Partição de comprimidos – Você é conivente com essa prática?

O procedimento de partir comprimidos ao meio é muito comum entre usuários, cujas necessidades de tratamento não são atendidas por medicamentos industrializados, com suas dosagens padronizadas para produção em alta escala. Além de obter, teoricamente, a quantidade de fármaco prescrita, o paciente visa economizar dinheiro, o que torna a prática de divisão de partes um grande atrativo, já que o dobro da dose em geral custa menos do que o dobro da dose necessária. O que muitos adeptos deste método não sabem é o enorme risco que correm.

Vários estudos comprovam que o procedimento resulta, na maioria das vezes, em desigualdade entre as partes, comprometendo seriamente a efetividade do tratamento. Em pesquisa de 2012 (BUTOW), foram partidos 750 comprimidos e em nenhum dos casos as “metades” continham a mesma quantidade de princípio ativo. Para agravar, “a metade” restante não tem mais a garantia de estabilidade de guarda, podendo estar quimicamente alterada, inclusive. No mesmo estudo, a diferença entre as partes atingiu 15%, ficando evidente a variação de dosagem administrada e demonstrando, com clareza, porque o steady state fica comprometido clinicamente.

Apesar de o comprimido ser considerado farmacotecnicamente como uma forma farmacêutica unitária, ou seja, destinada à administração em uma única vez, essa prática de dividir comprimidos é comum, mesmo entre os profissionais de saúde. Médicos prescrevem, farmacêuticos aceitam isso com naturalidade, e cultura perece. Alguns comprimidos são produzidos com marcações, linhas ou sulcos, que se destinam a facilitar a divisão das unidades em duas ou mais partes. Veja bem! Mesmo a partição realizada por operador treinado e utilizando equipamento específico para esta finalidade é insegura (SACHEW, 2006).

A ANVISA mantém em seu portal online um alerta à população sobre os riscos do procedimento: “a partição de comprimidos é prejudicial ao paciente, especialmente se o produto for de liberação sustentada, ou seja, liberado durante todo o dia no organismo, ou se o produto tem como objetivo atingir uma área específica do corpo, antes de dissolver por completo. Isso não significa que nenhum medicamento possa ser partido, mas este processo deve ser discutido pelo médico, farmacêutico e paciente”. Fico imaginando essa tríade discutindo amplamente por todo o Brasil sobre o tema (#SQN). Enfim, autoridades europeias iniciaram ainda em 1998 uma política para desencorajar essa prática.

Portanto, meu colega, a partição de comprimidos somente poderá ser realizada em poucos medicamentos, e mesmo assim sem garantia de efetividade do tratamento. Em qualquer caso de prescrição de partição, o médico e o farmacêutico devem discutir o caso e avaliar as opções. Boa sorte!

A solução deste problema existe e se chama farmácia de manipulação. São cerca de 7 mil no país e dispõem de uma gama enorme de substâncias que podem ser manipuladas na dose correta e individualizada. Também é possível adequar a dose de medicamentos industrializados, mas com farmacotécnica segura, utilizando técnicas laboratoriais apropriadas. No primeiro caso, converse com o prescritor para que prescreva o nome em DCB e a dosagem indicada ao paciente; na segunda opção, a prescrição deve informar o nome comercial ou genérico do medicamento com sua dosagem inicial e deve vir acompanhada de prescrição adicional para ajuste de dose. A regra de três agradece.

Tá, alguns colegas vão dizer, pensar, sei lá...“e naquelas cidades onde não tem farmácia de manipulação?”, ou “e se o paciente não pode pagar pelo serviço profissional de ajuste de dose?”...e eu digo que exceções não podem virar regra. Saiba mais sobre seus pacientes, converse com eles no balcão, atenda no seu consultório. Faça educação em saúde, porque só a educação pode salvar o país.

Referências

BUTOW, A. A. et al. Avaliação do processo de partição em comprimidos de hidroclorotiazida. Ver Ciênc Farm Básica Apl., 2012;33(4):555-560.

SACWEH, K. V. et al. Diferentes métodos empregados na partição de comprimidos e consequências no tratamento medicamentoso. [Monografia]. Curitiba: Curso de Especialização em Farmácia Magistral; 2006.

PINHEIRO, V. A. et al. Cápsulas magistrais: uma alternativa viável para a partição de comprimidos de liberação imediata de 40mg de Furosemida e de 25mg de Espironolactona comercialmente disponíveis no mercado nacional. Prêmio Farmag 2006.

Eduardo Abreu – Farmacêutico pela UFRGS, professor na Pós-Graduação do ICTQ, ganhador do Prêmio Sérgio Lamb - Categoria Magistral, Conselheiro Fiscal da Anfarmag, Diretor de Whatever do Clube da Serotonina, Palestrante Nacional de Gestão e Farmácia. Foi Coordenador do Sistema Nacional de Aperfeiçoamento e Monitoramento Magistral (SINAMM) - RS entre 2009 e 2011. Presidente da Anfarmag - RS, de 2011 a 2015.

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