PL propõe farmácias completas dentro de supermercados para venda de medicamentos

A segunda audiência pública destinada a debater o Projeto de Lei (PL) 2.158/2023, que propõe a comercialização de medicamentos isentos de prescrição (MIPs) em supermercados, realizada em 11 de junho, trouxe uma nova perspectiva para o texto original. Durante a sessão, realizada no Senado Federal, o autor da proposta, senador Efraim Filho (União-PB), sugeriu ajustes significativos: permitir convênio ou contrato de parceria entre supermercados e farmácias já regularmente licenciadas pelos órgãos competentes. Para isso, os supermercados poderão instalar farmácias completas dentro de suas dependências, sob as mesmas regras sanitárias e regulatórias já exigidas pelas farmácias tradicionais. "Esse é um ponto que pode avançar e gerar consenso", afirmou o senador.


O texto sugerido por Efraim Filho cria novos parágrafos na lei. O senador leu em plenário parte da redação proposta: “Parágrafo segundo: as farmácias instaladas dentro de supermercados poderão utilizar a mesma identidade fiscal e devem observar, cumulativamente, o regramento aplicável à infraestrutura de supermercados e de farmácias e drogarias, inclusive quanto ao controle, à armazenagem, à rastreabilidade e à assistência farmacêutica”.


Segundo o parlamentar, essa estrutura garantiria, além da segurança sanitária, a geração de empregos qualificados. “É obrigatória a presença de farmacêutico legalmente habilitado durante todo o horário de funcionamento das farmácias instaladas dentro de supermercados”, reforçou ao citar o parágrafo terceiro do texto complementar.


Efraim ainda destacou a possibilidade de convênios entre redes já estabelecidas de farmácias e os supermercados, conforme previsto no parágrafo quarto: “As farmácias... poderão ser instaladas diretamente pelos supermercados ou indiretamente por meio de convênio ou contrato de parceria entre estes e farmácias ou drogarias regularmente licenciadas pelos órgãos competentes”.
O objetivo, segundo ele, é oferecer mais pontos de venda com qualidade e menor preço para o consumidor. “Quando se pode comprar MIP online, com entrega sem supervisão direta, não faz sentido impedir que eles sejam adquiridos em locais supervisionados por farmacêuticos”, justificou.

Saúde pública em debate
A fala do senador abriu espaço para o contraponto técnico de autoridades sanitárias e especialistas, que questionaram os riscos à saúde pública caso os MIPs passem a ser vendidos como produtos comuns em gôndolas de supermercados, sem a mediação adequada do farmacêutico.

Para o presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Walter Jorge João, o histórico brasileiro é claro quanto aos efeitos negativos dessa prática. “Entre 1993 e 1995, quando os medicamentos foram autorizados nas gôndolas dos supermercados, os casos de intoxicação aumentaram. Quando retornaram às farmácias, de 2007 a 2009, houve queda de 14% nas ocorrências”, afirmou. “Isso mostra que a farmácia não é apenas um ponto de venda, mas de cuidado à saúde”.
Ele ainda lembrou os dados da CPI dos Medicamentos, realizada em 1998, que apontaram aumento de até 300% no preço dos MIPs quando vendidos fora das farmácias. “Essa ideia de que vender em supermercado reduz o preço não se sustenta na prática”, declarou.

A mesma preocupação foi destacada pelo farmacêutico Eugênio Muniz, diretor executivo do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico. Segundo ele, “medicamento é insumo para a saúde, e não uma mercadoria comum”. Para o especialista, o único ambiente adequado para a comercialização é a farmácia, por ser um estabelecimento de saúde, sob vigilância sanitária e supervisão profissional contínua. “Nosso foco precisa ser a segurança do paciente, a racionalidade no uso dos medicamentos e o fortalecimento do papel clínico do farmacêutico”, reforça.

Muniz lembra que a legislação brasileira já permite farmácias dentro de supermercados, desde que essas estruturas sejam plenamente licenciadas, com infraestrutura adequada, identidade fiscal própria e farmacêutico presencial durante todo o funcionamento. “Portanto, não se trata de inovação, mas de reafirmar o que já existe e precisa ser respeitado”, destaca.

Anvisa: foco na segurança sanitária

Em sua fala, o diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Daniel Meirelles Fernandes Pereira, reforçou que a agência não se posiciona contra nem a favor de projetos de lei, mas atua tecnicamente para garantir a segurança sanitária.
“A posição da Anvisa é clara: não podemos retroceder em aspectos que garantem a saúde pública. É essencial manter uma autorização de funcionamento específica para qualquer estabelecimento que comercialize medicamentos”, destacou.
O diretor explicou que essa autorização permite à Anvisa e às vigilâncias locais verificarem se as exigências sanitárias estão sendo cumpridas. “A atuação do farmacêutico vai além da dispensação. Ele garante o uso racional dos medicamentos, orienta o paciente e supervisiona as condições de armazenamento”, disse.
Ainda segundo Pereira, os medicamentos devem estar segregados de produtos que atraiam vetores ou comprometam sua qualidade. “Há risco sanitário real quando um medicamento é exposto a condições inadequadas de temperatura ou umidade, o que compromete sua eficácia e segurança”.

Alerta sobre a banalização dos MIPs
O economista e ex-diretor da Anvisa, Ivo Bucaresky, reforçou os argumentos sobre os riscos à saúde da população, especialmente em relação à automedicação.
“Ao colocar medicamentos junto a alimentos, cigarros ou doces em gôndolas de supermercado, a mensagem que se passa à população é de que esses produtos são inofensivos. Isso incentiva o uso indiscriminado”, criticou.

“Além disso, supermercados não têm a mesma estrutura de controle e estocagem que uma farmácia. O farmacêutico, quando presente, é responsável por muito mais do que apenas vender”. Ele também questionou a viabilidade de manter farmacêuticos em todos os pontos de venda e apontou que a proposta inicial do PL sequer previa a obrigatoriedade de assistência presencial, apenas remota. Então, houve avanço nesse sentido.

Eugênio Muniz também critica essa possibilidade: “Venda em gôndola, sem mediação técnica, é um retrocesso e fere o direito constitucional à saúde e à informação adequada sobre o uso de medicamentos”, pontua.

Falta de farmacêuticos é entrave real

O advogado, representante da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Cacito Augusto de Freitas Esteves, trouxe à audiência uma análise técnica sobre o modelo proposto de venda de MIPs em supermercados. Segundo ele, há um “fato em controverso” que não pode ser ignorado: a inviabilidade operacional de realizar a dispensação conforme previsto na regulamentação vigente, fora de um ambiente sob supervisão farmacêutica.
“Isso não é uma questão de posicionamento ou opinião. É tecnicamente impossível realizar a dispensação correta de medicamentos, como exigido por lei, em sistemas de autosserviço como os supermercados”, afirmou.
De acordo com Esteves, o Brasil tem entre 300 mil e 400 mil farmacêuticos habilitados para atuar em diversas frentes — farmácias, drogarias, laboratórios, hospitais, indústrias e órgãos públicos. No entanto, somente farmácias e drogarias somam 122 mil estabelecimentos, cada um demandando ao menos dois farmacêuticos por jornada de 16 horas.
A CNC, que assessora câmaras de produtos farmacêuticos e de gêneros alimentícios, acompanha esse gargalo há mais de duas décadas, tentando, sem sucesso, encontrar alternativas viáveis para o déficit profissional, especialmente em regiões afastadas.
“O projeto de lei tenta se legitimar com base na presença de farmacêutico, mas isso simplesmente não é possível de implementar com os recursos humanos que temos hoje. O número não fecha”, concluiu.

Abrafarma contesta “falácias” do setor supermercadista
Já o CEO da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Sérgio Mena Barreto, rebateu com veemência os principais argumentos utilizados pelos defensores da venda de MIPs fora das farmácias.
“Essa não é uma discussão sobre prateleiras ou concorrência. Isso é uma questão de saúde pública. Envolve o impacto no SUS, na Farmácia Popular, no uso racional de medicamentos”, disse, iniciando uma lista de argumentos que, segundo ele, desmentem as “falácias” do setor supermercadista.
Entre os dados apresentados, Mena Barreto citou estudo da consultoria IQVIA que mostra que há atualmente 93.404 farmácias ativas no Brasil, ausentes em apenas 46 municípios com menos de 5 mil habitantes. “Isso é menos que 1% dos municípios brasileiros. Temos mais farmácias que UBSs”, disse.
O executivo também questionou a promessa de que a liberação de MIPs em mercados traria economia para os consumidores. Citou um estudo que analisou 35 mil itens e constatou que, salvo os hipermercados, os supermercados vendem mais caro que farmácias.
“Falar que MIPs serão 35% mais baratos é comparar 1994 com 2025. Hoje, a realidade do varejo farmacêutico é outra: há distribuição automatizada, indústria vendendo direto para redes, e muito mais eficiência. Essa comparação é desonesta”, afirmou.
Outra preocupação destacada foi o impacto sobre a saúde pública: “A cada três minutos uma pessoa é internada no Brasil por falhas na atenção primária. Se facilitarmos ainda mais o acesso a medicamentos sem orientação, o que vamos ter é o agravamento de doenças maltratadas, automedicação e superlotação do SUS”, alertou.

publicidade inserida(https://ictq.com.br/pos-graduacao/3328-pos-graduacao-farmacia-clinica-e-prescricao-farmaceutica)

Próximos passos
O relator do projeto, senador Humberto Costa (PT-PE), deverá analisar a proposta de emenda apresentada por Efraim Filho e apresentar parecer nos próximos dias. Costa, que também é médico, tem manifestado cautela sobre o tema, demonstrando preocupação com o impacto sanitário e a proteção ao consumidor.
Enquanto isso, entidades farmacêuticas e representantes da saúde pública seguem atentos. Para o CFF, o foco deve permanecer na proteção à vida, não apenas na lógica de mercado. “Estamos falando de medicamentos, não de bens de consumo comuns”, reforçou Walter Jorge João.

Na visão de Eugênio Muniz, o PL pode encontrar um caminho seguro se for ajustado para exigir os mesmos critérios já previstos na legislação sanitária atual. “Se for mantida a exigência de farmácia licenciada, com farmacêutico presente e vigilância sanitária atuante, estaremos apenas reconhecendo uma prática já prevista e segura”, conclui.

Capacitação farmacêutica

Se você deseja se capacitar para atuar no segmento farmacêutico nacional, conheça os cursos de pós-graduação do ICTQ. Clique AQUI.

Participe também: Grupos de WhatsApp e Telegram para receber notícias

Obrigado por apoiar o jornalismo profissional

A missão da Agência de Notícias do ICTQ é levar informação confiável e relevante para ajudar os leitores a compreender melhor o universo farmacêutico. O leitor tem acesso ilimitado às reportagens, artigos, fotos, vídeos e áudios publicados e produzidos, de forma independente, pela redação da Instituição. Sua reprodução é permitida, desde que citada a fonte. O ICTQ é o principal responsável pela especialização farmacêutica no Brasil. Muito obrigado por escolher a Instituição para se informar.

 

Contatos

WhatsApp: (11) 97216-0740
E-mail: faleconosco@ictq.com.br

HORÁRIOS DE ATENDIMENTO

Segunda a quinta-feira: das 08h às 17h
Sexta-feira: das 08h às 16h (exceto feriados)

Quero me matricular:
CLIQUE AQUI

Endereço

Escritório administrativo - Goiás

Rua Engenheiro Portela nº588 - 5º andar - Centro - Anápolis/GO 

CEP: 75.023-085

ictq enfermagem e mec
 

Consulte aqui o cadastro da instituição no Sistema e-MEC

PÓS-GRADUAÇÃO - TURMAS ABERTAS