A definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) é bem clara sobre o que são as práticas integrativas e complementares de saúde (PICs) – sistemas que buscam estimular mecanismos naturais de prevenção e recuperação da saúde por meio de tecnologias eficazes e seguras, com ênfase no atendimento humanizado e na integração homem, meio ambiente e sociedade.
Essas atividades são também denominadas de medicina tradicional e complementar/alternativa (MT/MCA), que preconiza um resgate das práticas mais antigas sem desconsiderar os avanços da ciência.
Entre as atividades incluídas nas PICs, estão a acupuntura, o uso de plantas medicinais e fitoterapia, homeopatia, crenoterapia (uso da água mineral para tratamento de saúde), medicina antroposófica (visão global do indivíduo) e práticas da medicina tradicional chinesa – corporais (tai chi chuan, lian gong, tui-na) e mentais, como a meditação. Na Europa, particularmente Alemanha, França e Holanda, é onde a medicina integrativa está mais avançada no Ocidente, especialmente na área de fitoterapia e homeopatia. Os EUA também têm evoluído, mais no segmento de suplementos nutricionais. Também no Brasil as PICs têm progredido também, sobretudo depois que foram inseridas no Sistema Único de Saúde (SUS).
As práticas integrativas são tecnologias que abordam a saúde do ser humano na sua multidimensionalidade – física, mental, psíquica, afetiva e espiritual –, “fortalecendo os mecanismos naturais de cura do organismo”, revela Valéria Cyriaco da Silva Frota, gerente de Práticas Integrativas da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. “Além disso, elas têm um caráter educativo que leva o praticante à autocura e autonomia em sociedade.” Claudinei Alves Santana, farmacêutico homeopata e professor do ICTQ, salienta que as PICs não têm nada de esotérico. “Medicina integrativa para muitos pode parecer algo místico, mas tem ciência e filosofia que a embasa”, diz. “Tem como característica a ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade, em uma visão ampliada do processo saúde-doença e de promoção global do cuidado humano, especialmente do autocuidado.”
Nilton Luz Netto Junior, farmacêutico chefe do Núcleo de Farmácia Viva da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, comenta que as práticas integrativas combinam o resgate de valores culturais ancestrais com a excelência da medicina moderna. “Além de socialmente bem aceitas, as PICs integram os cuidados primários e essenciais da saúde e são legitimadas pela tradicionalidade do uso e pelas comprovações de seus benefícios por metodologias científicas contemporâneas”, frisa. “No âmbito do tratamento de saúde propriamente dito, as PICs buscam ter uma visão holística do indivíduo, enxergá-lo em conjunto, no qual o equilíbrio vem da harmonia entre a condição física e emocional”, acrescenta a farmacêutica Mara Rúbia Ferreira de Freitas, do Departamento de Ensino e Pesquisa do Hospital de Medicina Alternativa de Goiânia. “O foco não é a doença, mas o doente”, enfatiza.
As mudanças de perfil da sociedade exigem novas abordagens para os tratamentos de saúde, dizem os especialistas. “Com o envelhecimento da população, a tendência é o aumento das doenças crônicas, que necessitam de tratamentos mais longos. Muitas vezes, terapias alternativas, como a acupuntura, podem auxiliar, diminuindo a carga de medicamentos”, afirma André Wen Tsai, ortopedista e acupunturista do Hospital das Clínicas de São Paulo. “É possível encontrar na literatura médica pacientes que tiveram melhora significativa de doenças, como artrite e fibromialgia, com termalismo, redução das dores da nefralgia do trigêmeo e diminuição de náusea e vômito pós-quimioterapia com acupuntura”, adiciona Claudinei Alves Santana.
“Há casos em que o uso da medicina alternativa traz mais benefícios. Em outros, ela é complementar à convencional. O bom é que elas não são excludentes, mas complementares”, observa André Wen Tsai, destacando outro ponto. “A medicina oriental é mais focada na prevenção, no bem-estar físico e mental. Ela tem uma abordagem mais ampla, avalia o estilo de vida do indivíduo. Já a ocidental age quando a doença já está instalada. É mais focada. Em alguns casos, precisa ser direta mesmo. Um apendicite, por exemplo, tem que se partir para a cirurgia. Mas, em geral, a prevenção contribui para uma vida melhor e sem doença.”
Saúde pública
Sendo utilizada como forma complementar na prevenção e tratamento de saúde, as práticas integrativas podem trazer ganhos significativos para a saúde pública, avalia Valéria Cyriaco da Silva Frota. “As PICs trazem uma nova perspectiva, baseada em um diferente paradigma de saúde, voltado para o equilíbrio e a interação harmoniosa do homem com a natureza e o meio social.” Após anos de debates, o Ministério da Saúde (MS) resolveu apostar na área e criou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), que normatiza as PICs na rede pública de saúde, visando garantir qualidade, eficiência e segurança na sua aplicação. Por meio da portaria ministerial n° 971 de 2006, o MS instituiu no SUS as práticas integrativas como uma ferramenta a ser utilizada na rede de atenção à saúde, cujo objetivo “é ampliar a abordagem clínica e as opções terapêuticas ofertadas aos usuários, podendo ser utilizadas como primeira opção terapêutica ou de forma complementar ao tratamento segundo projeto terapêutico individual”.
Como ressalta a farmacêutica Joyce Nunes, do Conselho Regional de Farmácia de Pernambuco e professora do ICTQ, a PNPIC visa promover a racionalização das ações de saúde, estimulando alternativas inovadoras e socialmente contributivas ao desenvolvimento sustentável das comunidades. Entre as áreas contempladas pela PNPIC estão a medicina tradicional chinesa (acupuntura), crenoterapia, medicina antroposófica, homeopatia, fitoterapia e uso de plantas medicinais. De acordo com o MS, as ações são financiadas com verba da atenção básica, repassada aos estados e municípios, a quem está atribuído o gerenciamento do recurso e da oferta de serviços à população.
Segundo o MS, desde que a PNPIC foi implantada, o acesso dos usuários do SUS às práticas integrativas tem aumentado, assim como o número de instituições que as oferecem. Atualmente, quase 8 mil estabelecimentos de saúde ofertam alguma prática integrativa e complementar de saúde, o que representa cerca de 28% das Unidades Básicas de Saúde (UBS). Os dados do MS indicam também que as PICs estão presentes em 20% dos municípios brasileiros, distribuídos pelos 27 estados e Distrito Federal e em 100% das capitais brasileiras. Mais de 1.230 municípios oferecem as PICs, sendo que a distribuição dos serviços está concentrada em 70% na atenção básica, 25% na especializada e 5% no segmento hospitalar.
Para Claudinei Alves Santana, a implantação das PICs no SUS poderia avançar mais rapidamente, mas ele vê pontos positivos no programa. “Houve alguns avanços, como a criação da Farmácia Viva, exclusiva para manipulação de fitoterápicos, a incorporação desses medicamentos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), além do desenvolvimento de ambulatórios para acupuntura.” Santana lembra ainda que há hospitais universitários que já possuem ambulatórios para tratamento da dor crônica, no qual os pacientes são acompanhados com procedimentos como acupuntura. Valéria Cyriaco da Silva Frota destaca que a inserção das PICs no SUS é uma estratégia importante para melhorar a efetividade dos tratamentos terapêuticos. “Reduz-se o uso desnecessário de medicamentos e os efeitos adversos dos tratamentos crônicos, além de acrescentar bem-estar e qualidade de vida aos pacientes”, afirma.
Cuidado farmacêutico
O farmacêutico é um educador em saúde, podendo contribuir de forma decisiva nas ações que se inter-relacionam com a PNPIC, resume Nilton Luz Netto Junior. Isso inclui não apenas a orientação dos pacientes como também dos demais profissionais de saúde. Mara Rúbia Ferreira de Freitas destaca o papel do farmacêutico nas equipes multidisciplinares de saúde que estão envolvidas nas PICs. “As práticas integrativas estimulam o trabalho conjunto de vários profissionais de saúde – médicos, nutricionistas, terapeutas, psicólogos, enfermeiros e farmacêuticos. A presença do farmacêutico nesse grupo é muito importante, não apenas como formulador e produtor de diversos medicamentos, mas também como orientador dos demais profissionais de saúde”, esclarece Mara.
Ainda na área das PICs a atuação do farmacêutico se dá nos laboratórios fitoterápicos, no ensino e pesquisa científica e na sua mais conhecida função que é a presença nas farmácias e drogarias. Além de aviar receita médica, ele orienta sobre o uso correto dos medicamentos, faz o acompanhamento do paciente e também pode prescrever fitoterápicos que não exigem prescrição médica. No âmbito da fitoterapia ainda há farmacêuticos atuando na gestão de serviços do SUS, como as Farmácias Vivas, e nos hospitais públicos espalhados pelo País. “No modelo de assistência social farmacêutica, os profissionais atuam na promoção do uso racional de plantas medicinais e na produção de fitoterápicos, possibilitando o acesso dos usuários e demais profissionais de saúde a uma opção terapêutica complementar eficaz e segura, valorizando a biodiversidade brasileira”, revela Nilton Luz Netto Junior. Por fim, existem resoluções do CFF que definem os parâmetros técnicos do farmacêutico para atuar em outros segmentos das PICs, como a orientação na acupuntura, acrescenta Claudinei Alves Santana.
Principais terapias incluídas nas PICs
• Acupuntura – originária da medicina tradicional chinesa, ela utiliza a estimulação de áreas específicas do corpo por meio de agulha, calor ou outro meio, com o objetivo de regular o funcionamento do organismo, restabelecendo a saúde.
• Fitoterapia – método que utiliza plantas medicinais e suas diversas formas farmacêuticas para prevenir e tratar doenças.
• Hatha yoga – prática vinda da Índia. Treina ao mesmo tempo posturas físicas, atitudes mentais, respiração, concentração e relaxamento. Os praticantes obtêm mais equilíbrio hormonal, energia, fortalecimento da imunidade e da capacidade mental.
• Homeopatia – terapêutica baseada no princípio da semelhança, que utiliza medicamentos de origem animal, vegetal e mineral, em doses ultradiluídas e dinamizadas, para estimular os mecanismos naturais de cura do organismo.
• Meditação – prática milenar que facilita o processo de autoconhecimento e autocuidado. Melhora a capacidade de observação, atenção, concentração e promove a regulação mente-corpo-emoções.
• Tai chi chuan: arte marcial terapêutica baseada na medicina tradicional chinesa e realizada por meio da consciência respiratória e movimentos suaves e naturais. Promove calma, equilíbrio, fortalecimento das articulações e órgãos internos.
• Terapias antroposóficas – prática que amplia a concepção de saúde da medicina acadêmica buscando uma visão global do ser humano, considerando além do corpo físico, a vida psíquica e sua individualidade. Utiliza medicamentos de origem natural e diversas terapias, como massagem rítmica e euritmia.
Fonte: Isabela Ribeiro Lessa da Silva, coordenadora técnica de Hatha Yoga da Gerência de Práticas Integrativas da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.