Apesar das resoluções 585/2013 (que regulamenta as atribuições clínicas do farmacêutico) e 586/2013 (que regula a prescrição farmacêutica no Brasil), já é de se esperar que os profissionais médicos sintam certa insegurança com relação à atuação farmacêutica na área clínica. Mesmo assim, é fato que há o reconhecimento do valor do farmacêutico entre os médicos mais esclarecidos com relação aos cuidados do paciente, principalmente no que se refere à adesão ao tratamento e aos problemas relacionados aos medicamentos.
O médico e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Alberto de Castro Pochini (CRM 83428-SP), comenta que tudo depende da qualificação do profissional envolvido: “Os farmacêuticos são habilitados e conhecem medicamentos até melhor que os médicos, porém, eles necessitam de mais formação clínica”.
Já o oncologista, Ricardo Caponero (CRM 51600-SP), afirma que o farmacêutico pode agregar um valor inestimável na qualidade dos serviços públicos de saúde: “Na grande maioria das vezes, o médico informa ao paciente apenas a posologia, e não alerta para eventos adversos, interações medicamentosas etc”.
Palavra dos médicos para os farmacêuticos clínicos
Com base nas entrevistas exclusivas com os médicos Caponero e Pochini, foram eleitas seis dicas a serem seguidas pelos farmacêuticos clínicos interessados no trabalho multidisciplinar e na parceria entre médicos, farmacêuticos e pacientes.
1 – Precisamos de ajuda com a receita – O farmacêutico, após ter certeza de que o paciente fez uma consulta e que já tem um diagnóstico, pode nos ajudar solicitando a receita e conferindo a prescrição, principalmente com relação à apresentação mais adequada dos medicamentos prescritos para aquele paciente (cápsulas, comprimidos, fracionáveis, solúveis etc).
2 – Auxilie na pesquisa do histórico clínico do paciente – Após checar a receita, investigue todos os medicamentos prescritos por outros especialistas, já que esses pacientes podem ser polimedicados. Esse fato é pouco explorado nos consultórios médicos, principalmente nas emergências hospitalares, o que produz interações medicamentosas que podem ser evitadas com o apoio do colega farmacêutico. Tendo em mãos a lista de todos os medicamentos já utilizados pelo paciente, cruze possíveis duplicidades. Nem sempre o paciente relata ao médico sobre outros medicamentos em uso.
3 – Acione-nos quando necessário – Precisamos que o colega farmacêutico alerte sobre as interações potenciais entre os medicamentos da receita emitida e entre os itens combinados da prescrição com outras receitas anteriores de dos demais especialistas. Se for o caso, podemos fazer as substituições cabíveis ou orientar para que o farmacêutico as faça, dentro de suas atribuições legais.
4 – Dê suporte na orientação ao paciente – Em caso de interações medicamentosas, o paciente precisa ser orientado sobre o motivo da possível troca de prescrição e necessita ainda ser esclarecido sobre a ocorrência de eventos adversos. Muitas vezes, o paciente abandona o tratamento ou altera a posologia por conta própria, deixando de tomar alguma dose do dia por causa desses eventos. Lembre a ele de que, em sua grande maioria, esses eventos adversos já são esperados. Por isso, é fundamental colocar-se a disposição para fazer um acompanhamento farmacoterapêutico junto a esses pacientes.
5 – Explique sobre cada medicamento – Para garantir a adesão ao tratamento, é fundamental que o colega farmacêutico oriente sobre a melhor forma de uso de cada item da receita e de sua lista de medicamentos (em casos de polimedicados). Explique sobre a forma e os horários de tomada, principalmente para os medicamentos de uso oral. Se for o caso, faça uma tabela de horários para cada dia da semana. É fundamental o reforço da informação e o detalhamento feito pelo farmacêutico, inclusive com o fornecimento de informações específicas por escrito para que o paciente possa consultá-las posteriormente.
6 – Acompanhe o paciente – O colega farmacêutico precisa ser incisivo no sentido de avisar ao paciente que retorne em caso de problemas inesperados relacionados aos medicamentos, pois ele é o profissional de saúde que está na ponta da cadeia e que, na grande maioria das vezes, recebe esses pacientes primeiramente. Com o retorno, o farmacêutico pode verificar periodicamente se o paciente continua tomando seus medicamentos e averiguar, se for o caso, eventos adversos por toxicidade crônica cumulativa. Assim, o colega farmacêutico poderá efetuar os ajustes necessários ou encaminhar o paciente para o atendimento médico.
Pesquisa aponta necessidade de integração entre médicos e farmacêuticos
Pesquisa coordenada por farmacêuticos do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), de 2011, acompanhou 28 pacientes da enfermaria do Hospital Universitário (HU) da USP, com idade média de 70 anos. Eles estavam hospitalizados devido às complicações relacionadas às doenças crônicas ou acometidos por infecção, com internação de cerca de dez dias e fazendo uso de extensa polifarmácia. O objetivo do estudo era identificar eventuais problemas com as receitas.
Nas prescrições, os erros mais frequentes encontrados eram terapêuticos (46,5%) e de procedimento (42,7%). No primeiro caso destacavam-se as interações medicamentosas potenciais (28,7% do total) e no segundo, erros de caráter geral (28,0%), como o não cumprimento das regras de prescrição segura, como faltas de espaço entre dose e unidade, receitas fora do sistema internacional de medidas, itens rasurados, entre outros. Além disso, medicamentos potencialmente inapropriados para idosos foram administrados a 21,4% dos enfermos.
Como resultado, a pesquisa apontou a necessidade de integração do profissional farmacêutico às equipes médicas, com destaque para a importância da atuação farmacêutica no cuidado da população e no processo de gerenciamento das receitas para minimizar os problemas relacionados a medicamentos, especialmente os erros de medicação e as possíveis reações adversas.
Para Pochini, o farmacêutico tem conhecimento específico sobre medicamentos e auxilia de maneira fundamental o trabalho do médico no cuidado do paciente e ainda garante a adesão ao tratamento. “Quero destacar a atuação do farmacêutico nas questões que envolvem o medicamento genérico e a eficácia da medicação. Além disso, ele pode realizar uma dupla checagem de efeitos colaterais e das alterações clínicas que prejudiquem o uso da medicação especifica”, comenta.
Já Caponero afirma que o farmacêutico completa o trabalho médico na medida em que esclarece as dúvidas, mas também pode colher dados de eventos adversos, ou seja, de farmacovigilância. “Acho que de todas essas potenciais atribuições, a mais importante e significativa seja a análise das interações medicamentosas e dessas com substâncias utilizadas em tratamentos complementares”.