Considerando que vivemos numa era em que as tendências para a área de farmácia são altamente globalizadas e os efeitos de mudanças nos Estados Unidos e Europa rapidamente chegam ao Brasil, eu discuto, neste artigo, algumas tendências que irão surgir em breve e irão impactar a atuação do farmacêutico hospitalar.
O uso de ‘cuidados de saúde perto de casa’ (tradução livre do termo em inglês, next-door health care) vai aumentar. Os pacientes querem os cuidados de saúde mais próximos, e as farmácias do sistema de saúde estão trabalhando para expandir os serviços em sites de varejo e clínicas médicas, por meio de parcerias regionais e locais com fornecedores.
Os sistemas de saúde também estão começando a se associar a grandes empregadores para atender às suas forças de trabalho. Os funcionários que moram nesses bairros podem ir a uma clínica local e conseguir os serviços que estão procurando, em vez de ter que se locomover para muito longe.
A recente fusão do grupo varejista americano CVS com a gigante de medicina de grupo Aetna provavelmente levará as empresas brasileiras a refletir se este modelo pode ser reproduzido no Brasil, e qual seu impacto.
Na ótica da farmácia hospitalar é muito mais barato estimular o atendimento na Atenção Básica do que esperar o paciente ter uma complicação e necessitar de um atendimento hospitalar, que custará muito mais caro e com maiores riscos aos pacientes. Os hospitais terão de interagir mais e melhor com as redes de atenção básica para conseguir otimizar seus recursos humanos e financeiros.
Teremos também, com certeza, uma expansão da prestação de serviços farmacêuticos hospitalares, tais como o Gerenciamento de Terapia Medicamentosa (GTM) em todas as clínicas (em especial UTI, pronto atendimento e emergência, geriatria, pediatria, infectologia, reumatologia, endocrinologia e outras). O uso de ferramentas de PK/PD (farmacocinética/farmacodinâmica) estará em alta e elas não serão mais restritas somente a antimicrobianos, sendo expandidas para outras classes terapêuticas.
A área de farmácia oncológica ganhará mais espaço, principalmente com a regulamentação, em 2016, pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) dessa área, e exigindo especialização para atuar no segmento. Assim, o foco na dispensação e manipulação deve migrar para o acompanhamento clínico.
Muitas vigilâncias sanitárias estão intensificando a fiscalização do cumprimento da Lei Federal 13.021/14, que obriga, inclusive, as farmácias hospitalares a terem serviços de farmacovigilância e seguimento farmacoterapêutico, o que deverá aumentar a oferta de empregos nesta área.
Qualificação é ponto central
O que tem chamado à atenção é que muitos gestores, independentemente da questão legal, estão investindo nas suas farmácias hospitalares, não só no aspecto de infraestrutura e tecnologia, mas na qualificação de sua mão de obra.
Acredito também que um dos pontos-chave para o avanço da farmácia hospitalar brasileira é a questão da qualificação e formação dos técnicos de farmácia, que deverá ganhar especial atenção do CFF, dos Conselhos Regionais de Farmácia e também das entidades farmacêuticas.
Se, além de investir em tecnologia e automação, o farmacêutico hospitalar não conseguir delegar as tarefas administrativas ficará difícil a implantação intensiva dos serviços farmacêuticos clínicos em suas unidades.
Além de ter um acesso mais fácil aos cuidados dos pacientes, os sistemas de saúde também se beneficiam ao fazer com que esses programas capturem informações sobre os pacientes e tenham a capacidade de rastrear seus cuidados. Clinicamente, eles estão sendo bem tratados e sabemos que estão aderindo aos remédios.
Precificação
Outro ponto que será mais discutido no Brasil e que já é fruto de pressões de ‘quem paga’ pelos medicamentos é a precificação. Nos Estados Unidos, o debate está em andamento no Congresso sobre o 340B Programa de Precificação de Medicamentos, aumentando o foco em seu desempenho e conformidade para os líderes do sistema de saúde. Auditorias mais rigorosas e orientações revisadas para os planos de ações corretivas estão sendo propostas.
No Brasil, a própria Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANSS) e os planos de saúde já não aceitam mais usar tabelas, como Brasindice, Kairos e outros, que não refletem o preço real pago e que pode ser cobrado. Existe uma tendência para cobrança apenas do preço real do que foi pago pelo medicamento, e o lucro seria apenas pela prestação dos serviços de saúde. O acompanhamento e o gerenciamento de dados otimizarão os resultados.
Existe uma tendência, já sinalizada nas diferentes esferas de poder público, de maior transparência na esfera pública. Assim, o tão sonhado banco de dados único de preços reais de medicamentos pode se tornar realidade. Os dados são a base do tratamento dos pacientes, e compartilhar essas informações é fundamental.
Rastrear e monitorar gastos
Os sistemas de saúde estão usando princípios diferentes e, por isso, estão tentando garantir que possam se comunicar uns com os outros. Os diretores de redes de farmácias, além das entidades representativas do varejo farmacêutico, também estão enfrentando uma pressão crescente para utilizar dados e análises para otimizar o crescimento das farmácias do sistema de saúde. Rastrear e monitorar o gasto e a utilização de medicamentos continuarão sendo as principais prioridades nos próximos anos.
A política pública levará a uma maior transparência. No entanto, os direitos de privacidade e segurança de dados representam desafios. Manter os dados seguros, mas também compartilhá-los com as partes apropriadas, é o grande objetivo. Os fornecedores e consumidores estão exigindo essa transparência. Eles querem poder acessar seus próprios dados. Eles querem ver esses dados.
Uma questão atual, e que recebe atenção, é a transparência com o custo dos medicamentos. Fazer com que os pacientes compreendam o custo da medicação pode ser melhorado pela inclusão do preço na publicidade televisiva de medicamentos (que está sendo proposta nos Estados Unidos). A transparência no preço é muito importante, ao mesmo tempo, porém, precisamos ter certeza de que os profissionais estão diagnosticando e prescrevendo os medicamentos certos para os pacientes certos.
Produtos biológicos e biossimilares estão e alta
Outro grande desafio a ser enfrentado é o crescente aumento da oferta e demanda por produtos biológicos e biossimilares e, neste contexto, o farmacêutico deve ter conhecimento amplo e aprofundado, o que não acontece atualmente por deficiência na sua formação de graduação.
Nos próximos anos, medicamentos de síntese diminuirão de importância enquanto os medicamentos biológicos, dentro dos princípios da medicina de precisão, ganharão mais espaço. Não podemos nos esquecer de que estes medicamentos ainda são de difícil acesso, tanto na esfera pública como na privada, principalmente pelo custo elevado.
Outro ponto que chama atenção é o crescimento do gasto com drogas especiais. O mercado de medicamentos especiais registrou uma taxa de crescimento de 16%, em 2018, de acordo com um relatório recente. Embora o acesso restrito continue a ser um desafio para os sistemas de saúde nos Estados Unidos - e lá as farmácias especializadas ainda podem gerar receita significativa - no Brasil, cada vez mais, medicamentos especiais estão chegando ao mercado.
Os custos desses medicamentos, muitas vezes, se tornam proibitivos. Deixar só para a esfera pública estes gastos tem sido questionados, e com razão, pelos gestores públicos. A cobrança por parte do Sistema Único de Saúde (SUS) das empresas de medicina de grupo está mudando o olhar destas últimas para verificar se não vale mais a pena tratar essas patologias nas suas redes próprias do que deixar a cargo do SUS, e esperar tão somente vir a conta depois.
*Prof. Dr. Marcelo Polacow Bisson é farmacêutico pela USP-Ribeirão Preto, mestre e doutor em Farmacologia pela UNICAMP, major farmacêutico da PMESP, diretor de Comunicações e Eventos da SBRAFH e conselheiro Regional no CRF-SP.