Hoje, 27 de maio, foi realizada a primeira Audiência Pública, presidida pelo Senador Humberto Costa, para instruir o Projeto de Lei 2.158 de 2023, que altera a Lei 5.991 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos para permitir que os medicamentos isentos de prescrição (MIPs) possam ser comercializados e dispensados nos supermercados que disponham de farmacêutico. A próxima audiência já tem data certa, 11 de junho, e contará com outros órgãos que regulamentam os setores.
Posicionaram-se sobre o tema o consultor tributarista da Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados (Abad), Pedro Rezek Andery Altran; o vice-presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Maurício Ungari da Costa; o presidente executivo da Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico (ABCFarma), Rafael Oliveira Espinhel; o presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar), Fábio Basílio; e a especialista em Direito Civil, Laura Schertel Mendes.
Altran, da Abad, iniciou sua fala defendendo os pilares do projeto. “O primeiro deles é mais acesso da população aos medicamentos. Hoje, 5% dos municípios não possuem nenhuma farmácia, e 12%, apenas uma. Isso dificulta muito o acesso do cidadão aos medicamentos básicos”, justificou. Segundo ele, a liberação aumentaria os pontos de venda, reduzindo preços e melhorando a competitividade. Altran afirmou ainda que os MIPs são “altamente regulamentados, altamente fiscalizados pela Anvisa” e que a presença do farmacêutico nos supermercados traria segurança à operação.
Apesar dos argumentos apresentados pela Abad, representantes do setor farmacêutico questionaram duramente essa visão. Para Espinhel, da ABCFarma, a proposta ignora a estrutura sólida que o país já possui em assistência farmacêutica. “A farmácia é muito mais do que um ponto de dispensação de medicamento, mas é um local onde você pode ter acessibilidade, orientação, cuidado”, declarou. Espinhel lembrou que há cerca de 96 mil farmácias no Brasil, presentes em 99% dos municípios, sendo 57% delas independentes – o que refuta a ideia de monopólio. “Quando se fala em monopólio, nós questionamos essa argumentação. O setor é extremamente plural e capilarizado”, afirmou.
Impacto econômico e social
O executivo da ABCFarma também fez um alerta importante sobre o impacto econômico e social da medida. “Se de fato isso acontecer, nós teremos, de impacto imediato, o encerramento de mais de 13 mil farmácias. A consequência secundária é o fechamento de mais de 90 mil empregos que geram renda para milhares de famílias”. Segundo ele, farmácias evitam de 500 a 1.200 atendimentos por ano ao sistema de saúde, com ações de triagem, orientação e acompanhamento farmacêutico. “Farmácia é muito mais do que uma dispensação de medicamento. Ela promove, orienta, acolhe e presta serviços de saúde”.
Na mesma linha, Basílio, da Fenafar, reforçou a importância da farmácia como estabelecimento de saúde, conforme determina a Lei 13.021/2014. Ele rebateu comparações feitas com países como os Estados Unidos. “Sempre é dito que nos Estados Unidos é assim. Nós somos modelo de assistência farmacêutica, os Estados Unidos não são. O Brasil tem uma política pública de assistência farmacêutica que é exemplo no mundo”, destacou.
Basílio também desmontou o argumento da redução de preços com base em competição. “O preço dos medicamentos é regulado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). A competição não garante queda de preços. Em muitos casos, o preço na farmácia já é menor do que no supermercado para itens que são vendidos nos dois locais”. E foi enfático ao declarar: “Farmácia não pode ser supermercado, assim como supermercado não pode ser farmácia”.
O vice-presidente da Abras, Costa, por sua vez, afirmou que a entidade é contrária à venda com farmacêutico virtual, prevista na redação original do PL. “Estamos sugerindo que se mude o projeto para que se obrigue a ter o farmacêutico presencial. Mesmo medicamentos considerados seguros precisam ter um profissional presente para tirar dúvidas e garantir a dispensação correta”, disse.
Princípio da precaução
A especialista em Direito Civil, Laura, trouxe à discussão uma abordagem jurídica e de proteção ao consumidor. “Estamos falando de medicamentos isentos de prescrição, mas que não são isentos de risco”, destacou. Para ela, a venda de medicamentos fora de farmácias ignora o princípio da precaução que deve reger as políticas de saúde. “Medicamentos não podem ser tratados como bens de consumo comuns. Eles estão diretamente relacionados à saúde dos cidadãos brasileiros.”
Laura também levantou preocupações com a possível abertura para vendas em marketplaces digitais, o que poderia ampliar o descontrole sobre o uso racional dos medicamentos. “Não podemos nos deixar levar por argumentos meramente econômicos. Estamos tratando de um direito fundamental: o direito à saúde”, afirmou. E completou: “Esse é um direito que exige do Estado uma postura ativa de proteção, responsabilidade e regulação. E isso inclui o Legislativo.”
Para os representantes do setor farmacêutico e jurídico, a flexibilização da venda de medicamentos pode gerar consequências graves, especialmente para as populações mais vulneráveis, que podem recorrer à automedicação de forma inadequada e, em vez de aliviar o SUS, acabam por sobrecarregá-lo.
Embora os representantes do comércio defendam a medida com base em acesso e conveniência, o setor farmacêutico deixou claro, na audiência, que a proposta ignora o papel das farmácias como unidades de saúde e a importância da atuação do farmacêutico na orientação ao paciente. A expectativa agora se volta à próxima audiência, marcada para 11 de junho, quando outras entidades reguladoras devem se posicionar.
Até lá, o debate segue polarizado. De um lado, interesses comerciais que alegam ampliar o acesso. Do outro, profissionais da saúde que alertam para a banalização do uso de medicamentos e seus riscos diretos à vida dos brasileiros.
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