O setor magistral brasileiro passou por mudanças importantes nos últimos anos, marcado por um crescimento surpreendente. Parte desse crescimento deve-se à estrutura organizacional identificada nesse setor, caracterizada por farmacêuticos à frente da gestão do negócio. Por outro lado, o avanço tecnológico observado em todas as áreas, inclusive da saúde, fez com que as farmácias com manipulação aprimorassem a forma com que se relacionam com os clientes, melhorando a experiência do consumidor do medicamento manipulado.
Tais avanços são demonstrados, por exemplo, pelos aplicativos e sites de compras pela internet, que facilitam o acesso aos produtos oferecidos pelas diversas farmácias no Brasil e no mundo. Alguns desses aplicativos, por exemplo, trazem ferramentas que lembram o dia em que o medicamento termina e a necessidade de renovar a receita do paciente. Todas essas facilidades do mundo tecnológico melhoram a adesão do paciente ao tratamento e modelam o perfil do consumidor. Frente a essas mudanças e do impacto causado nos setores produtivos da farmácia é importante que os gestores e líderes sejam eficientes e capazes de melhorar a produtividade do setor, garantindo a qualidade do produto manipulado.
Segundo a Resolução RDC nº 67/2007, regulamento técnico que instituiu as Boas Práticas de Manipulação de Preparações Magistrais e Oficinais para Uso Humano em Farmácias, existem seis possíveis grupos de atividades a ser desenvolvidas: a manipulação de medicamentos a partir de insumos ou matérias-primas, inclusive de origem vegetal; a manipulação de substâncias de baixo índice terapêutico; a manipulação de antibióticos, hormônios, citostáticos e substâncias sujeitas a controle especial; a manipulação de produtos estéreis; a manipulação de medicamentos homeopáticos e a manipulação de doses unitárias e unitarização de doses de medicamentos em serviços de saúde. Cada grupo de atividade possui exigências estruturais, documentais e processos específicos que irão definir a organização dos setores e dimensões mais adequadas para as operações a serem realizadas.
Um dos setores mais importantes da farmácia magistral é o de produção, local de preparação dos produtos manipulados que emprega diversos procedimentos e operações para transformar os insumos em medicamentos. A organização desse setor é feita de acordo com os grupos de atividades que a farmácia executa e estruturado para receber as mais diversas demandas de medicamentos, podendo ser oficinais, alopáticos, dinamizados e nas formas farmacêuticas que vão desde as mais tradicionais às inovadoras. Vale salientar que o início da preparação magistral acontece com a avaliação da prescrição médica, realizada pela equipe de farmacêuticos antes e durante o processo magistral até a dispensação ao paciente.
O farmacêutico que atua no setor de produção na farmácia magistral é designado comumente como gerente da produção, podendo também ocupar cargos de supervisão técnica, coordenação e direção, todos ligados ao setor produtivo e que têm como principais desafios garantir a qualidade e a rastreabilidade do medicamento manipulado.
São inúmeras as atribuições do farmacêutico que atua nessa área da farmácia, a iniciar pela aquisição dos insumos, matérias-primas e materiais de embalagem usados na manipulação. Nesse caso, a empresa fornecedora deve estar em conformidade com as questões legais e com a documentação em dia perante as autoridades sanitárias, bem como deve cumprir com as Boas Práticas de Fabricação ou de Fracionamento e Distribuição de insumos. A farmácia magistral deve manter cópia dessa documentação como forma de qualificar essas empresas e realizar inspeções periódicas em suas instalações. Sendo assim, o farmacêutico gestor de produção deve realizar e prover ações visando sempre à qualidade dos insumos que a farmácia utiliza e do produto manipulado.
Após a etapa da aquisição, o gestor de produção precisa acompanhar com critério o recebimento, o armazenamento, o fracionamento e a distribuição dos insumos para os laboratórios da farmácia. A inspeção de recebimento faz-se necessária para garantir que o insumo recebido esteja de acordo com o solicitado. É possível detectar por meio de inspeção visual sinais que sugerem desvios de qualidade e trocas de matérias-primas. Nessa etapa, verificam-se as condições da embalagem, número de lote e prazo de validade, identificação do fabricante, fornecedor, presença de laudo de análise e nota fiscal, entre outros pontos relevantes. Os produtos aprovados na inspeção de recebimento irão para a área de quarentena enquanto aguardam a aprovação para utilização pelo laboratório de controle de qualidade.
Todos os insumos adquiridos pela farmácia devem ser analisados e ter a sua qualidade testada e aprovada pelo laboratório de controle de qualidade, podendo ser terceirizado. Quando ele é integrado à farmácia, fica o gestor de produção responsável em acompanhar a realização de todas as operações do setor inclusive das análises feitas nos insumos, auxiliando a equipe técnica no controle documental referente às rotinas do setor. A documentação é parte integrante do processo magistral e, adicionalmente, inclui os Procedimentos Operacionais Padrão (POP), os manuais de Boas Práticas de Manipulação, os registros das receitas e arquivamento das prescrições contendo substâncias de controle especial e antimicrobianos, os relatórios de autoinspeção e os registros de reclamação de clientes. Na etapa posterior, os insumos aprovados seguem para o almoxarifado, onde serão armazenados e depois utilizados na manipulação.
Durante o armazenamento é fundamental a observância da aplicação das boas práticas, mantendo os insumos longe de superfícies como paredes e pisos, fontes de calor, umidade e contaminação. Quanto ao ambiente, é imprescindível que o gestor de produção faça o monitoramento da temperatura e umidade por meio dos registros realizados, de modo que se mantenham adequados os parâmetros físico-químicos e microbiológicos das matérias-primas. Alguns insumos possuem regulamentação específica em relação à guarda e a recomendações sobre conservação, sendo necessário acompanhar a execução dessas orientações. Sobre a distribuição de insumos do almoxarifado para os laboratórios é importante verificar o prazo de validade, utilizando primeiro os que possuem vencimentos mais curtos, evitando assim perdas e desperdícios. Já existem ferramentas modernas para um controle efetivo de validades que preservam a farmácia do risco de usar insumos fora do prazo. É o caso dos atuais programas de computador usados pela maioria das farmácias magistrais, que ajudam no controle do estoque além de permitirem a rastreabilidade de lotes utilizados na manipulação. Todas essas vantagens auxiliam de modo importante o gestor da produção no controle e execução das tarefas.
Todos os processos envolvidos na manipulação precisam de um acompanhamento rigoroso para checar a aplicação dos Procedimentos Operacionais, das Boas Práticas de Manipulação e das normas sanitárias. Periodicamente, a farmácia, por meio de um programa efetivo de gestão da qualidade, deve realizar auditorias internas para que a equipe técnica e as lideranças mantenham o processo em condições de qualidade e rastreabilidade. Além disso, é necessário que a farmácia possua um programa de treinamento inicial e contínuo que contemple todas as operações relacionadas ao processo de manipulação e registre sua execução.
O profissional farmacêutico que pretende atuar nessa área precisa saber planejar e controlar, além de ter conhecimentos específicos sobre o assunto. Para obter êxito na carreira de gestor da produção é recomendável formação superior em farmácia e alguma experiência na área, que pode ser adquirida por meio de estágios. O gestor da produção deve conhecer a capacidade produtiva da equipe, considerando a complexidade e o tempo de execução de cada operação envolvida na produção de uma fórmula. Além disso, programar o número de fórmulas que serão produzidas no dia, sempre atento à provisão de pessoas e de recursos materiais necessários ao funcionamento do processo. Sobre o perfil, o farmacêutico deve possuir boa comunicação, capacidade de tomar decisões e liderança. Adicionalmente, conhecimentos sobre farmacotécnica, operações matemáticas como cálculo de porcentagem e conversão de unidades, interações medicamentosas, incompatibilidades e microbiologia são essenciais.
A atualização permanente é indispensável para quem deseja atuar nessa área, considerando que as bases regulatórias do setor e a tecnologia aplicada à área de saúde, tanto em equipamentos quanto em insumos, são dinâmicas.
Finalmente, o gestor deve procurar conduzir o setor de Produção com motivação e amor, aspectos que sem dúvida impactam a produtividade e o alcance de resultados para a farmácia.
Rita Sampaio - Farmacêutica, Mestra em Ciências Farmacêuticas e docente em Cursos de Graduação e Pós-Graduação na área de Farmácia Clínica. Consultora na área Magistral.