De acordo com o Ministério da Saúde, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), criada por meio da Portaria 971, de 2006, instituiu no Sistema Único de Saúde (SUS) abordagens de cuidado integral à população por meio de recursos terapêuticos diferenciados, como acupuntura, homeopatia, uso de plantas medicinais e fitoterapia, termalismo social e crenoterapia, entre outros.
É importante ressaltar que os serviços são oferecidos por iniciativa local, mas recebem financiamento do Ministério da Saúde por meio do Piso de Atenção Básica (PAB) de cada município.
Os recursos para as PICs integram o PAB de cada município, podendo o gestor local aplicá-los de acordo com sua prioridade. Por isso, o Ministério da Saúde incentiva a adoção dessas práticas a partir das características de cada região, preservando a autonomia dos entes federativos para incrementar as práticas integrativas oferecidas.
Desde a sua implantação, o acesso dos usuários do SUS a essas práticas integrativas tem crescido exponencialmente, uma vez que estados e municípios estão implantando e normatizando, por meio de suas políticas regionais, as práticas presentes na Política Nacional e outras ações locais.
Para o ministro da Saúde, Marcelo Castro, a inserção das Práticas Integrativas e Complementares na rede de atenção à saúde como ferramenta de cuidado tem por objetivo ampliar a abordagem clínica e as opções terapêuticas ofertadas aos usuários, podendo ser utilizadas como primeira opção terapêutica ou de forma complementar ao tratamento, segundo projeto terapêutico individual de cada caso.
Atualmente, mais de 1.230 municípios oferecem as PICs e a distribuição dos serviços está concentrada em 70% na atenção básica, principal porta de entrada do SUS, 25% na atenção especializada e 5% na atenção hospitalar.
Com isso, de acordo com o ministro, são mais de 7.700 estabelecimentos de saúde ofertando alguma prática integrativa e complementar em saúde, o que representa cerca de 28% das Unidades Básicas de Saúde (UBS). Os dados revelam ainda que as PICs estão presentes em quase 30% dos municípios brasileiros, distribuídos pelos 27 Estados e Distrito Federal e estão presentes em 100% das capitais brasileiras.
Segundo a conselheira federal suplente de Farmácia pelo Estado de São Paulo e coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Fitoterapia do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Margarete Akemi Kishi, as práticas integrativas no cuidado farmacêutico ofertadas nos serviços de saúde incluem também ioga, reiki, homeopatia, acupuntura e tai chi chuan. Elas são assim classificadas por considerarem os fatores sociais, culturais e de meio ambiente, entre outros, como essenciais para a conquista da saúde. Essas práticas vêm crescendo no Sistema Único de Saúde (SUS) e nos serviços privados. “Neste cenário, por meio dos conceitos estabelecidos e das resoluções emitidas pelo CFF, o farmacêutico pode atuar na homeopatia, fitoterapia, acupuntura e floralterapia”, diz a especialista.
As práticas integrativas e complementares somente podem ser exercidas por profissionais que já dispõem de regulamentação por parte dos seus respectivos conselhos de classe. Para Margarete, o CFF reconhece o direito de o farmacêutico exercer profissionalmente a homeopatia, a acupuntura, na fitoterapia e na floralterapia. Essas práticas podem ser exercidas em farmácias, nas unidades básicas de saúde e em consultórios farmacêuticos, já que envolvem atos como a prescrição farmacêutica.
De acordo com o médico homeopata especialista em Direito e Saúde (Fiocruz), presidente da Ação Pelo Semelhante e coordenador da Campanha Democracia na Saúde Já!, Hylton Sarcinelli Luz, a PNPIC representa um efetivo e fabuloso avanço para o SUS, uma vez que expressa uma ampliação do compromisso com os direitos da população. “Esta política fortalece um dos princípios básicos do SUS, que é a equidade, voltado para garantir a assistência na medida da demanda social”, fala ele. Dessa forma, a diversidade de práticas de cuidados da saúde que estavam presentes na assistência pública de forma pontual, dispersas em municípios isolados e operando sem qualquer sistematicidade, poderão ser universalizadas e oferecidas a todos os cidadãos do País de forma semelhante, atendendo aos mesmos critérios de oferta e acompanhamento.
Neste sentido a PNPIC representa a implicação do estado brasileiro com o compromisso democrático, garantindo a todos aquilo que é privilégio de alguns, daqueles que têm poder econômico para comprar na assistência privada o que atende às suas necessidades. “A PNPIC implica a assistência pública de saúde com um direito fundamental de todos os cidadãos, que é a liberdade no exercício de suas escolhas individuais. Essa liberdade, no caso da saúde, significa o direito de escolher aquele tratamento que está de acordo com sua maneira de viver”, defende ele. A PNPIC faz o SUS avançar no compromisso de garantir aos cidadãos o exercício de suas liberdades individuais no campo da saúde.
Desafios a serem superados
Os desafios são imensos na medida em que a distância entre a palavra e o ato é incomensurável, requerendo permanente empenho para manter o compromisso assumido. Esta é a opinião de Luz. Para ele, as PICs englobam uma diversidade de racionalidades médicas e práticas de saúde que são distintas entre si e que, em sua maioria, são praticadas apenas no ambiente privado, onde cada cabeça é uma sentença. Em uma mesma modalidade de prática, podem existir muitos modos de agir. Isso representa o desafio de sistematizar os procedimentos adotados e de formular critérios comuns de avaliação. “Esses desafios se acentuam no ambiente público, onde há necessidade de garantir efetividade e critérios para avaliar resultados, sejam dos praticantes em si, do conjunto dos praticantes e dos resultados de cada uma das PICs frente a situações comuns”, lamenta ele.
Esses desafios representam as exigências de uma nova realidade e implicarão em avanços e desenvolvimentos. No entanto, neste momento, ainda são vistos como lacunas, obstáculos e dificuldades. Esses aspectos representam necessidades de investimento para consolidar culturas e gerar conhecimentos, principalmente no campo da educação formativa, da pesquisa e da comunicação social. Esta última não pode ser esquecida, já que a desinformação do público é grande e, consequentemente, há muitos preconceitos que precisam ser esclarecidos.
Frente a isso, Margarete destaca os problemas encontrados no exercício dessas práticas pelos farmacêuticos: “O primeiro desafio está em nossa formação. Muitas das instituições de ensino superior não possuem, em sua matriz curricular, as disciplinas nas áreas previstas nas práticas integrativas e complementares. Isso ocorre apesar de a Resolução CNE/CES 2, de 19 de fevereiro de 2002, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Farmácia, prever a formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde”.
Outra situação destacada pela especialista é a falta de entendimento, principalmente por meio de empresários nãos farmacêuticos, que os medicamentos e produtos utilizados nas práticas integrativas podem agregar valor aos serviços do estabelecimento, bem como no conceito de farmácia como estabelecimento de saúde. “Em relação ao sistema público de saúde, entendo que muitos dos gestores dos diversos municípios no Brasil não estão sensibilizados quanto à importância de se instituir, nesses locais, a PNPIC”, defende ela.
Crise sanitária mundial
Para Luz, a inclusão das Práticas Integrativas e Complementares na saúde pública representa uma estratégia para superar o gravíssimo impasse da crise sanitária mundial, decorrente da insustentabilidade da saúde. Esses altos custos da medicina biotecnológica são consequência de sua dependência da alta tecnologia, bem como do elevado valor de seus insumos e, como tal, representam um beco sem saída. Os custos crescem em escala exponencial, na medida do crescimento da população, o que não é acompanhado pela geração de recursos.
“Neste cenário, a inclusão das medicinas tradicionais com suas práticas não tecnológicas de cuidados representam uma necessidade para que se consiga garantir a saúde como direito humano universal, como compromisso de todos os estados nacionais. Incluir as PICs na saúde pública representa minorar custos e ampliar a gama de recursos de cuidado que prescindirem da alta tecnologia, seja para promover saúde e prevenir adoecimentos, seja para avaliar o estado de saúde dos cidadãos e implementar medidas terapêuticas de recuperação”, ressalta ele.
No entanto, quando Luz considera a distância entre o propósito e o fim, ele identifica que a PNPIC carece definir os meios pelos quais será implementada. Ainda é uma proposta de política de saúde que não estabeleceu compromissos com a implementação. Para o médico, a PNPIC é uma proposta incompleta que requer a participação da sociedade para que avance na direção de uma política pública, para que consolide instrumentos de atuação, para que alcance suas finalidades e atenda às necessidades da sociedade.
Para isso, está sendo proposta a criação da Rede de Atores Sociais das Práticas Integrativas e Complementares (Redepic). O seu objetivo é consolidá-la como política pública, com instrumentos claros de implementação, com planos, programas e projetos orientados por critérios de monitoramento e com orçamentos de execução.
Segundo Luz, essa Redepic será aberta a todos os interessados nas PICs, profissionais, cidadãos, associações, empresas, gestores, instâncias de controle social, organizações sociais, defensores públicos, agente de direitos, políticos etc. “A rede visa aglutinar o coletivo dos diversos atores para que seja representativa do setor, para que tenha legitimidade de vocalizar suas demandas, para que possa formular e defender propostas de implementação para a PNPIC. Servirá para que a PNPIC avance na direção de atender às necessidade da sociedade e garantir direitos que hoje estão denegados”.
É preciso mais qualificação
De acordo com Margarete, o perfil do profissional farmacêutico para exercer as PICs deve ser o mesmo que o exigido em todas as áreas. O farmacêutico deve ser comprometido, empenhado, com vontade de mudar, ser inovador, ousado, fazer e saber fazer. É claro que deve-se, sempre, se aprimorar e conhecer mais sobre a área de atuação escolhida. Qualificação é fundamental.
Já quando o paciente tem a informação correta sobre o uso dos medicamentos ou produtos que fazem parte do elenco das práticas integrativas e complementares há um ganho enorme no sistema de saúde do Brasil. “As plantas medicinais e os medicamentos fitoterápicos podem causar reações adversas e interações medicamentosas, principalmente os famosos chazinhos, utilizados, muitas vezes, de forma totalmente inadequada. Temos ainda os medicamentos homeopáticos, antroposóficos e antihomotóxicos, que necessitam de orientação específica. Vejam então a importância que tem o farmacêutico nessa área e o ganho da população!”, afirma a especialista.
Desde a publicação da Portaria/MS 971/2006, dez anos se passaram e muitas ações no sentido de sua implementação foram executadas. Muitos estados e municípios criaram legislações específicas para a implantação da PNPIC. No entanto, Margarete acredita que é fundamental que sejam inseridas de forma crescente as disciplinas específicas nos cursos de graduação, favorecendo assim, a disseminação das práticas integrativas e diminuindo o descrédito nesses sistemas terapêuticos de saúde. Além disso, os estabelecimentos farmacêuticos ainda não entenderam a importância e a rentabilidade que esses medicamentos e produtos podem render às empresas, nem a importância da orientação efetiva aos usuários, cuja procura cresce diariamente.