Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a bula é o documento legal sanitário que contém informações técnico-científicas e orientadoras sobre medicamentos, as quais são disponibilizadas aos usuários em linguagem apropriada, ou seja, de fácil compreensão, nos estabelecimentos com atividade de dispensação de medicamentos, conforme lei vigente. Este instrumento traz informações preciosas sobre a ação do medicamento, indicações, riscos, modo de uso, reações adversas, conduta em caso de superdose, cuidados de conservação, posologia e outras informações importantes. Sabendo da importância da bula para o uso racional de medicamentos, o ICTQ realizou uma pesquisa que mostra a relação que o usuário tem com tal documento.
Nesta pesquisa foi perguntado aos entrevistados: "Você sempre lê as bulas dos remédios que consome?". As respostas estão equilibradas, pendendo para o sim (53,9%). Os extremos ficam para São Paulo (78,2% disseram Não) e Rio de janeiro (62,4% disseram Não), e do outro lado estão Belém (76,8% disseram Sim) e Fortaleza (74% disseram Sim). Ao cruzarmos os dados fornecidos pelo ICTQ com a Pesquisa Demografia Médica no Brasil (Conselho Federal de Medicina – 2013), podemos verificar que os estados do Rio de Janeiro e São Paulo estão entres os 3 entes federativos de maior concentração de médicos do país, ocupando, respectivamente, o segundo e terceiro lugar, atrás apenas do Distrito Federal. Diante disso, podemos dizer que nas regiões onde existe maior disponibilidade desses profissionais da saúde e, consequentemente, maior acesso aos serviços médicos, o hábito de leitura da bula é menor, o que nos levar a cogitar a possibilidade de que nestes estados os usuários conseguem, de alguma forma, acessar as informações básicas sobre a medicação em contato direto com os prescritores. Já os estados do Pará e Ceará estão entre os 7 que possuem menor concentração de médicos per capita no país, sendo o Pará o penúltimo colocado, gerando indícios que o hábito de leitura das bulas pode ter alguma correlação com a carência de acesso a serviços de saúde levando ao desenvolvimento de hábitos de automedicação. É fundamental entendermos o papel do Farmacêutico neste processo, pois o mesmo é o profissional da saúde que consegue ter contato com o paciente no momento da aquisição do medicamento, sendo o serviço de atenção farmacêutica uma importante ferramenta de conscientização sobre o uso racional de medicamentos e de melhoria da qualidade de vida do paciente.
Dos que não leem a bula, a falta de tempo foi a justificativa de maior índice (38,1%). Como São Paulo e Rio de Janeiro foram os maiores índices na resposta que não lê a bula, concluímos que a vida agitada da população nessas grandes metrópoles influencia, de maneira negativa, na obtenção de informações detalhadas sobre os medicamentos consumidos. Essa pesquisa reforça a importância da oferta de serviços de atenção farmacêutica nos pontos de dispensação. O segundo lugar ficou para a justificativa de que os usuários não entendem o que está escrito na bula (23,9%), o que evidencia uma real necessidade de melhorar a linguagem presente nas bulas de medicamentos comercializados no Brasil, que trazem muitas vezes textos de cunho estritamente técnico, dificultando a compreensão por parte do usuário final.
Entre o perfil daquelas pessoas que não leem a bula, os dados mais alarmantes estão nos jovens (51%), seguidos dos adultos acima de 55 anos (49,7%). O fato do jovem brasileiro se interessar pouco pela leitura das bulas demonstra a necessidade de conscientização sobre o uso racional de medicamentos nas escolas. No caso dos idosos, os dados são ainda mais preocupantes quando correlacionamos esta informação com o maior índice de politerapia medicamentosa observado nesse recorte populacional, podendo levar a maiores incidências de interações medicamentosas, muitas vezes já informadas nas bulas dos medicamentos. Em termos de escolaridade, as pessoas que possuem nível fundamental
se destacaram por não lerem a bula (49,8%). O nível de renda da classe C também apresentou dados preocupantes (48,1%). Esses resultados mostram que o acesso à educação tem ligação direta com o uso racional de medicamentos e, consequentemente, com a busca por informações que podem diminuir os riscos inerentes ao consumo destes produtos. O baixo nível de escolaridade e/ou acesso ao ensino de qualidade é um fator limitante para a leitura e compreensão das informações presentes nas bulas, muitas vezes de difícil entendimento para o público geral.
Desde 2003 a ANVISA vem melhorando a regulação para a confecção de bulas por parte da indústria farmacêutica. As mudanças visam simplificar as informações repassadas aos usuários, o que é, sem dúvida, uma medida louvável e de encontro à necessidade de facilitar o entendimento das informações disponibilizadas ao paciente. No cerne da orientação da agência reguladora, podemos verificar que as bulas devem conter impreterivelmente dois tópicos: bula para o paciente e bula para o profissional de saúde. Isso deixa claro que a ANVISA entende que tanto o paciente quanto o profissional da saúde devem ler, cuidadosamente, a bula pertinente ao medicamento que está sendo receitado ou dispensado. O Farmacêutico deve atuar como incentivador da prática desta leitura por parte dos usuários, fomentando, assim, o uso racional de medicamentos.
Finalmente, podemos afirmar que a não leitura cuidadosa da bula, pode trazer sérios prejuízos individuais e sociais, sendo o principal deles a falta de informação sobre os riscos que determinada terapia medicamentosa pode apresentar. No Brasil criou-se o hábito de banalizar o consumo de medicamentos isentos de prescrição médica (MIP), levando ao conceito, totalmente equivocado, de que estes produtos não possuem reações adversas ou não podem oferecer riscos aos usuários. Erros comuns como superdosagens, subdosagens, associações não indicadas e armazenagem inadequada de medicamentos, poderiam ser evitados caso os usuários realmente avaliassem as informações referentes aos medicamentos que estão utilizando. Cabe ao farmacêutico combater a automedicação e, no dia a dia da sua atuação profissional, buscar formas de conscientizar a população da importância da leitura da bula, como instrumento de fomento para o uso racional de medicamentos. Quando falamos de medicamentos, a informação é o melhor remédio!