Escrevo este artigo inspirado pelos comentários que recebi em redes sociais, num texto que publiquei aqui, no Portal do ICTQ. Naquela ocasião a matéria intitulada “TODO FARMACÊUTICO DEVERIA SER CHAMADO DE DOUTOR?” recebeu uma enxurrada de comentários e compartilhamentos. Quase que em uníssono, os internautas questionaram: de que adianta nós farmacêuticos sermos chamados de doutores se não somos valorizados em termos salariais?
De fato, para mim a mensagem ficou bem clara. No meio de muitos “doutor é quem faz doutorado”, o que transparece na classe é a necessidade de uma real valorização profissional, tangibilizada, obviamente, em retorno financeiro. Afinal, todos temos contas a pagar! Sei que a posição que assumirei neste artigo será criticada por muitos representantes da categoria. Durmo bem com isso! Escrevo para lhes explicar qual causa está na RAIZ da diminuição do poder de compra do piso salarial (numa base de indexação ao salário mínimo) que vem ocorrendo em alguns estados, assim como a crescente dificuldade de colocação profissional. Talvez a colocação aqui posta soe grosseira e inoportuna. Reconsidere! Essa é a minha forma, a palo seco, de chamar a atenção para a MAIOR ameaça da atualidade para a profissão farmacêutica. Vamos ao que interessa!
Ao acessar o link “dados 2016”, na página principal do site do Conselho Federal de Farmácia, você vai observar que naquele ano o Brasil já contava com o 529 Faculdades de Farmácia. Hoje, na plataforma E-MEC, já existem 709 cursos/localidades em atividade, onde, por exemplo, só no curso de Farmácia EAD da UNIVERSIDADE PITÁGORAS UNOPAR são ofertadas 17.500 vagas anuais (código 1404110 – acessado em 26/12/2018). Sim amigo farmacêutico, as dimensões desses números assustam. Essa oferta de vagas é uma bomba relógio programada para implodir o salário da categoria.
Não adentrarei na discussão sobre a necessidade de realização de uma prova de proficiência para o exercício da profissão farmacêutica. Acredito que o CFF, mesmo que lento, já esteja trabalhando junto ao Congresso Nacional para viabilizar um projeto de lei no sentido de tornar este exame uma realidade. Em minha opinião, isso NÃO resolverá o problema, apenas reduzira sua velocidade de avanço. Vou me ater ao mal maior: segundo dados obtidos no site do Ministério da educação, todas as Instituições de ensino Superior do Brasil, que possuem Bacharelado em Farmácia, podem ofertar juntas 17.815 (dezessete mil, oitocentos e quinze) vagas anuais para ingresso de estudantes de farmácia. ESSE NÚMERO DEVE SER ENCARADO COMO UM PESADELO PARA A CLASSE FARMACÊUTICA!
De acordo com o 2º Censo Demográfico Farmacêutico do ICTQ (Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para Farmacêuticos), nos últimos três anos, o número de farmacêuticos no Brasil cresceu 17%. Trata-se de questão óbvia: o mercado está prestes a vivenciar um período de super oferta de farmacêuticos. Se mantida uma taxa de crescimento tão agressiva, daqui a 10 anos é provável que DOBREMOS o número de farmacêuticos no Brasil. Com uma oferta tão grande de profissionais, não existe média salarial que resista. O mercado estará em breve SATURADO. Nosso Conselho de Classe precisa fazer algo, urgentemente!
Alguém pode questionar: mas a autorização de abertura de novos cursos não é uma atribuição do CFF, mas sim do MEC. Sei disso! Confesso não entender quais os meandros jurídicos deveriam ser percorridos para que o conselho Federal de Farmácia possa intervir nessa comoditização da formação do farmacêutico no Brasil. Mas um bom caminho seria encampar a briga que já vem sendo travada pelo Conselho Federal de Medicina, que em setembro de 2017 publicou uma matéria criticando a abertura de mais 710 vagas de medicina nas regiões Sul e Sudeste. Textualmente:
"O número de cursos de medicina abertos no Brasil é alarmante e continua a crescer. Já temos mais de 26 mil vagas somente no primeiro ano da graduação. É premente a necessidade de equacionar e qualificar o sistema formador, mas, em vez disso, instituições são inauguradas sem atender nem mesmo às exigências mínimas", alertou o presidente do CFM, Carlos Vital.
Coincidentemente, em novembro de 2017, o Ministério da Educação decidiu vetar a abertura de novos cursos de medicina por 5 anos (medida não afetava os editais já em andamento). Este ato foi oficializado em abril de 2018, quando duas portarias que regulamentam a "moratória" foram assinadas durante uma reunião entre o presidente Michel Temer e o ministro da Educação, Mendonça Filho. Registro aqui que, no mesmo período, o CRF-SP enviou ao MEC um ofício solicitando a implementação de uma medida semelhante para os cursos de farmácia. Confesso ter ficado curioso sobre quais motivos fizeram com que essa manifestação viesse de um conselho regional e não da autarquia federal.
Diante de tamanha oferta de profissionais, não sejamos ingênuos em afirmar que aqueles que se destacarem terão reconhecimento pleno por parte dos empregadores. Isso é conto da carochinha! Ou nossos representantes se manifestam de forma ORQUESTRADA, e barulhenta o suficiente, para serem ouvidos pelo Ministério da Educação, ou a classe sofrerá as consequências. A possibilidade de banalização da profissão farmacêutica é uma ameaça real. Corremos o risco de vermos bacharéis em farmácia serem contratado com salários equiparados aos de balconistas, num futuro não muito distante.
Por fim, sei que nossos representantes são merecedores de crédito, pois venceram grandes batalhas nos últimos 5 anos, sendo a promulgação da Lei 13021/2014 a maior delas. Agora eles precisam ser estratégicos e vislumbrar que cada portaria do MEC que autoriza a abertura de um novo curso de farmácia (presencial ou EAD), em regiões não carentes destes profissionais, é um cavalo de troia plantado no seio da profissão. Fechar os olhos para isso, ou montar barricadas apenas contra a abertura de cursos a distância é, no mínimo, inocência!
* Leonardo Doro Pires - Professor do ICTQ (Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico), Bacharel em Farmácia, Administração de Empresas e Ciências Contábeis. Especialista em Marketing Digital (FMU), Tecnologia Farmacêutica (UFRJ) e Mestre em Inovação (PUC). Atua como consultor em gestão de varejo farmacêutico e é autor dos livros “Gestão Estratégica para Farmacêuticos” e “A Arte da Guerra para Farmacêuticos”.