecimento possua um serviço de farmácia clínica presencial, com consultório farmacêutico, para implantação concomitante do sistema de telefarmácia, pois os dois são complementares e podem utilizar o mesmo sistema informatizado de registro de dados clínicos”, explica Polacow.
Mais sobre a Resolução do CFM
Para entender um pouco melhor a Resolução 2.227/18, do CFM, vale dizer que ela atualiza as normas de funcionamento da telemedicina no País. O texto também esclarece que a medida foi resultado de mais de dois anos de discussões e define a relação médico-paciente presencial como premissa obrigatória, sendo o atendimento a distância possível apenas após a consulta presencial inicial, com o mesmo profissional. Na prática, seria um retorno de consulta e posterior acompanhamento, além de novas consultas.
De acordo com uma manifestação do CFM, a relação médico-paciente de modo virtual é permitida na cobertura assistencial em áreas geograficamente remotas, desde que existam as condições físicas e técnicas recomendadas e profissional de saúde, ou seja, em alguns casos o médico precisa ter o primeiro contato presencial. Em outros casos, isso é dispensável!
Outro ponto de destaque é que, em complemento às discussões realizadas até o momento, o CFM afirma que continuará a promover debates, inclusive com consulta pública, visando ao aperfeiçoamento dessa norma.
No esforço jornalístico de apuração de informações, recorremos à Associação Paulista de Medicina, quando seu presidente, José Luiz Gomes do Amaral, declarou que a entidade não participou da elaboração da resolução do CFM e que está discutindo com seus pares a posição da entidade sobre as novas regras.
A Resolução está causando forte reação entre os médicos de diversas partes do País. Os conselhos regionais de medicina, de forma conjunta, prepararam uma nota na qual pediam ao presidente do CFM, Carlos Vital Tavares Corrêa Lima, que adiasse a publicação da resolução no Diário Oficial da União (DOU), o que não teve resultado, já que a publicação ocorreu em 6 de fevereiro (págs. 58 e 59 – Seção 1). Assim, as novas regras entrarão em vigor três meses depois desta data.
O presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul, Eduardo Neubarth Trindade, divulgou comunicado dizendo que a entidade não participou da elaboração da medida e que tem inúmeras críticas e sugestões para a melhor incorporação dessa tecnologia. Os conselhos regionais do Rio de Janeiro e de São Paulo também divulgaram notas com o mesmo teor.
O Sindicato dos Médicos do Ceará e da Paraíba estão pedindo a suspensão imediata da Resolução, pois repudiam as regras divulgadas pelo CFM. Dizem que os critérios adotados em uma consulta presencial garantem segurança a médicos e pacientes. Compreendem a importância da tecnologia na área da saúde, mas pedem que seu uso seja feito de maneira democrática e transparente.
O cardiologista, Iran Gonçalves, disse que a tecnologia não pode ser usada para afastar o médico do paciente. “Nos Estados Unidos e na Europa temos visto movimento no sentido contrário, de aproximar médicos e pacientes”. Uma consulta médica, ou mesmo uma cirurgia, a distância, deveria ser feita em casos excepcionais, quando o paciente de fato está em uma área remota e precisa ser atendido de forma urgente. Gonçalves sentiu falta, na Resolução, de um capítulo que trate de responsabilidades na prática da telemedicina. “Se algo der errado, quem irá se responsabilizar?”, indaga ele.
O presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Lincoln Lopes Ferreira, informou que recebeu críticas e dúvidas sobre a Resolução do CFM e, por isso, decidiu convocar o Conselho Científico da AMB para discutir as novas regras e suas implicações. Ferreira diz também já conversou sobre o assunto com o presidente do CFM; com o vice-presidente, Mauro Ribeiro; e com o conselheiro, Aldemir Soares. Estes, segundo Ferreira, se mostram dispostos a participar da discussão a ser realizada pela AMB.